Após ataque de Bolsonaro a Bachelet, chanceler chileno defende parceria entre países
A passagem do ministro chileno por Brasília se dá em meio ao constrangimento provocado por manifestações de Bolsonaro sobre o pai de Michelle Bachelet
Um dia após o presidente Jair Bolsonaro (PSL) atacar a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para Direitos Humanos, e o pai dela, Alberto Bachelet, o ministro das Relações Exteriores do Chile, Teodoro Ribera, lembrou nesta nesta quinta-feira (5) o volume de recursos de seu país investido no Brasil e disse que as relações precisam transcender pessoas, governos e épocas.
Ribera está no Brasil e fez uma visita na manhã desta quinta ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), antes de uma reunião com o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo.
A passagem do ministro chileno por Brasília se dá em meio ao constrangimento provocado por manifestações de Bolsonaro sobre o pai de Michelle Bachelet. Alberto Bachelet foi torturado e morto pela ditadura militar de Augusto Pinochet.
"Entre Chile e Brasil há relações econômicas interessantes. Somos o segundo parceiro regional em matéria de comércio de Brasil. Vocês são o nosso primeiro parceiro. Existem mais de US$ 30 bilhões chilenos investidos no Brasil", disse Ribera.
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Segundo o Itamaraty, o Brasil concentra o maior estoque de investimentos externos chilenos no mundo, ultrapassando a marca dos US$ 35 bilhões em áreas como papel e celulose, varejo e energia. O Brasil tem investimentos na economia do Chile de mais de US$ 4,5 bilhões, nas áreas de energia, serviços financeiros, alimentos, mineração, siderurgia, construção e fármacos.
O ministro chileno lembrou ainda do acordo de livre comércio entre os dois países assinado em novembro do ano passado, no fim do governo Michel Temer. Ribera disse que o assunto ainda não começou a tramitar no Chile, mas que a seu governo interessa aprovar o acordo.
"Temos que garantir que as relações diplomáticas e entre países transcendam pessoas, governos e épocas", disse o chanceler chileno ao deixar o Senado.
Num tom mais diplomático, Teodoro Ribera afirmou que o governo chileno já se manifestou sobre as declarações de Bolsonaro e disse que "este é um tema próprio
do Brasil com ela [Bachelet]".
As falas de Bolsonaro -que acusou Bachelet de defender "direitos humanos de vagabundos" e atacou o pai da ex-mandatária, morto pela ditadura de Augusto Pinochet- geraram forte repercussão negativa no meio político e na imprensa do Chile.
O presidente do Senado chileno, Jaime Quintana, exigiu publicamente uma "resposta contundente" do presidente Sebastián Piñera e da sua chancelaria.
Diante das cobranças, o presidente chileno declarou em um pronunciamento que não compactua com as falas de Bolsonaro.
Interlocutores que acompanham o tema afirmaram que Ribera estava em voo com destino ao Brasil enquanto ocorriam as manifestações de repúdio, no Chile, às declarações de Bolsonaro.
O desconforto gerado foi tamanho que, ao chegar ao Brasil, ele divulgou um vídeo com um desagravo a Bachelet. A crítica de Bolsonaro ao pai da ex-presidente veio após Bachelet dizer em uma entrevista coletiva que o Brasil sofre uma "redução do espaço democrático", especialmente com ataques contra defensores da natureza e dos direitos humanos.
"Michelle Bachelet, seguindo a linha do [presidente francês Emmanuel] Macron em se intrometer nos assuntos internos e na soberania brasileira, investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos (de bandidos), atacando nossos valorosos policiais civis e militares", escreveu o presidente em uma rede social.
"Diz ainda que o Brasil perde espaço democrático, mas se esquece de que seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à época", prosseguiu Bolsonaro, que publicou também uma foto de Bachelet, quando presidente, ao lado das ex-mandatárias Dilma Rousseff (Brasil) e Cristina Kirchner (Argentina).
Alberto Bachelet, pai de Michelle, era general de brigada da Força Aérea e se opôs ao golpe militar dado por Augusto Pinochet em setembro de 1973. Ele foi preso e torturado pelo regime e morreu sob custódia, em fevereiro de 1974.
A ex-presidente chilena também foi presa e torturada por agentes de Pinochet em 1975. A estimativa da Justiça chilena é que cerca de 3.000 pessoas tenham desaparecido durante a ditadura e que mais de 30 mil tenham sido torturadas.
Ao deixar o Palácio da Alvorada na quarta-feira (4), o presidente disse que a alta comissária da ONU "defende direitos humanos de vagabundos".
"[Michelle Bachelet] está acusando que eu não estou punindo policiais, que estão matando muita gente no Brasil. Essa é acusação dela. Ela está defendendo direitos humanos de vagabundos", afirmou.
"Senhora Michelle Bachelet, se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em 1973, entre eles o teu pai, hoje o Chile seria uma Cuba. Eu acho que não preciso falar mais nada para ela. Quando tem gente que não tem o que fazer, vai lá para a cadeira de direitos humanos da ONU", acrescentou o presidente.
Sebastián Piñera disse que toda pessoa tem o direito de ter seu juízo histórico sobre o governo do país nos anos 1970 e 1980, mas disse discordar das falas de Bolsonaro.
"Não compartilho em absoluto com a menção de Bolsonaro em respeito à ex-presidente do Chile, e especialmente em um tema tão doloroso como a morte de seu pai", afirmou.
O presidente chileno também disse que o seu compromisso sempre foi com a democracia, a liberdade e os direitos humanos. Na fala que gerou a reação de Bolsonaro, Bachelet, presidente do Chile em duas oportunidades, entre 2006 e 2010 e de 2014 a 2018, disse que, nos últimos meses, o Brasil observou "uma redução do espaço cívico e democrático, caracterizado por ataques contra defensores dos direitos humanos, restrições impostas ao trabalho da sociedade civil".
Ela também apontou um aumento do número de pessoas mortas por policiais no Brasil, que afeta mais a negros e a moradores de favelas. A ex-presidente chilena ainda lamentou o "discurso público que legitima as execuções sumárias" e a persistência da impunidade, além de questionar a política do governo de facilitar o acesso a armas.
A comissária recordou que ao menos oito defensores dos direitos humanos foram mortos no Brasil entre janeiro e junho, e que a maioria dessas mortes teve relação com disputas de propriedade, relacionadas à "exploração ilegal de recursos naturais, principalmente agrícolas, florestais e minerais".
Para ela, essa violência ocorre em todo o país e afeta especialmente as comunidades indígenas. "Um terço dos incêndios florestais ocorre em áreas indígenas ou de proteção", apontou, ao ser questionada sobre a Amazônia.
"Dissemos ao governo que ele deve proteger os defensores dos direitos humanos e do meio ambiente, mas também examinar as medidas que podem desencadear violências contra esses defensores", afirmou Bachelet.
A alta comissária destacou que não estava sugerindo que os incêndios são intencionais, mas que ocorrem em áreas indígenas preservadas ou em áreas de conservação. Bachelet, então, solicitou às autoridades brasileiras que implementem as recomendações de seu escritório para a proteção de minorias.