A esterilidade e os orixás em “Dona Flor”
A volta de Vadinho depois de morto: um egum que se materializa apenas para Flor
Dentre as nuances do romance cinquentenário de Jorge Amado, “Dona Flor e seus dois maridos”, vale observar a ausência de filhos, frutos dos casamentos da protagonista, especialmente do primeiro, com Vadinho. Pode parecer um detalhe, mas é extremamente significativo no desenho da personagem, que, diga-se, é filha de Oxum, o orixá da fertilidade. Estudiosos dizem que a opção do escritor não foi aleatória (é até recorrente em outras personagens dele), vista tanto como a apropriação do estereótipo da mulata assanhada (iniciado por Gregório de Matos, ainda no Barroco), a ideia de sexo sem compromisso, “ideal masculino”, quanto uma condição para os rumos que a história tomou: para Flor ter casado novamente e para Vadinho ser quem era (imagine quanta antipatia despertaria o personagem, como era, se pai). É certo que, no livro, Flor se culpa por não dar um filho ao marido, mas é totalmente possível que a esterilidade acometesse aos dois. “A ‘doença’ (...) parece ter-se estendido ao marido de Flor, homem de vastos relacionamentos e nenhum filho”, atesta o professor baiano Gildeci de Oliveira, na tese “Jorge Amado: da ancestralidade à representação dos orixás”. E como Oxum está claramente em Flor, Oliveira lembra do “mito da esterilidade”, que dá outra justificativa à condição da personagem: foi uma escolha de Oxum, excluída por outros orixás das decisões sobre o mundo, que “os excluiu das decisões sobre a continuidade do universo, através da infertilidade da mulher”.
Cartas > É da escritora e jornalista Paula Dip “Uma hora assim escura”, reunião de cartas inéditas trocadas entre os escritores Caio Fernando Abreu e Hilda Hilst. Pela editora José Olympio, 160 páginas, R$ 59,90.
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