Armas da guerra eleitoral: com munição nuclear, melhor usar dispositivos civilizatórios
Assim como jogos de campeonatos, as eleições se repetem e em ambas situações há distintas histórias para se contar. O processo eleitoral deste ano não só sinaliza para suas diferenças. Foi também deflagrado de modo antecipado e diante de um ambiente nunca antes tão polarizado. Mas, além disso, causam espanto alguns comportamentos reativos de muitos eleitores.
De cara, os fatos característicos desse momento me deixam atônito, por mais que a realidade política tenha lá surpresas dignas de espantos. Aliás, a coerência no ofício político costuma ser joia rara. No entanto, sinto-me melhor preparado para entender o que poderá advir da cena eleitoral posta, depois que li "Política Para Perplexos", do especialista em filosofia política, Daniel Innerarity. Um livro que deve ser "tomado" como um santo remédio, para minimizar a arritmia que se renova por frequentes decepções. De políticos e eleitores. Aliás, taí outro ponto comum entre jogos e eleições. O fanatismo de torcedores e eleitores. Histerias muitas vezes estéreis.
É real que a política brasileira costuma padecer de uma "virose" renitente, quase sempre derivada da ausência de remédios eficazes no receituário do "imuno-populismo". Ainda há um campo fértil para que certas lideranças políticas atuem como agentes transmissores. Desenvolvem-se no âmbito das suas "bolhas ideológicas" e nelas exercem suas transgressões institucionais, que até põem riscos à democracia. A essência de tantas esterilidades nas histerias.
Agora, a extensão dessa perplexidade é que me vem ao caso, diante de palpitações estimuladas pelo clima eleitoral. Vou além dos protagonismos dessa acirrada disputa, uma vez que intenciono questionar agora a reação dos eleitores. Os mesmos que, no cômputo geral das eleições deste século, oscilaram o pêndulo de um extremo a outro, com leves incursões pelo centro.
O fundamental desse entendimento que rege as diferenças, está na mensagem que o eleitor passa. Assim, tentarei sustentar meu senso investigativo com certas indagações, para as quais as respostas podem parecer óbvias. São questões que já foram tratadas na oportunidade dos pleitos anteriores que, ao serem colocadas novamente, se não irão gerar respostas naturais, poderão criar expectativas em torno de "indicativos concretos". Vejamos.
As guinadas políticas das eleições passadas tiveram suas motivações. Depois do êxito do Plano Real, que levou FHC à presidência, os desgastes do seu segundo mandato e a opção de levar ao poder uma liderança política conhecida e com o "raio x" de uma "nova e revisada" esquerda, sensibilizou o eleitorado. Lula chegou ao poder depois de três tentativas, imbuído do propósito de gerir com "paz e amor" e com um "charme identitario", assim visto pela maioria da população que se sentia igual ao presidente. Duas situações iniciais, de "movimentos pendulares" controlados, sem grandes impactos contestatórios, a ponto de criar algum clima polarizado. A democracia sem abalos.
Novos nuances eleitorais começaram a ganhar corpo, na transição de Lula para Dilma. Depois de um primeiro mandato, cujas linhas gerais foram de uma continuidade louvável, uma vez que foram somados os bons feitos das gestões de FHC aos avanços sociais, a essência da política ganhou significado, dentro de um projeto de poder partidário com todas as consequências que deram o tamanho de uma crise política sem precedentes.
O ápice desse processo em estado crítico foi o pleito de 2014. Da morte de Eduardo Campos à polarização entre Dilma/Aécio, passando pela agressiva campanha de "desconstrução" da candidata Marina, uma espécie de "bomba nuclear" foi ali engendrada. O clima não só foi bem diferenciado, como proporcionou a propagação da "virose" que hoje viceja, decorrente da pulverização gradual de "radicais livres", possuídos por vigores confrontacionistas.
Do impeachment às eleições de 2018, outros fatores diferenciaram o ambiente político. O pêndulo já apontava para uma direção oposta. Mais do que isso: por tudo que tinha acontecido internamente e pelas mudanças que se faziam sentir no mundo, tudo confluia a favor de outro cenário. Só que o tempo se encarregou de provar que qualquer candidato que se mostrasse antipetista, que se aventurarasse no antagonismo ao sistema político, que se dispusesse a ser o guardião da moralidade e que ainda se apresentasse de modo messiânico com o eterno discurso de "salvador da pátria", constituiria o "mito" projetado. Na "procissão" dos que negaram a "sacralização do profano", juntaram-se os que agora "profanam" a quem se pôs como "sagrado". O governo com altíssima rejeição. A democracia sob ameaças.
O interessante é que neste enredo recente, 2022 foi deflagrado em 2019. E dentro de um ambiente de alta "violência política", entre candidatos com mais de 1/3 de rejeição. Nessa linha, torna-se evidente a consagração de que pelo menos três candidatos estão dotados de armamentos nucleares pesados. Tudo leva a crer que cada um tem munição para "eliminar" os outros dois. O resultado disso, se não propiciar em triplo homicídio, poderá servir de conteúdo para o eleitorado entender e considerar que não é bem isso que o país carece. Posições ou tendências que só inflamem ideais extremistas não só nos remetem ao passado, como revelam fragilidade nas propostas que o país efetivamente precisa.
Por isso, creio que as águas que passarão por baixo da ponte, poderão trazer mais conflitos, com as armas nucleares apontadas, ou mesmo, boas surpresas, para os que queiram estar de posse de algum instrumento civilizatório. Quem sabe, uma simples régua, para aferir a capacidade de quem queira inovar na política, sem o despreparo dos "outsiders".
Nesse roteiro, entendo que muitos eleitores sejam capazes de rejeitar essa "guerra nuclear". Assim, pelo tempo da escolha das armas (se nucleares ou civilizatórias), qualquer juízo final sobre as eleições ainda me parece precipitado.
Vencedor é quem tem capacidade de tomar decisões ou fazer escolhas, por mais complexas que sejam. Mas, considerar o melhor armamento para a guerra é prova de inteligência. Para isso, basta acreditar no calibre das armas civilizatórias.
*Economista e colunista da Folha de Pernambuco
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