Ex-diretor dos Correios e procuradores falam ao Senado sobre falhas contábeis e prejuízo bilionário
Comissão de Transparência, Governança e Fiscalização realiza audiência sobre gestão da estatal
A Comissão de Transparência, Governança e Fiscalização do Senado, que apura irregularidades na gestão dos Correios, realiza nesta terça-feira a primeira audiência pública sobre o tema. Um dos depoentes é o presidente da Associação dos Procuradores dos Correios (APECT), Muriel Carvalho Garcia Leal. Ele deve focar no descontrole da Superintendência Jurídica da estatal em relação às ações judiciais e a falta de provisionamento adequado desse tipo de despesa no balanço da empresa.
Outros convidados são o ex-diretor financeiro dos Correios no governo Bolsonaro e presidente interino da estatal na virada entre 2022 e 2023, Heglehyschynton Valério Marçal, que vai depor por videoconferência; o procurador do Ministério Público da Bahia, Ilan Fonseca de Souza e o presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, Marcos Sant'Aguida. Além de problemas no balanço, a expectativa é que depoentes citem suspeitas de irregularidades em contratos.
No início de setembro, a Comissão aprovou requerimento da oposição para realizar uma auditoria nos Correios, em parceria com o Tribunal de Contas da União (TCU) e Ministério Público. O motivo foi o prejuízo da empresa no primeiro semestre deste ano que atingiu R$ 4,3 bilhões.
Em entrevista ao GLOBO, Leal citou as atas do conselho fiscal da empresa, que mostram o tratamento dado pelos gestores às ações judiciais, sobretudo ao Adicional de Atividade de Distribuição e ou Coleta Externa (AADC), correspondente a 30%. O tema foi discutido na reunião do conselho fiscal em 24 maio de 2024, a pedido do superintendente jurídico, Gustavo Esperança. Esse adicional é pago a todos os carteiros e está previsto no plano de cargos e salários da empresa.
A disputa judicial em relação esse adicional começou em 2014, quando a ex-presidente Dilma Rousseff, criou um adicional de 30% para todos os entregadores do país que trabalham com motos. A lei não abriu exceção para as estatais que já pagavam esse tipo de gratificação, explicou Leal. Sendo assim, a direção dos Correios acumulou os pagamentos dos dois adicionais, mas descontava um deles no contracheque. Isso foi feito até 2020, quando a estatal passou a acumular várias derrotas na Justiça.
Ao fazer isso, o problema deixou de existir no futuro, mas sobrou um passivo em relação aos descontos realizados, disse Leal. No início de 2024, a estatal perdeu a disputa no Tribunal Superior do Trabalho (TST), tendo sido derrotada a tese de que haveria uma espécie de compensação, sob o argumento de que lei que criou o adicional em 2014 não tinha sido regulamentada.
— Curiosamente, a dívida passou a ter uma classificação simbólica de R$ 1 por motivo de "limitação do sistema". Isso foi grave erro técnico — afirmou Leal.
A ata de outra reunião do conselho fiscal em 28 de abril de 2025, cita o risco da falta de provisionamento com ações judiciais para mostrar a realidade dos dados do balanço dos Correios. O alerta foi feito pela Auditoria Independente.
"O colegiado reitera as solicitações referentes à implementação de um sistema jurídico que atenda às necessidades das áreas Jurídica, Financeira e Contábil dos Correios. Ressaltando que a situação de necessidade de melhoria nos controles internos vem sendo apontada pela Auditoria Independente desde 2018, carecendo, portanto, de estrutura e de recursos adequados para viabilizar a correta classificação e mensuração da provisão decorrente das inúmeras ações judiciais existentes nos Correios com vistas a fornecer, com clareza e segurança, informações por objeto sobre os valores provisionados".
Leal disse que a dívida referente ao adicional, não consta no balanço de 2024. Segundo ele, a estimativa é de um gasto em torno de R$ 2 bilhões. Essa é apenas um tipo de ação em meio de várias outras que os Correios são obrigados a pagar. Um das causas do aumento desse tipo de passivo, disse é a perda de prazo dos recursos.
Procurada, a assessoria dos Correios disse que em nota que as demonstrações contábeis estão de acordo com a normas vigentes:
"Os Correios reiteram que as demonstrações contábeis estão em conformidade com a legislação e normas vigentes".
Em 2023, 2024 e até setembro deste ano, a presidência dos Correios foi exercida por Fabiano dos Santos, advogado do grupo Prerrogativas, ligado ao PT. Ele foi demitido do cargo, que passou a ser ocupado por Emmanoel Rondon, funcionário de carreira do Banco do Brasil.
A nova direção da estatal articula um empréstimo de R$ 20 bilhões para fechar as contas até dezembro de 2026.