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Artista de rua e a rotina de recriar mandalas de giz no chão do Recife

Sob o sol e em meio ao trânsito recifense, artesão fez do canteiro da ponte Giratória um ateliê para expor suas mandalas a giz

O pincel é o giz: “Porque sai. E eu posso fazer de novo”O pincel é o giz: “Porque sai. E eu posso fazer de novo” - Foto: Julya Caminha

Não são raros os dias em que um artesão acorda com o sol, vai até o ateliê, desenha, encontra seus clientes e vende sua arte. Não seria algo incomum se o artesão não fosse Manoel, se não acordasse na calçada em frente ao prédio dos Correios do Bairro do Recife e se seu ateliê não fosse o canteiro central da ponte Giratória. Quem passa pelo local entre as 7h e 10h, certamente já avistou o artista, cujo sobrenome é uma incógnita até para ele, sentando no canteiro desenhando mandalas.

Por ser um dos principais acessos ao Bairro do Recife, acabou despertando a curiosidade da equipe de reportagem da Folha de Pernambuco, que conversou com o artista durante quatro dias.

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Um homem de poucas palavras, introspectivo e com uma narrativa não linear dos fatos. Foi necessário que se estabelecesse um vínculo para que a conversa fluísse. Cada bloco de concreto é uma tela. O material: giz de gesso de construções e demolições que ele recolhe pela rua. Questionado sobre o porquê de não usar tinta para pintar as mandalas, afirmou “porque o gesso sai, a chuva lava, e eu posso fazer de novo. A tinta não sai”. 

 Quando chove à noite, é certo encontrar Manoel na ponte no outro dia, renovando as mandalas. Se não chove e os blocos ficam intactos, ele não aparece. Sem o auxílio de instrumentos, desenha os círculos de uma vez, precisos. Depois, adiciona detalhes que vão incrementando e embelezando as mandalas, embora o próprio artista não saiba do que se trata o nome. E o significado, ele diz que pensa nas coisas que vê no Carnaval, no Natal, as coisas bonitas e coloridas.

Seus clientes, motoristas passantes que “compram” suas obras sem que ele precise pedir. Quando o “movimento” é fraco, ele vai embora cedo. Assim como quando o sol está muito quente. Motivos pelos quais abandonou a entrevista em dois dos quatro dias de conversa.

No passado, Manoel conta que morava com a mãe e os irmãos em Prazeres, Jaboatão dos Guararapes, onde era vendedor de coco na feira. Mas, que em algum momento precisou sair da casa da mãe pois “já estava muito cheia e não tinha mais espaço”. Nunca se casou ou teve filhos, afirma.

Manoel, artista de rua

Crédito: Julya Caminha/Folha de Pernambuco

Em outro momento da vida, que ele não sabe precisar, relata que foi atropelado por um caminhão e por isso anda com dificuldades e possui uma grande cicatriz em um dos pés. Atualmente, a realidade é diferente, o artista que vive em situação de rua dorme nos Correios e sua casa é o Bairro do Recife. Ele diz que quando não está na ponte, está no pátio do Carmo, mas que já chegou a ir até Olinda, onde desenhou em um muro.

Mas sempre está lá, sentado no canteiro, com as pernas livres, desenhando. Ele conta que não tem medo de ser atropelado, mas fazia sempre o alerta “cuidado com o carro!”. Seu Manoel lamenta que os desenhos sejam no chão e não em uma tela, diz que tem vontade de pintar com tinta, nas telas.

Questionado se pintaria algo se lhe dessem o material, ele disse “mas mesmo que dessem, eu não tenho onde guardar, podem pegar.” No entanto, ele diz “mas é bom fazer aqui, que quando chove sai, e eu sempre posso fazer de novo”.

   Vulnerabilidade

De acordo com o último levantamento feito pela Prefeitura do Recife, cerca de 1.200 pessoas vivem em situação de rua na Capital. O órgão diz que acompanha essa população por meio do Serviço Especializado em Abordagem Social de Rua (SEAS), que faz atendimentos individuais e coletivos, oficinas e atividades de convívio e socialização, além de ações que incentivem o protagonismo, o desenvolvimento de sociabilidades e o fortalecimento de vínculos interpessoais e familiares que oportunizem a construção de novos projetos de vida.

A Cidade, acrescenta a PCR, dispõe de dois Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua (Centro POP). Nos Centros POP, os usuários podem ser incluídos no Cadastro Único, ter acesso à alimentação, higiene pessoal (banho), atendimento psicossocial e podem ser encaminhadas para acolhimento. Os Centros POP funcionam de segunda à sexta-feira, das 8h às 17h, e se localizam nos bairros de Santo Amaro e Madalena.

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