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Manaus

White Martins pediu transporte de oxigênio a assessores de Pazuello e não foi atendida

A omissão do ministro da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello, diante de alertas sobre o que estava em curso e sobre o que viria a ocorrer levou à abertura de um inquérito pelo STF

Transporte oxigênio hospitalar no estado do AmazonasTransporte oxigênio hospitalar no estado do Amazonas - Foto: Marcio James/AFP

Um email enviado pela White Martins ao Ministério da Saúde, obtido pela Folha de S.Paulo, mostra que a empresa pediu "apoio logístico imediato" para transportar 350 cilindros de oxigênio gasoso, 28 tanques de oxigênio líquido, 7 isotanques e 11 carretas com o insumo a Manaus. O pedido foi direcionado a dois coronéis do ministério e acabou não sendo atendido a tempo.

Três dias depois, o oxigênio se esgotou nos hospitais e pacientes morreram asfixiados. O colapso deu início a uma crise que resultou, até agora, na transferência de 645 pacientes a outros estados. Dentre os transferidos, 92 (14,2%) morreram longe de casa.

A omissão do ministro da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello, diante de alertas sobre o que estava em curso e sobre o que viria a ocorrer levou à abertura de um inquérito pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para investigar o militar. Ele é suspeito de ter cometido crimes. Diligências foram autorizadas pelo STF e estão em curso.

Pazuello vem tentando apagar rastros dessa omissão. No último dia 27, seu número dois no ministério, coronel Élcio Franco, produziu um documento, enviado ao STF, para mudar a versão sobre um outro email da White Martins, por meio do qual a empresa alertava sobre a escalada da escassez de oxigênio.

 

O próprio ministro havia escrito, também em documento oficial encaminhado ao STF, que sua pasta recebeu em 8 de janeiro o email com o alerta da empresa, fornecedora da rede hospitalar local. Franco, secretário-executivo do ministério, mudou a versão: o email só teria aparecido no dia 17 daquele mês. O colapso ocorreu no dia 14.

Já o pedido por "apoio logístico imediato" ficou registrado em email escrito por Lourival Nunes, diretor de Desenvolvimento de Negócios Medicinais da White Martins. Foi enviado às 14h35 de 11 de janeiro ao comitê de crise montado pelo governo do Amazonas e ao coronel do Exército Nivaldo Alves de Moura Filho, diretor de Programa da Secretaria-Executiva do Ministério da Saúde.

Moura Filho foi nomeado ao cargo por Pazuello, em 4 de junho. Quando o email foi escrito, uma reunião presencial já havia ocorrido na manhã do mesmo dia 11. Pazuello, que estava em Manaus, participou do encontro.

"No dia 10, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, convidou os representantes da White Martins, por meio do comitê estadual, para uma reunião em Manaus, na manhã do dia 11, para tratar do tema [aumento da disponibilidade de oxigênio diante da calamidade pública no estado]", afirmou a empresa à Folha, por meio de nota.

O envio do email, logo após a reunião, foi um pedido do coronel Moura Filho, "para formalizar a demanda por apoio logístico relatada pela empresa no encontro, decorrente do crescimento abrupto e exponencial do consumo de oxigênio naquele momento", disse a White Martins.

"Estou enviando as nossas necessidades de apoio logístico imediato para transporte de oxigênio medicinal e equipamentos aplicados à operação", escreveu o gestor da empresa.

Ele listou quatro itens com necessidade imediata de apoio logístico. Dois deles já estavam sendo tratados com outro militar do Ministério da Saúde conforme a mensagem eletrônica, o tenente-coronel Alex Lial Marinho, nomeado por Pazuello desde 9 de junho e coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde. Ele está subordinado ao coronel Franco, secretário-executivo.

O item 1 do email eram 350 cilindros de oxigênio gasoso, oriundos de Campinas (SP) e Belo Horizonte. A carga tinha um peso de 24,5 toneladas e deveria ser transportada por via aérea.

O item 2 eram 28 tanques de oxigênio líquido, que deveriam percorrer a rota Guarulhos(SP)-Manaus, em cinco voos distintos. O peso total da carga era de 53,5 toneladas. Duas remessas já estavam de prontidão naquele momento. Outras três remessas estavam prontas para serem transportadas nos dias 12 e 13.

O email ainda registra o pedido por ajuda para levar sete isotanques a Belém (PA) e para deslocar 11 carretas da capital do Pará a Manaus.
Documentos entregues pelo Ministério da Saúde ao STF mostram que apenas o item 1 teria sido transportado antes do colapso do dia 14.

Esses documentos registram o transporte de 350 cilindros de oxigênio gasoso nos dias 12 e 13, oriundos de Guarulhos. Isto equivaleria a 3,5 mil metros cúbicos, de acordo com a White Martins.

Segundo os mesmos documentos, tanques com oxigênio líquido só começaram a chegar a partir do dia 15, o dia seguinte ao colapso dos hospitais. A carga prevista no item 2 do email poderia superar 30 mil metros cúbicos, também segundo parâmetros usados pela empresa.

Naquele dia 11, quando o email foi enviado ao Ministério da Saúde, o consumo de oxigênio nos hospitais chegou a 50 mil m3. No dia 14, ultrapassou 70 mil m3. Antes da pandemia, a demanda era por 15 mil m3.

A conversão do oxigênio líquido em gasoso é imediato, a partir de um vaporizador atmosférico que coloca a temperatura do líquido (-186º C) em contato com a temperatura ambiente, o que resulta na formação do gás.

Em comunicados à imprensa antes do colapso no dia 14, o Ministério da Defesa e a Aeronáutica informaram ter transportado 24 toneladas de cilindros de oxigênio nos dias 8 e 10 de janeiro. As cargas saíram de Belém, segundo os comunicados, e equivaliam a 350 cilindros.

Mais seis cilindros foram transportados na madrugada do dia 13, "em caráter de urgência", conforme comunicado divulgado naquele dia.
Com o colapso no dia 14 e as mortes por asfixia, os transportes se aceleraram. Um comunicado do dia 17 informou o transporte de 36 tanques de oxigênio líquido e 1.510 cilindros de insumo gasoso.

A White Martins disse, em nota, ter iniciado uma operação para envio de cilindros de oxigênio antes da reunião com o ministro no dia 11, por intermédio da Secretaria de Saúde do Amazonas e com apoio da FAB.

"A empresa segue mobilizando todos os esforços, com recursos próprios e de terceiros, para atender a necessidade de produto da região", afirmou.

Assim que detectou o "aumento abrupto e exponencial" do consumo de oxigênio, na primeira semana de janeiro, a empresa informou a situação ao governo estadual, responsável pelo contrato, conforme a nota.

A empresa não respondeu às perguntas sobre a quantidade efetivamente transportada, com suporte do governo federal, antes do colapso dos hospitais no dia 14.

O Ministério da Defesa também não forneceu essa informação. "Desde o início da crise em Manaus, as Forças Armadas vêm atuando de forma a assegurar o apoio às necessidades da população local. Até 4 de março foram contabilizados 270 voos, sendo 70 para remoção de pacientes e 200 para apoio logístico de insumos médicos, um esforço aéreo que já chega a 2.255 horas", disse, em nota.

Segundo a Defesa, foram transportados até agora 889 tanques de oxigênio líquido, 41 usinas de oxigênio, 5.655 cilindros de oxigênio gasoso e 193 respiradores. "As questões relativas à troca de mensagens entre o Ministério da Saúde e a empresa White Martins devem ser encaminhadas àquele ministério", afirmou.

A reportagem questionou o Ministério da Saúde na manhã de quinta-feira (4) e voltou a pedir uma resposta na sexta (5). Não houve resposta até a publicação desta reportagem.

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