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TURISMO

"As pessoas precisam conhecer o risco", diz geóloga sobre falta de mapeamento em áreas turísticas

Professora da Universidade Federal de Goiás explica que, ao apontar áreas vulneráveis, pode-se diminuir incidência de acidentes em parques naturais e geoparques

Joana Paula Sanchez. Professora da Universidade Federal de Goiás e especialista em riscos geológicos em áreas turísticas Joana Paula Sanchez. Professora da Universidade Federal de Goiás e especialista em riscos geológicos em áreas turísticas  - Foto: Reprodução/Redes Sociais

Ao longo da semana passada, os olhos do mundo se voltaram para o Monte Rijani, na Indonésia, em uma espera angustiada por notícias do resgate da publicitária Juliana Marins, de 26 anos. A morte precoce da jovem, confirmada quatro dias depois da queda da trilha no entorno do vulcão, causou tristeza e indignação pela demora no socorro. O seu corpo chegou na terça-feira ao Rio e será velado nesta sexta-feira.

O caso jogou luz sobre o turismo de interesse geológico e como garantir mais segurança à prática. Apesar de o estado ser bem-preparado para lidar com emergências, segundo a geóloga Joana Paula Sanchez, ele não tem um sistema de gestão de risco geológico nos parques – fundamental para reduzir acidentes. O instrumento mapeia, por exemplo, onde pode haver deslizamento de terra, queda de rocha, e onde é seguro ou não para visitantes.

No Brasil, Fernando de Noronha foi o primeiro local a receber o mapeamento, feito por Joana e sua equipe, através do Serviço Geológico do Brasil. O país é um dos pioneiros do mundo, ao lado dos Estados Unidos e da Austrália, mas ainda falta muito: desde leis que obriguem as administrações a elaborarem um mapa de risco, até a falta de profissionais especializados.

O que é o turismo geológico e por que ele exige cuidados específicos?
O turismo geológico está sempre associado a áreas naturais e à geodiversidade, que são as rochas e o solo. Muitas vezes está associado a locais mais específicos, como vulcões, cavernas e montanhas. Áreas geológicas precisam ter os locais mais arriscados mapeados, e os visitantes têm de ser informados sobre as condições do local: o tipo de solo, de clima, aonde ir e aonde não ir. A informação é o primeiro nível de cuidado.

Que tipo de regulamentações ou normas de segurança devem ser seguidas em áreas de interesse geológico?
No Brasil, a gente não tem nenhuma regulamentação geológica. Estamos escrevendo as primeiras normas, que serão lançadas ainda este ano. O problema é que uma norma não é lei, é uma recomendação, ou seja, depende de cada município, estado ou país exigir que se siga ou não. O que a gente tem é um Sistema de Gestão da Segurança de turismo de aventura, que é uma recomendação prevista na norma ABNT NBR ISO 21101, que é internacional. Mas não está relacionado à geologia, e também não é obrigatório de ser implantado.

Como funcionam os sistemas de segurança para áreas turísticas?
O Sistema de Gestão da Segurança oferece uma matriz com níveis de perigo baixo, médio e alto de um local, com gráficos e recomendações para o gesto. A partir dessa matriz, é feito um plano de emergência, que diz o que pode ser feito se acontecer um acidente ou determinado tipo de ocorrência. Acontece que esse sistema hoje é feito por profissionais do turismo e relacionadas, mas não da geologia. Não leva em consideração, por exemplo, queda de rochas ou deslizamentos.

Fernando de Noronha foi o primeiro a implementar um sistema de gestão de risco geológico. O que isso representa?
Foi uma mudança muito grande no uso turístico do lugar, mais protetivo. No começo foi difícil, porque a gente teve que fechar alguns lugares para entender como funcionava a dinâmica no clima. Fui xingada várias vezes e sofri pressões grandes. Hoje, três anos depois, a maioria das pessoas me agradece. Nosso sonho é que as normas virem lei, para que seja obrigatório.

Quanto tempo dura a elaboração de um sistema com o esse?
O de Noronha durou três anos, mas varia de acordo com o lugar. Envolve avaliação de pluviosidade, clima, vento e entender como a rocha se movimenta em cada estação do ano. Depois tem o manejo geológico, que é quando a gente desce de rapel tirando as pedras soltas. Isso leva tempo e exige equipe treinada, com apoio de alpinistas, porque há pouquíssimos geotecnistas com habilidade de escalada e rapel no Brasil.

No que o Estado do Rio se destaca em termos de turismo geológico?
O turismo de interesse geológico do Rio de Janeiro foi um dos primeiros do Brasil a se consolidar, a partir dos estudos da professora Katia Mansur e outros pesquisadores para o reconhecimento do Geoparque Costões e Lagunas pela Unesco. Houve um registro geológico lindo com os quilombolas, que foi a identificação de uma rocha do continente africano, que ficou em Búzios com a separação da Pangeia.

Houve interesse por parte dos gestores públicos ou privados em fazer o mapeamento de risco geológico no estado?
Em novembro do ano passado, alguns gestores do Parque Nacional da Tijuca, me procuraram sinalizando interesse em fazer o mapeamento. A equipe do Parque Nacional Serra dos Órgãos (Parnaso) me chamou em fevereiro para fazer uma avaliação de risco, mas não o mapeamento oficial. Na ocasião, nós fizemos a travessia do parque, eu e um colega, e sinalizamos que havia um ponto, na descida da Pedra do Sino, com risco de escorregamento de pedra. Pouco tempo depois, soubemos que ele de fato aconteceu e tiveram que fechar a trilha.

Como o sistema de gestão de risco geológico ajuda na prevenção de acidentes em trilhas e áreas turísticas?
Uma vez que a gente mapeia os lugares mais arriscados, o risco de acidentes diminuiu, porque se reduz a exposição a risco, e consequentemente se salvaguarda vidas. O mapa dá recomendações como a remoção de uma rocha, proibir parada em um ponto da trilha onde pode ter queda de bloco, permitir apenas passagem constante, fechamento de trechos, sinalização com placas. Também foi recomendado o uso de capacete na entrada da praia. E se ainda assim acontecer algo, porque acidentes acontecem, o plano de emergência te direciona sobre o que fazer.

Que outra ferramenta pode trazer mais segurança para turismo de aventura?
A educação. As pessoas precisam conhecer os riscos. Às vezes, só a placa não funciona. É no boca a boca, explicando para as pessoas, que vão compartilhando com outras. Mas não é impondo ou julgando, e sim na base da conversa, da explicação, do respeito.

O que podemos aprender com Austrália e Estados Unidos?
Talvez se a gente conseguisse a lei de direito ao risco, poderíamos avançar, mas é um debate difícil e polêmico. Direito ao risco é dar ao indivíduo a informação sobre o risco, para que ele possa escolher se assume o risco ou não. Nesses países, a pessoa pode assumir a responsabilidade pelo risco que está correndo. Aqui não.

Os parques no Brasil estão preparados para lidar com esse tipo de risco?
Estão. A gente tem, em vários lugares, grupos de alpinistas, de resgate, de voluntários, que são muito bem organizados no Brasil inteiro. Salvo alguns locais, como os da Amazônia, de muito difícil acesso. Mas os nossos bombeiros são muito bem-preparados. Claro que não é uma diversidade geológica como a da Indonésia, mas a gente consegue dar uma resposta em emergências.

O que precisa mudar para garantir a segurança de quem visita trilhas e áreas naturais no país?
A consciência das pessoas. Sem conhecimento básico de trilha, deve-se evitar este tipo de atividade. A contratação de um guia experiente é essencial. Buscar entender a atividade que vai fazer, o local, buscar referências, histórias de outras pessoas. E nos locais, é preciso conhecer os riscos, e orientar os visitantes sobre eles.

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