Anistia

Paulinho da Força vai de aliado de Tarcísio a inimigo do bolsonarismo enquanto articula anistia

Governador de SP estaria disposto a recebê-lo no Palácio, mas interlocutores dizem que chances de mudar os planos do relator é remota

O governador Tarcísio de Freitas ao lado do relator do PL da Anistia, Paulinho da Força - Reprodução / Redes Sociais

O encontro entre o deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade), escolhido relator do PL da Anistia pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), com o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o deputado federal Aécio Neves (PSDB), em São Paulo, na noite desta quinta-feira, 18, teria contado com a participação remota dos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

A informação causou revolta no bolsonarismo, com influenciadores e parlamentares divulgando o vídeo nas redes sociais, relembrando investigações da Lava Jato contra os três e postando fotos do sindicalista ao lado dos petistas Lula e Gleisi Hoffmann.

Com isso, instala-se um dilema no Palácio dos Bandeirantes. Paulinho já cobrou publicamente um posicionamento de Tarcísio sobre o assunto desde que rebatizou o projeto de “PL da Dosimetria”, descartando o modelo de “anistia ampla, geral e irrestrita” defendida pelos "extremos" para livrar o ex-presidente Jair Bolsonaro da cadeia e, porventura, até retomar os seus direitos políticos e a possibilidade de disputar as eleições presidenciais de 2026.

“Vou procurar alguns deles, entre eles o Tarcísio. Se ele não quiser, tudo bem, vamos em frente”, declarou em entrevista ao Globo. Nesta sexta-feira, ao UOL, disse que encaminhou mensagens ao governador pedindo um encontro, mas não teve resposta. “Estou aguardando uma posição.”

Apesar das cobranças, a agenda de Tarcísio nesta sexta-feira envolve apenas reuniões e despachos internos. Interlocutores dizem que o governador estaria disposto a se reunir com o deputado relator da proposta, mas não acreditam que exista uma possibilidade real de mudar os planos.

Para quem esteve com Tarcísio nos últimos dias, o governador demonstrou "cansaço" com o assunto, sobretudo pelas cobranças que vem recebendo de pessoas e grupos que "olham seus próprios interesses". No Centrão, diz uma fonte, já está pacificado o entendimento que uma anistia a Bolsonaro não terá adesão e será declarada inconstitucional pelo STF, restando ao ex-presidente apenas a opção da redução da pena e da detenção longe do sistema prisional.

– O máximo que vai sobrar para o Bolsonaro é uma prisão domiciliar. Por isso entendo que o PL vai precisar baixar a bolinha e aceitar o que vier a ocorrer – afirma uma liderança do próprio partido com trânsito no governo paulista.

Outros mantém o discurso de enfrentamento e sugerem um ultimato ao deputado:

— O Paulinho tem que conversar com o Tarcísio mesmo, porque ele está muito mal informado. A anistia que o maior partido do Brasil, o PL, junto a outros partidos, está construindo é ampla, geral e irrestrita, e não vamos aceitar nada diferente disso. O governador já foi enfático em defender o projeto nesses moldes. Ele deve se encontrar com ele justamente para colocar essa situação e dizer: ou você caminha da forma como estamos articulando ou abre mão da relatoria – afirma o deputado estadual Lucas Bove (PL-SP).

A deputada federal Rosana Vale (PL-SP) prefere aguardar o desenrolar das negociações antes de decretar a morte da anistia total.

– Nós temos que ver o relatório para depois tomar uma definição. O relator tem, por obrigação, tentar o consenso, e apesar de a gente já ter demonstrado preocupações com relação à relatoria do Paulinho da Força, pelas posições que ele tem, eu creio que é precipitado falar contra agora. Vamos ver o que ele vai apresentar de relatório.

Em vídeo publicado nas redes sociais, Michel Temer defende um “pacto republicano” para revisar as penas dos condenados por golpe de estado, o que incluiria uma espécie de garantia de ministros do Supremo de que a matéria não seria revertida na Corte.

Já o deputado Aécio Neves, em entrevista para a Globonews, declarou que Bolsonaro poderia ser beneficiado com uma redução de pena, sem mudança no seu "status quo", e que percebeu “sinais de muito desprendimento” no STF quanto ao teor do relatório anunciado pelo relator, bem diferente do que defendem os bolsonaristas.

Procurados, os gabinetes de Moraes e Gilmar não se manifestaram até a publicação.

Tarcísio tem mantido uma postura discreta desde que articulou a proposta de anistia no Congresso. Na terça-feira, 16, indagado sobre como se deram as conversas em Brasília, limitou-se a dizer que “o que tinha que ser feito foi feito” e que o resultado dos esforços empreendidos com parlamentares e dirigentes partidários se deu com Motta aceitando pautar a urgência da matéria nesta semana, requerimento que efetivamente veio a ser aprovado no dia seguinte.

As negociações tiveram apoio do senador Ciro Nogueira (Progressistas) e do deputado federal Marcos Pereira (Republicanos), presidente da sigla. Paulinho encontrou Nogueira hoje, e os dois combinaram uma gravação para as redes sociais. Nela, o senador do Piauí afirma que defende uma anistia total, mas que o deputado deve ouvir as outras partes, incluindo aqueles que não querem nenhuma.

Ex-ministro de Bolsonaro, catapultado ao Palácio dos Bandeirantes com o seu apoio em uma disputa em que era colocado como "azarão", Tarcísio já defendeu a aprovação de uma anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro em diversas manifestações bolsonaristas, na Avenida Paulista e em Copacabana. Recentemente, subiu o tom e criticou diretamente o julgamento de Bolsonaro no STF e a atuação do ministro Alexandre de Moraes, o relator do processo.

O governador de São Paulo também já disse publicamente ser favorável à reversão da inelegibilidade de Bolsonaro e a sua participação no pleito do próximo ano, ainda que as chances sejam remotas e ele possa ser um dos beneficiados pela exclusão do ex-presidente do processo eleitoral, desde que tenha o nome avalizado pelo antigo chefe.

Paulinho e Tarcísio
Até pouco tempo, o deputado do Solidariedade era um aliado benquisto pelo governador paulista, sobretudo por suas críticas ao governo do PT. Os dois também estiveram no mesmo palanque na eleição para a prefeitura de São Paulo no ano passado, apoiando Ricardo Nunes (MDB).

Apesar da estatura menor do partido, que deve encaminhar uma federação com o PRD no ano que vem para tentar sobreviver à cláusula de desempenho a partir de 2027, a aliança com o Solidariedade serviu de argumento para o emedebista dizer que a “verdadeira frente ampla” estava ao seu lado, com partidos da esquerda à direita, e não com o seu principal oponente à época, Guilherme Boulos (PSOL).

Mas as críticas ao PT nem sempre estiverão no radar de Paulinho. Apoiador do então candidato a presidente Lula, em 2022, o atual relator do PL da Anistia tentou até o último minuto da transição obter um espaço no governo, o que acabou não vindo nem nos escalões mais baixos.

Na ocasião, o Solidariedade almejava postos no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), vinculado ao Ministério da Previdência Social, e na Ceagesp (o entreposto de abastecimento de São Paulo que pertence à União), além de diretorias em bancos públicos e também na Petrobrás, mas ficou de mãos vazias.