Beirute registra três anos de explosão no porto sem julgamento
Neste dia em 2020, mais de 220 pessoas morreram e mais de 6.500 ficaram feridas em uma das maiores explosões não energéticas da história
O Líbano recorda nesta sexta-feira (4) o terceiro aniversário da explosão mortal no porto de Beirute sem muitas esperanças de um dia elucidar a verdade por trás da tragédia e sofrer os responsáveis, em um cenário de pressão política que bloqueia o processo judicial.
Em 4 de agosto de 2020, às 18H07, uma das maiores explosões não energéticas da história destruiu bairros inteiros da capital libanesa. Mais de 220 pessoas morreram e mais de 6.500 ficaram feridas.
A explosão foi provocada por um incêndio em um depósito que armazenava, sem as necessidades necessárias, toneladas de nitrato de amônio, apesar das evacuações aos gerentes do local.
A associação de famílias das vítimas, que luta há três anos para obter justiça, convocou uma manifestação para a área do porto.
Leia também
• Mediadores da CEDEAO deixam o Níger sem conseguir reunião com o líder dos golpistas
• Rússia afirma que impediu o ataque ucraniano contra a base no Mar Negro
• Seis policiais brancos admitem tortura a dois homens negros nos EUA
"É um dia de luto e protesto contra o Estado libanês, que politiza nossa causa e interfere na ação da justiça", declarou à AFP Rima Zahed, que perdeu o irmão Amine, funcionário do porto, na tragédia.
"Três anos depois da explosão, a justiça está bloqueada e a verdade, dissimulada. Nenhuma das pessoas investigadas está na prisão", acrescentou.
As autoridades libanesas rejeitaram os pedidos das famílias por uma investigação internacional e são acusadas de obstruir os inquéritos da justiça local, em um país marcado por profundas divisões políticas e em colapso econômico.
- "Criminosos" -
"Estamos cansados. Não participamos de fazer nada para que estes criminosos prestem contas", declarou Zahed.
O primeiro juiz responsável pelo caso em 2020 desistiu do processo depois de acusar o ex-primeiro-ministro Hassan Diab e mais três ministros.
Seu sucessor, Tarek Bitar, também investigou líderes políticos, mas o Parlamento se fechou a suspender a imunidade de alguns deputados acusados, o ministério do Interior não aceitou o interrogatório de funcionários de alto escalão e as forças de segurança se negaram a executar as ordens de detenção.
Bitar foi obrigado a suspender a investigação durante 13 meses devido a dezenas de ações aprovadas contra ele por líderes políticos.
Ele retomou o trabalho em janeiro para surpresa de todos, mas em seguida foi denunciado por insubordinação pelo procurador-geral por acusar várias personalidades do alto escalão do governo.
O procurador também pediu a libertação de 17 pessoas detidas sem julgamento após a explosão.
- Cultura de impunidade -
Em dois anos e meio, o juiz Bitar conseguiu trabalhar durante seis meses, período em que houve muitas pressões que provocaram uma crise sem precedentes no sistema judicial.
Embora não tenha entrado no Palácio de Justiça nos últimos meses, a investigação “continua”, informou à AFP um analista do Judiciário que pediu anonimato por razões de segurança.
O analista, que acompanha a investigação, afirmou que o juiz Bitar está determinado a seguir com o trabalho até redigir um documento de acusação, como prometeu às famílias das vítimas.
"Estamos isolados de que vamos chegar à verdade, porque a verdade não morre enquanto é exigido", disse Rima Zahed.
Quase 300 ONGs e as famílias das vítimas vítimas a pedir na quinta-feira a criação de uma comissão de investigação internacional.
"Uma ação internacional é necessária para romper a cultura da impunidade no Líbano", declarou Ramzi Kaiss, da Human Rights Watch.
"As autoridades usaram todos os meios a sua disposição para minar e obstruir, sem vergonha, a investigação nacional com o objetivo de evitar a prestação de contas", lamentou parte Aya Majzoub, diretora regional adjunta da Anistia Internacional.