Pretendentes a adoção no Amazonas são o dobro dos que aguardam para ser adotados
Levam vantagem os pretendentes quem estiverem abertos a adotar crianças fora do padrão corriqueiro
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os números da adoção no país revelam que há mais de 37 mil famílias registradas para adoção e cerca de 6.800 crianças e adolescentes, de até 17 anos de idade, em condições de serem adotados. No estado do Amazonas, os dados seguem o padrão nacional: existem 50 crianças e adolescentes na lista de espera e 115 pretendentes, mais que o dobro.
Neste cenário, levam vantagem os pretendentes quem estiverem abertos a adotar crianças cujo perfil não corresponda ao desejado pela maioria dos interessados na adoção. Essa diferença, na avaliação do titular da Defensoria Especializada da Infância e Juventude do estado, Mário Wu Filho, está relacionada ao fato de a maioria preferir crianças brancas, com até três anos e saúde perfeita. Foi essa abertura à diversidade que transformou a vida do casal Mauro e Matthew Neely, moradores de Manaus, que há três meses foram contemplados com a chegada de quatro filhos adotivos: um menino de nove anos e três meninas, de cinco, três e um ano e três meses de idade, respectivamente, todos irmãos, que moravam em um abrigo no Rio de Janeiro.
Casados há 11 anos, Mauro e Matthew se habilitaram à adoção em 2014, no Cadastro Nacional de Adoção do CNJ. Segundo Mauro, o casal sempre teve o apoio de familiares e não enfrentou preconceitos durante o processo de adoção. Ao lado do marido, que é norte-americano, ele se sente realizado com a decisão de formarem a própria família. “Desde o início a gente nunca viu nenhum tipo de problema. A gente não se vê como diferente, a gente vê como normal nosso perfil. Eu sinceramente não consigo mais me ver sem meus filhos. É impressionante. As pessoas sempre falam que você está ajudando as crianças, mas na realidade são eles que estão nos ajudando a nos transformar em pessoas melhores a cada dia. São nossos filhos. Nós somos hoje uma linda e grande família”, comentou.
O titular da Defensoria, Mário Wu Filho, diz que “é meio estranho, desumano, criar um perfil da cor da pele [da criança] que se deseja [adotar], porque não é um objeto, a gente tá falando de seres humanos, ainda mais criança. Então o preenchimento desse perfil dificulta e impede o fechamento [de novas adoções]”, afirmou. De acordo com a Defensoria Especializada da Infância, o CNJ não aponta o perfil das crianças e adolescentes na lista de espera no Amazonas. Dados por região, no entanto, mostram que no Norte, das 273 crianças aptas a serem adotadas 82% são pardas, 9% brancas, 6% negras e 1,1% indígenas. Os números também revelam que, das 1.190 famílias pretendentes, 34% rejeitam crianças e adolescentes negros e indígenas. Para o defensor, isso representa uma negação da própria origem.
“Eu tenho a impressão que falta uma conscientização maior da população, principalmente aqui na região norte, com relação a essa ideia do 'ser índio'. A gente nota uma característica física e cultural própria da região amazônica e que as pessoas negam o seu pertencimento a esse grupo. É o mesmo que na Bahia, por exemplo, a pessoa preencher o cadastro e dizer que não quer uma criança negra”, observou Mário Wu Filho.
O Cadastro Nacional de Adoção foi lançado em 2008 pelo CNJ com o objetivo principal de reduzir a burocracia do processo de adoção. Mas, para o Ministério da Justiça, existem lacunas que ainda precisam ser corrigidas na Lei da Adoção. Para tanto, a pasta está elaborando um projeto de lei que pode mudar regras relacionadas a prazos, entrega voluntária, adoção internacional e o direito à convivência familiar. A população poderá contribuir com a iniciativa através de consulta pública, que está disponível desde o início desse mês no site pensando.mj.gov.br/adocao. As sugestões podem ser feitas até o dia 4 de novembro.