STF

Do aborto a banheiro para trans, Messias tenta se equilibrar em pautas que opõem PT e evangélicos

Indicado de Lula deve ser instado a opinar durante a sabatina no Senado, que deverá ser realizada só em 2026, sobre temas polêmicos

Jorge Messias, advogado-geral da União, encaminha pedido ao ministro Gilmar Mendes - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Enfrentando resistências no Senado após ser indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado-geral da União, Jorge Messias, terá como desafio adicional se equilibrar ao se posicionar sobre temas que envolvem visões opostas dos grupos que apoiaram a sua escolha: o PT e lideranças evangélicas. A lista de assuntos que Messias deve ser instado a opinar durante a sabatina no Senado, agora prevista para 2026, vão do aborto ao uso de banheiro por pessoas trans.

As posições que Messias expressar nas conversas prévias e na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) poderão desagradar a ao menos um dos segmentos que lhe dão respaldo. Procurado, ele não se manifestou.

Posicionamentos recentes da Advocacia-Geral da União (AGU) podem servir de indicativo para votos que serão adotados por Messias, caso ele seja confirmado ministro do STF. Em um dos pareceres do órgão que têm sido utilizado contra ele, o AGU defendeu caber ao Congresso, e não a um conselho profissional, regulamentar os procedimentos para aborto nos casos permitidos por lei.

A manifestação foi apresentada no ano passado, em uma ação em que o PSOL questiona uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia a utilização de uma técnica clínica (chamada assistolia fetal) para a interrupção de gestações acima de 22 semanas, em caso de estupro.

Em sua manifestação ao STF, Messias afirmou que o CFM tentou alterar a “disciplina legal sobre a questão do aborto”, e que “essa é uma atribuição do Congresso Nacional, nunca de um Conselho Profissional”. O advogado-geral ressaltou que não estava abordando “questões políticas, morais, filosóficas ou religiosas que dividem a sociedade brasileira nesse específico tema”. Apesar disso, criticou a possibilidade de manutenção da gestação em caso de estupro.“O objetivo da Resolução CFM nº 2.378/2024 resulta claro: a manutenção da gravidez resultante de estupro, ainda que em prejuízo da liberdade e da saúde da gestante”, argumentou, na época.


Questionamentos

O posicionamento foi resgatado e tem sido utilizado para desgastar o indicado ao STF, vinculando-o à defesa do aborto. “Como alguém que se diz contra o aborto, pode ser a favor de sua realização, por assistolia fetal, um procedimento cruel, em gravidez avançada, quando a vida do feto já se tornou viável fora do útero da mãe?”, questionou recentemente o senador Sergio Moro (União-PR).

A ação na qual a AGU se manifestou é diferente do processo que trata da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Neste caso, Messias não poderia votar caso fosse nomeado ministro do STF, já que o antigo ocupante da vaga, Luís Roberto Barroso, apresentou seu posicionamento em seu último dia no STF.

Tentando reduzir críticas no tema, Messias chegou a se reunir com integrantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e apresentou compromisso com a defesa da vida desde a fecundação, como mostrou o blog do colunista Lauro Jardim, do GLOBO.

Em outro processo, também envolvendo o CFM, a AGU foi contra um pedido para suspender uma resolução que proíbe o bloqueio hormonal para crianças e adolescentes trans e veda o início de tratamento com hormônios antes dos 18 anos. O posicionamento do órgão foi apenas sobre um pedido de liminar (decisão provisória), para suspender a resolução, e não sobre o mérito da discussão.

A AGU considerou que o texto segue padrões do Ministério da Saúde. O caso ainda será analisado pelo ministro Cristiano Zanin. “Constata-se que, no âmbito do Sistema Único de Saúde, as diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde não se confrontam com a Resolução nº 2.427/2025, cujas disposições igualmente estabelecem as idades mínimas de 18 (dezoito) anos para terapia de hormonização e de 21 (vinte e um) anos para procedimentos cirúrgicos”, avaliou Messias.

O advogado-geral também já se posicionou em ações questionando leis municipais que impedem pessoas trans de utilizarem banheiros de acordo com o gênero que se identificam. O AGU defendeu que as ações fossem rejeitadas por um motivo técnico, de que não caberia ao STF analisá-las.

No mérito, contudo, defendeu que fossem aceitas, mas também por uma questão processual: seria papel da União, e não dos municípios, definir essas regras. Assim, Messias não chegou a discutir sobre o direito ou não do uso ao banheiro.

“Em outros termos, ao proibir o uso de banheiros e vestiários femininos por mulheres trans (e masculinos por homens trans), a lei municipal introduziu no ordenamento jurídico uma norma restritiva do exercício de um direito de personalidade, o que evidencia a usurpação da competência privativa da União para legislar sobre direito civil”, escreveu. Quatro ações desse tema já foram rejeitadas, e uma ainda será analisada.

Em outro caso que está sendo analisado pelo Supremo não há posicionamento de Messias: as regras para procedimentos de esterilização, como laqueadura e vasectomia, são discutidas desde o ano passado. Atualmente, a legislação só permite que homens e mulheres façam a intervenção caso tenham mais de 21 anos ou ao menos dois filhos.

Cinco ministros votaram para que todos os maiores de 18 anos possam realizar a prática, enquanto três defenderam a manutenção das regras atuais. Como Barroso não votou nesse caso, Messias poderia se posicionar. A divergência, para manter o modelo atual, foi aberta por André Mendonça, que considerou que os critérios atuais são razoáveis.


Resistências

A indicação de Messias encontra resistências no Senado, principalmente por parte do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), que defendia o nome do colega Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Esta semana, o embate com o Executivo escalou, após Alcolumbre cancelar a sabatina na CCJ que estava marcada para a próxima semana e criticar o governo Lula. A decisão foi tomada após o Palácio do Planalto não enviar à Casa a mensagem presidencial com a indicação formal do AGU.

Na prática, o governo ganhou tempo para conquistar apoios e a tendência é que a sabatina fique para o ano que vem, pois já não haveria tempo hábil neste ano. Ao mesmo tempo, aumenta o risco de contaminação eleitoral, já que ela ocorrerá mais perto da disputa de 2026.

Aval de Mendonça

Apesar do mal-estar, o AGU recebeu demonstrações de apoio. O ministro André Mendonça, que é evangélico, assim como Messias, foi o primeiro integrante do Supremo a se manifestar sobre a escolha. Ele e Nunes Marques têm defendido Messias em conversas com senadores. Os dois foram indicados ao cargo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

O líder do Republicanos no Senado, Mecias de Jesus (RR), também anunciou apoio a Messias, mas deve ser minoria em sua bancada, que tende à oposição ao governo. Outra aliada, também evangélica, deve ser Eliziane Gama (PSD-MA).

Para ser aprovado, Messias precisa de 41 votos entre os 81 senadores. A recondução do procurador-geral da República, Paulo Gonet, foi aprovada no mês passado com 45 votos, o que casou alerta no Palácio do Planalto. Há dois anos, Flávio Dino, a indicação anterior de Lula ao STF, já tinha tido uma votação acirrada (47 votos contra 31), ficando atrás apenas de André Mendonça, em 2021 (47 a 32).

AGU

Emendas parlamentares - Jorge Messias adotou um tom conciliatório ao tratar da polêmica envolvendo as emendas parlamentares. Ele defendeu que os Poderes devem atuar em sintonia, superando divergências e construindo soluções que atendam aos anseios da coletividade. Como advogado-geral da União, também atuou diretamente nas ações do STF relacionadas às regras de transparência das emendas.

Ativismo judicial - O AGU afirmou que o ativismo judicial é uma tendência mundial e que, diante da complexidade atual, o Judiciário tem sido convocado a se posicionar sobre temas cada vez mais diversos. Ele destaca que o Judiciário não pode deixar de resolver conflitos e que, no caso brasileiro, tem exercido essa função com muita competência.

Anistia - No tema da anistia aos envolvidos nos atos golpistas, Messias é categórico: considera a medida inconstitucional. Para ele, não é possível conceder anistia a quem tenta abolir o Estado de Direito, pois a própria democracia depende de sua preservação. Como jurista, defendeu que os condenados pelos ataques devem cumprir integralmente suas penas.

Redes sociais - À frente da AGU, Messias elogiou o julgamento do STF que ampliou a responsabilidade das plataformas digitais pelo conteúdo publicado. Ele classificou a decisão como histórica e como um marco civilizatório, afirmando que o Brasil segue a mesma direção de outras democracias ao exigir maior responsabilidade das empresas de tecnologia.

‘Pejotização’ - Messias criticou o que chamou de “cupinização” das relações trabalhistas, destacando especialmente o fenômeno da pejotização quando usado para precarizar vínculos. Para ele, a modernização das relações de trabalho não pode ocorrer às custas da proteção ao trabalhador. Defende que a evolução do mercado laboral deve ser equilibrada e impedir retrocessos sociais.

Bets - O advogado-geral da União se mostrou preocupado com o avanço descontrolado das apostas esportivas no Brasil, classificando o setor como um “dragão” que precisa ser domado pelo poder público. Para Messias, é fundamental estabelecer limites e mecanismos de monitoramento que evitem vícios, especialmente entre a população mais vulnerável.