Dom Quixote e o Rotary - 2ª Parte
Com a publicação da primeira parte desta crônica (Folha de Pernambuco, 29/10/2025), os interessantes comentários que recebemos sobre o conteúdo do texto incentivaram a elaboração desta segunda parte. A tarefa exige atenção, pelo número de narradores envolvidos no enredo do livro O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes.
Das questões enviadas, citamos: 1) Magistral a igualdade dos anseios de Dom Quixote com os anseios dos rotarianos; 2) Fictício, ou simbólico, o encontro se tornou verossímil quando conecta com verdadeiras passagens da jornada de Don Alonso Quijano; 3) Divertida e especialíssima; 4) E o Cervantes, reencarnado, estava lá para relatar mais um feito do engenhoso fidalgo; 5) Por que o leitor dessa história é visto como um desocupado?; 6) Por que o escudeiro Sancho Pança faltou à reunião do Rotary Club do Recife?
Em qualquer modalidade literária, independente do teor da crítica a trabalho publicado, ela se reveste de qualidade, no mínimo, pelo despertar da leitura. É válida. De modo que, recorrendo ao auxílio do cervantino portenho borgiano Pierre Menard, vamos tentar esclarecer, no limite, os questionamentos colocados.
Quanto às semelhanças entre os objetivos e os esforços de Dom Quixote e do Rotary, elas procedem. Em síntese, são voltados ao bem da humanidade. No contexto, também visam construir amizades, sendo esta habilidade um dos preceitos rotarianos e uma atitude recorrente na vida do cavaleiro andante, pois, ao longo de suas caminhadas, são várias as construídas com personagens da história, a exemplo do Duque e da Duquesa e do afortunado Dom Diego de Miranda, o Cavaleiro do Verde Gabão.
O estilo ficcional do texto transmitiu uma realidade que foi a palestra realizada no Rotary Clube do Recife, por meio de uma analogia aos pontos abordados. O Quixote foi um modelo, a partir do tema: Dom Quixote, presente. E tudo isso devemos ao escritor Miguel de Cervantes Saavedra, o “Príncipe de los Ingenios”, a quem admiramos por nos estimular a sonhar para termos um mundo melhor, bem como aos inesquecíveis personagens do “livro dos livros”, tal qual o bacharel Sansão Carrasco, que profetizou: “Me parece que não há de haver nação nem língua onde não se traduza” (o Dom Quixote).
No Prólogo da Primeira Parte de Dom Quixote, que possui um tom irônico e de humor, Cervantes começa o parágrafo inicial escrevendo: “Desocupado leitor: sem juramento, poderás crer-me que eu quisera que este livro, como filho do entendimento, fosse o mais formoso, o mais galhardo e o mais discreto (sensato) que se pudesse imaginar”… Então, a interpretação que mais se dá à figura da pessoa em leitura como “desocupado leitor” é a de que Cervantes gostaria que ocorresse uma leitura dedicada, concentrada no livro, para melhor compreensão da história quixotesca. De maneira distinta, no início do Prólogo da Segunda Parte, lançado dez anos após a Primeira, Cervantes escreve: “...ilustre leitor, ou mesmo plebeu”. O livro e o escritor já tinham reconhecimento.
Realmente, o prático e gracioso escudeiro Sancho Pança fez falta ao encontro no Rotary Clube do Recife. Enfim, o Quixote e Sancho são companheiros inseparáveis e fraternos amigos. A dupla manchega é o eixo da narrativa do livro, de notáveis diálogos em toda a extensão. Pelo que apuramos, inclusive consultando o historiador arábico Cide Hamete Benengeli (o verdadeiro autor da história a partir do Capítulo IX da Primeira Parte; um heterônimo, talvez), é que Sancho Pança viajou para entregar uma carta de Dom Quixote à sua nobre senhora Dulcinea del Toboso, antes de ele partir de Sierra Morena para o Recife. Assim, a ausência está justificada. Todavia, caso Sancho tivesse participado do almoço rotariano, a animação seria maior no ambiente do restaurante e, com sua sapiência, nutrida na companhia do Cavaleiro da Triste Figura, citaria para todos pelo menos uma de suas máximas, tipo: “Diz-me com quem andas e te direi quem és”.
Concluída essa façanha, Dom Quixote seguiu um novo caminho, na expectativa de uma nova aventura. O encontro deverá acontecer na Fliporto 2025 (Festa Literária Internacional de Pernambuco), em uma mesa (palestra e debate) exclusiva, no próximo dia 15 de novembro.
…Junto ao Quixote estarei, em conformidade com os princípios éticos cervantinos, que devem ser respeitados, e não permitindo espaço ao apócrifo de terceiros, de triste memória.
Queda a saudade pela ausência de Sancho Pança, que, certa vez, com boas intenções, observou-nos: “Nem tudo que reluz é ouro”.
P.S - No último mês de outubro, completei cinco anos de colaboração com a Folha de Pernambuco. Uma honra. Alvíssaras.
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*Administrador de empresas (UFPE), da Asociación de Cervantistas (ES), da Asociación Internacional de Lectores y Coleccionistas de Don Quijote (MX), autor do livro Sonho Impossível - O Recife e Cervantes (2024). f.dacal@hotmail.com
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