ENTREVISTA

"Rock Doido é o futuro do pop do Brasil", diz Gaby Amarantos, que se apresenta no Coquetel Molotov

A artista apresenta no Recife, pela primeira vez, o show do seu álbum mais ousado, repleto da potência musical das periferias paraenses

Gaby Amaranto traz seu "Rock Doido" ao Recife - Cris Vidal/Divulgação

Gaby Amarantos já é velha conhecida do público pernambucano. Desde o seu primeiro álbum, "Treme" (2012), a artista caiu nas graças dos ouvintes daqui, com a potência do tecnobrega – um "primo-irmão" do brega funk? – alçando a música amazônica a nova tendência pop nos últimos anos.

A experiência de uma noite frenética entre as famosas aparelhagens de Belém, e toda a sonoridade das periferias da região é a essência de "Rock Doido", seu mais recente álbum, que traz à baila a diversidade da música produzida em sua terra, unindo tecnobrega, carimbó, funk e ritmos latinos.

O projeto também incluiu um curta-metragem musical que impressiona pela ousadia e ímpeto arrojado: "Rock Doido - o filme" tem 22 minutos de um plano-sequência gravado unicamente em um aparelho de celular.

Gaby Amarantos se apresenta neste sábado (6), no festival No Ar Coquetel Molotov, trazendo a "Rock Doido Tour" pela primeira vez ao Recife.

Em entrevista à Folha de Pernambuco, a artista paraense falou sobre o novo álbum, o curta, a força e diversidade da música produzida nas periferias do Brasil e como Recife e Belém são capitais que se identificam pela qualidade e potência de suas culturas.

O Pará está na crista da onda! A identidade e a cultura paraense têm tido uma maior visibilidade nos últimos anos. E você sempre foi uma grande representante do seu estado, mas, em “Rock Doido”, você aprofunda esse mergulho em um recorte específico da cultura paraense – uma noite de rock doido, em meio às aparelhagens. Qual você acha que é a contribuição do teu álbum também como forma de difundir e representar a cultura paraense em sua diversidade?

Gaby Amarantos - Tô tão feliz, já tô aqui em Recife, tô super animada pra fazer o Coquetel Molotov. Tô muito feliz com esse momento que o Pará tá vivendo e eu ressalto que não é só um momento, sabe? Acho que eu acredito muito que daqui para frente o Pará vai continuar na crista da onda, porque não dá pra falar de Brasil sem o Norte ou Nordeste. 

E a gente, nós fomos assim, dentro da fila de inclusão das regiões, nós fomos os últimos. E eu sempre me espelhei muito no movimento do povo nordestino lutando, reivindicando seu espaço, seu direito de ver a sua música presente. 

E eu acho que quando a gente fortalece essa luta e o Norte também entra, aí a gente vai encher a boca e vai dizer ‘Isso é Brasil!’ e o “Rock Doido’ traz uma contribuição imensa. Porque eu acho que, para além do “Rock Doido”, a carreira da Gabi Amarantos – porque virou uma plataforma, né? desde o primeiro Grammy que a gente trouxe pro nosso estado, com o álbum “Tecnoshow” –, essa visibilidade toda da galera olhar pra nossa música, de ter um movimento, porque eu estou sempre acompanhada de outras artistas, tem Joelma, tem Viviane Batidão, tem Dona Onete, tem Zaynara, tem Fafá, tem Manu, tem um leque de mulheres, uma árvore com vários galhos e várias mulheres maravilhosas. Então, acho que isso tudo contribui, essa força, essa união contribui para que a gente chegue muito potente, que o Brasil finalmente compreenda esse movimento, e a gente só colha frutos maravilhosos.

O show que você apresentará no sábado, no Coquetel Molotov, traz as músicas de “Rock Doido” e mais algo dos seus trabalhos anteriores? Como está estruturado o show em termos de repertório, narrativa, etc? (principalmente porque as músicas são curtinhas, entrelaçadas umas nas outras.. será assim no show? Na mesma pegada?)

Gaby Amarantos - Muito boa essa pergunta porque eu tenho a oportunidade de poder reforçar que essas músicas mais curtas fazem parte da cultura do tecnobrega. As festas de aparelhagem, hoje a gente vê a galera fazendo músicas mais curtinhas, só trechinhos, refrões, nas redes sociais, mas, há muitos anos os DJs de aparelhagem já tocam as músicas assim, e isso foi uma forma de reforçar essa cultura e trazer esse reconhecimento pra gente.

E o formato do álbum é “non stop”. Então, uma música é emendada na outra, e esse é um formato que faz com que vire um grande ‘DJ set’ e acho que é por isso que tá sendo tanto sucesso, porque a galera não consegue ouvir só um pedacinho, quer ouvir tudo, do início ao fim. E o filme reforça essa narrativa, e a gente consegue contar essa história, do que é sentir o gostinho de ir pra uma festa de aparelhagem. 

O nome do show é  “Rock Doido Tour”, então, a gente tá trazendo a experiência do “Rock Doido”: a gente reproduz no palco o filme, com muita potência, e traz essa experiência porque as pessoas querem viver essa experiência, elas assistem ao filme, elas ficam ‘rockzadas’, elas escutam o álbum, elas querem escutar o álbum pra sempre, no repeat, escuta pra treinar, escuta pra transar, escuta pra caminhar, pra correr, escuta na festa pra beber, pra se divertir. O “Rock Doido” tá nos momentos mais felizes das vidas das pessoas, então, as pessoas querem viver isso.. e no show, a gente vai passar essa experiência.

É claro que tem algumas surpresas, cada show é diferente e a gente sempre prepara um show pensando naquele lugar onde a gente vai performar. E pro Coquetel Molotov, que eu tô tendo a honra de trazer o “Rock Doido” pela primeira vez nesse palco, a gente vai poder viver essa experiência, essa emoção e… surpresas, surpresas… se preparem!"

Em “Rock Doido”, esse recorte que vc faz contempla especialmente os sons da periferia, e que indica também um outro movimento/tendência na música brasileira atual: a música das periferias, suas vozes, é algo que tem tido também uma recepção grande do público. Como você vê, dentro da música brasileira atual, essa movimentação das vozes e produções periféricas e como “Rock Doido” também se insere nisso?

Gaby Amarantos - O “Rock Doido” é a potência da periferia. O “Rock Doido” é o futuro do pop do Brasil. Eu sinto muito que essas vozes sempre ecoaram no Norte, No nordeste também, porque eu acho, eu sinto que o brega funk é irmão do “Rock Doido”, sabe? São dois estilos musicais muito próximos, e essa voz, essa potência da periferia tá muito presente no nosso filme, porque todo mundo que tá ali, participando – tanto das carretinhas, das aparelhagens, os artistas, os dançarinos das companhias de dança, os atores, os não atores que são da comunidade, a gente gravou no bairro da Condor, que fica do lado do Jurunas, bairro que eu nasci, que é periferia, e eu sou uma artista que veio da periferia, então, amplificar essas vozes, nada mais é do que devolver toda a cultura todo aprendizado que eu recebi da periferia que eu vim. 

Então, “Rock Doido” é a potência, a criatividade, a tecnologia que a periferia inventa e que reinventa o pop brasileiro.

“Rock Doido”, o filme, também é um produto ousado. Vinte e dois minutos de plano sequência filmado em um celular. De onde surgiu a ideia de fazer esse filme? Foi desafiador? Trabalhoso? Houve muito ensaio para conseguir chegar ao take definitivo?

Gaby Amarantos - Foi muito prazeroso fazer o “Rock Doido”, fazer esse filme foi uma das experiências mais deliciosas da minha vida, mas, também, desafiadora, porque a gente tinha um celular e um sonho, a gente ensaiou algumas vezes – não foram muitas – ensaios gerais, a gente teve dois ensaios, a gente ensaiou com os núcleos separados, a gente teve muitos problemas técnicos, a gente tinha previsão de fortes chuvas e a gente, graças a Deus, teve a sorte e a bênção dos nossos encantados, que seguraram a chuva, e a chuva só começou a cair quando a gente terminou de gravar.

A gente tinha um setup de fogos que deu problema no primeiro disparo e que queimou tudo, então, nós estávamos preparados para fazer cinco vezes, só que queimou tudo e só ficou um setup, a gente só podia fazer mais uma vez, ou a gente acertava ou a gente acertava. 

A gente teve a sorte de contar com profissionais maravilhosos, todo mundo envolvido, de ter os feats da Lauana Prado, Viviane Batidão, MC Dourado e Gangue do Eletro, e principalmente de ter o povo do Pará querendo mostrar para o Brasil do que a gente é capaz de fazer com o celular e um sonho.

Show em Recife, terra que tem o brega funk (assim como em Belém há o tecnobrega) e terra onde você já fez muitos shows. Como é tocar aqui e qual a expectativa de tocar, pela primeira vez, o “Rock Doido” aqui?

Gaby Amarantos - O que mais me toca e me alegra é que tem algo na atmosfera, no ar ou na água dessa cidade que deixa meu coração sempre feliz. Eu amo muito estar aqui. E eu tô muito feliz com esse momento porque eu sabia que o público daqui ia ser, assim, um público que ia entender o “Rock Doido” de cara. 

Eu tô recebendo tanto carinho, tantas mensagens dos fãs, dizendo que eles estão felizes, animados por esse momento que a gente vai viver. Saiu a programação do Carnaval [do Recife], a gente vai no Carnaval também. Eu tô torcendo muito pra gente poder estar no Marco Zero, porque a gente vai poder fazer esse “Rock Doido”. 

Mas, no palco que a gente tiver, a gente vai poder mostrar essa potência. Porque eu quero muito reforçar essa união dessas duas capitais, com essa cultura tão potente, e Recife me emociona, sabe? Esse amor que vocês têm pela cultura de vocês, a qualidade cultural, eu acho que a música da periferia de Recife é de uma qualidade, sabe? 

As pessoas acham que música de qualidade é só MPB ou tudo que é mais erudito ou letra mais rebuscada. Eu acho que Belém e Recife ensinam para o Brasil a potência do simples, sabe? 

O que a gente consegue criar fazendo esse “Rock Doido”, gravado de celular, que a galera faz do brega funk, as danças, as ‘coreôzinhas’. Isso é muita potência brasileira, sabe? A gente tá ditando o pop com o sotaque brasileiro, sabe? Eu sinto que é um momento muito especial da gente se fortalecer cada vez mais e de estar muito... a gente sempre esteve muito conectados, mas reforçar essa conexão. 

Então, por isso que eu me emociono toda vez que eu venho para cá, porque eu sei que você. Muito amada e eu vou sair daqui com o coração cheio de ouro”