Barbárie por todo o País
Chacinas nos presídios, explosões a bancos, assaltos a ônibus e traficantes dominando áreas. Mal aparelhada e insatisfeita com as condições de trabalho, a polícia não contém a violência diante de um crime organizado
A violência que se acentuou no Brasil nos últimos meses beira a barbárie. As recentes chacinas carcerárias que vitimaram mais de 100 pessoas no Norte e Nordeste, assim como as crises de insegurança nas ruas de estados como o Rio de Janeiro, onde o tráfico domina, e no Espírito Santo, em caos pela greve da Polícia Militar que durou até a sexta-feira passada, são exemplos. Em Pernambuco, mais de 450 bancos foram explodidos por grupos fortemente armados desde o ano passado.
O problema não parece ter controle. No Estado, quem usa o transporte coletivo vive com medo. O ano mal começou e os assaltos a ônibus já ultrapassam 450. Os homicídios colocam o Brasil em 9º no ranking dos que mais matam nas Américas. O índice é considerado epidêmico de violência pela Organização Mundial de Saúde: 29 mortes por 100 mil habitantes. São aproximadamente 58 mil assassinatos por ano.
Os policiais estão acuados. “Não temos armas para combater o crime. Estava de plantão com um colega quando recebemos a notícia de que uma quadrilha estava explodindo o banco da cidade. Eles com fuzis e dinamite. Nós com duas pistolas. Não fomos. Chegar lá com o roubo em curso era pedir para morrer”, narrou um PM, que preferiu não se identificar, sobre o clima de medo que o crime organizado tem produzido no Interior do Estado.
Os dados são do último relatório do Fórum Nacional de Segurança Pública, que também aponta a relação desfavorável entre a polícia e o crime: o Brasil tem aproximadamente 543 mil homens nas polícias Civil e Militar. A média é de um PM para cada 473 habitantes. O ideal seria um para 250, de acordo com a ONU.
Tropas federais
Nessa perda de controle dos gestores estaduais de segurança pública sobre a criminalidade virou regra a solicitação de apoio federal. Em 2015, foram 54 missões da Força Nacional e 56 em 2016. Entre os locais com mais pedidos estão Alagoas, Rio Grande do Norte e Pará. Sem contar o apoio das Forças Armadas acionadas para ações de garantia de lei e ordem (GLO). De 2014 a 2016 tropas já foram enviadas para apoiar segurança nas ruas 16 vezes.
Em Pernambuco, as Forças Armadas ficaram quase um mês realizando policiamento na Região Metropolitana do Recife após a Polícia Militar entrar em operação padrão por melhorias salariais. Nem mesmo com o Exército na cidade foi possível conter uma explosão de mortes, assaltos e arrastões em dezembro. Apenas em 2016 foram 4.479 assassinatos em Pernambuco, uma média de 48 mortes para cada 100 mil habitantes. A taxa é quase cinco vezes maior que o limite considerado pela OMS para o surto de violência.
O governador Paulo Câmara admitiu, na última sexta-feira, que a situação está “muito ruim”. Mas argumentou que vem fazendo avanços na prisão de suspeitos pelos crimes. “Estamos tendo dificuldades, que estão sendo combatidas com investigação, com inteligência e ações. Vamos enfrentar isso e melhorar a situação que hoje é de intranquilidade, de insegurança no nosso Estado”, prometeu.
Presídios
Quando o foco são os encarcerados, a percepção social é que eles “merecem” sofrer condições de insalubres e de abandono como parte da punição. “Pessoas que ficam presas sem ser julgadas por anos. E quando são julgadas a pena já estaria prescrita faz tempo. É uma desumanidade da execução do processo penal. Parte dessa responsabilidade é do sistema jurídico”, comenta. Cecília Minayo.
Para ela, essas rebeliões nos presídios hoje mostram uma revolta dos detentos contra esse tratamento. Mas também demonstram que na ausência do Estado, o crime organizado transformou as cadeias em suas fortalezas, criando centrais de comando dentro e fora das grades num contingente de encarcerados com cerca 565 mil e com milhares atuando livremente nas ruas. No Rio Grande do Norte, durante a rebelião no presídio de Alcaçuz, em janeiro passado, dezenas de detentos morreram na briga das facções. Mas a violência extrapolou os muros do presídio. Lá de dentro, integrantes das facções davam ordem para ônibus serem incendiados.
Diagnóstico (e prognóstico) do crime
A diferença entre os dois panoramas está na intensidade, segundo o secretário de Segurança de Bogotá, Hugo Acero Velásquez, que logrou diminuir as mortes violentas da cidade em quase 70% em nove anos. No Brasil, os índices são menores. Mas, nada que não deva piorar, pelo menos em relação aos próximos dois anos.
Analistas criminais preveem agravamento da crise porque, enquanto o crime se profissionaliza, faltam ao Estado recursos para desenvolvimento tecnológico, inteligência e preparo policial.
Mas o Plano Nacional de Segurança Pública já foi anunciado quatro vezes desde o ano 2000 e nunca colocado em prática. A nova promessa é que seja iniciado na próxima quarta-feira, em três capitais. Essa é, também, a crítica principal do sociólogo Julio Jacobo, criador do Mapa da Violência, em relação ao caos atual.
A questão é preocupante quando se percebe que o desenvolvimento tecnológico da polícia foi arma fundamental para a diminuição de 80 assassinatos por 100 mil habitantes para 25 em Bogotá e é, por Velásquez, sugerida para o Brasil. “As facções pertencem a rede de crime organizado transnacional, tem bons recursos econômico e dispensam burocracia para realizar o tráfico.”
Segundo ele, que também é doutor em Sociologia e Política pela UFMG, a integração com outras áreas da administração local são tão importantes quanto o aparato policial em si. “Cada setor tem a sua influência. Saúde, educação, urbanismo. Diminuímos 15% a violência nas escolas em um ano ao revitalizarmos as áreas do entorno delas. Livrá-las do lixo, pavimentá-las, cuidar das praças, enfim, gerar outro ambiente”, contou Durante.
Para ele, o uso do espaço urbano é prioridade para trazer à população a sensação de segurança. “Colocar a cadeira na calçada é uma forma de controle do crime. As pessoas sabem logo quando algo está fora do normal e o estranho é intimidado. Só combater o crime não tira o medo das pessoas”
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