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Brasil ignora contatos da ONU para participar de fórum sobre desigualdade de gênero

Brasil foi contatado pela França e informado sobre como participar institucionalmente do fórum

Prédio da ONU no East Side de Manhattan, na cidade de Nova YorkPrédio da ONU no East Side de Manhattan, na cidade de Nova York - Foto: Daniel Slim / AFP

Integrantes da cúpula da ONU Mulheres, incluindo a diretora-executiva do órgão, Phumzile Mlambo-Ngucka, afirmam que o governo brasileiro não demonstrou interesse em participar do fórum internacional que estabelecerá uma agenda de combate à desigualdade de gênero para os próximos cinco anos.

"Estamos em contato com o governo, mas não tivemos muito sucesso. Apesar disso, estamos abertos caso eles queiram negociar a participação", disse Mlambo-Ngucka. "Embora o governo não esteja presente, a iniciativa privada e a sociedade civil vão representar o Brasil". 

A diretora-executiva falou a jornalistas durante conferência sobre o fórum Generation Equality, que acontecerá entre 30 de junho e 2 de julho, em Paris, com transmissão pela internet.

De acordo com a organização do evento, o Brasil foi contatado pela França e informado sobre como participar institucionalmente do fórum. Para isso, seria necessário que as autoridades brasileiras se dispusessem a fazer um compromisso relacionado às discussões do fórum.

O Canadá, por exemplo, comprometeu-se a investir R$ 10 milhões num fundo da ONU de combate à violência contra a mulher. O México, por sua vez, prometeu lançar um programa para fomentar o estabelecimento de creches e subsídios que diminuam a "crise do cuidado" agravada pela pandemia.

O evento reunirá chefes de Estado e de governo, órgãos internacionais e representantes da iniciativa privada e da sociedade civil para firmar acordos concretos para o cumprimento da chamada ODS 5, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de Igualdade de Gênero estabelecido pela ONU em 2015.

O programa é parte de uma lista de 17 metas globais que compõem a agenda internacional até 2030, adotada por todos os membros da ONU, inclusive o Brasil. "Agora nós temos que criar um plano técnico, muito mais específico, para executar o que está na ODS", disse a diretora-executiva. A primeira etapa do evento foi realizada no México, em março, à qual o Brasil também não compareceu.

De acordo com a secretária-geral da etapa mexicana do fórum, a diplomata Yanerit Morgan, o governo brasileiro não demonstrou interesse em participar do lançamento de nenhuma das ações, divididas em seis eixos: violência contra a mulher, direitos sexuais e reprodutivos, justiça econômica, ação climática e gênero, tecnologia e inclusão e fomento a lideranças e movimentos feministas.

"A petição para a participação estava aberta a todos os Estados membros da ONU. É um acordo com Estados que estejam comprometidos com os objetivos do fórum. Então, os participantes no México foram aqueles que estavam realmente compromissados com o objetivo", afirmou a secretária-geral.

"No caso do Brasil, nós não recebemos nenhum tipo de interesse em participar pelas razões que nós sabemos: os objetivos de política pública não são os mesmos no momento." No dia 8 de março, por exemplo, o Brasil se aliou a nações como Polônia, Hungria e Arábia Saudita e se recusou a assinar um compromisso mundial em defesa da saúde feminina, por conter referências a "saúde sexual e reprodutiva".

Ao fórum esnobado pelo Brasil comparecerão os presidentes de França, México, Argentina, Chile, África do Sul, Quênia, República Democrática do Congo e Tunísia, além da primeira-ministra alemã, Angela Merkel, e dos premiês de Canadá, Espanha e de quase todos os países escandinavos.

Também devem ir à cerimônia de abertura, a ser realizada presencialmente em Paris, o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, o presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional) e representantes de entidades filantrópicas, como a Fundação Ford. Os EUA devem enviar um representante, e há a expectativa de que o presidente Joe Biden grave uma fala em vídeo.

Procurado, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), chefiado por Damares Alves, afirmou não ter participado da primeira parte do fórum, no México, por "dificuldades operacionais" e que estava trabalhando para estar em Paris. A organização do evento, no entanto, disse não ter recebido contato do governo brasileiro para viabilizar a participação.

A reportagem questionou então o ministério sobre como seria a presença brasileira e foi informada que a pasta havia feito a inscrição de servidores da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres e da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais por meio do formulário de participação geral, dirigido ao público.

De acordo com o fórum, isso significa que os representantes do governo brasileiro poderão apenas assistir às mesas de discussão, como qualquer outro cidadão, o que não configura adesão do país à agenda proposta pelo Generation Equality.
O MDH informou ainda que mandará uma delegação a Paris e que a lista de nomes será enviada ao Itamaraty, que afirmou à reportagem ainda não ter recebido comunicação oficial da pasta a respeito do assunto.

A falta de interesse em participar do evento não foi a única preocupação expressada pelas responsáveis do fórum na entrevista coletiva realizada nos dias 16 e 17 de junho. Ao falar sobre mudança climática e gênero, a ex-primeira-ministra da Irlanda Mary Robinson, primeira mulher a presidir a Elders, associação criada por Nelson Mandela para reunir ex-governantes, afirmou que "o mundo precisa colocar mais pressão sobre o Brasil para evitar que o dano feito à Amazônia seja permanente".

Ela e a ativista mexicana Maria Reyes, membro do Sextas-feiras pelo Futuro, movimento de jovens contra a mudança climática, disseram não esperar mudanças em políticas ambientais até o fim do governo Bolsonaro. "Nós precisamos de uma mudança política, e não climática, no Brasil", afirmou Reyes.

A agenda final firmada pelo Generation Equality poderá ser complementada e aderida por outros países membros da ONU, como o Brasil, durante os próximos cinco anos.

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