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MEIO AMBIENTE

Brasileira ganha o Oscar Verde por trabalho sobre convívio em harmonia de onças com pessoas

Projeto vencedor do Whitley Prize foi desenvolvido pela cientista Yara Barros com felinos da Mata Atlântica

Yara BarrosYara Barros - Foto: divulgação/Projeto Onças do Iguaçu

Amor de onça quando chega é para sempre. Uma paixão que arrebata, mas nunca deve deixar de ser à respeitosa distância, pelo bem comum de pessoas e felinos. É essa paixão que move Yara Barros, cientista brasileira que recebe hoje, em Londres, o mais importante prêmio de conservação do mundo, o Whitley Prize, considerado o Oscar Verde, por seu trabalho com as onças-pintadas da Mata Atlântica, bioma em que a espécie está classificada como criticamente ameaçada de extinção.

A bióloga Barros foi reconhecida por transformar a paixão de muitos pelas onças-pintadas em benefício de todos, pessoas e animais. O trabalho liderado por ela mostrou que o convívio em harmonia é possível e proveitoso para seres humanos e felinos. E chegou, por coincidência, num momento em que o ataque de uma onça-pintada, relacionado a uma prática proibida (alimentação do animal para atraí-lo), levou à morte de um homem no Pantanal do Mato Grosso do Sul.

O Brasil registrou dois ataques fatais em duas décadas - um risco extremamente baixo, de um em 216 milhões - mas mesmo assim o caso provocou polêmica.

— Minha meta é transformar medo em encantamento. Problema em solução. Estou muito feliz porque esse prêmio é o maior reconhecimento que um cientista da conservação da biodiversidade pode conquistar. É um prêmio para a minha equipe e as onças — afirma Barros.

Barros também acaba de ser eleita uma das mais destacadas pesquisadoras e exploradoras mulheres do mundo, reconhecimento dado pelo prêmio Women of Discovery (Wings 2025), que será entregue em outubro, em Nova York, nos Estados Unidos. As premiações evidenciam a excelência de cientistas brasileiros pelo meio ambiente no ano em que o país sedia a COP30.

No Parque Nacional do Iguaçu, em Foz do Iguaçu, no Paraná, onde trabalha Barros, assim como no Pantanal ou em qualquer parte, a onça-pintada segue sendo tão fera quanto bela. Mas no parque no Paraná jamais houve um ataque a despeito de ele ser o segundo mais visitado do Brasil, com 2 milhões de visitas em 2024.

Barros é coordenadora-executiva do “Projeto Onças do Iguaçu”, que ajuda a mover a economia local e contribuiu para multiplicar a espécie numa região onde ela estava a um passo da extinção. Ela também é coordenadora-executiva do Plano de Ação Nacional para a Conservação de Grandes Felinos.

— Onça não é um animal doméstico. Não há onça mansa. Mas existe coexistência pacífica. Esse é um pilar do nosso trabalho. Precisamos salvar as onças e as pessoas que compartilham o planeta com elas — frisa Barros.

Hoje, o Parque Nacional do Iguaçu abriga a maior população de onças-pintadas da Mata Atlântica. Um feito num bioma onde elas não chegam a 300 e podem desaparecer, sobretudo, pela destruição do habitat e a caça, que continua a acontecer, a despeito da proibição.

Veja vídeo de onça do projeto:

A vida das pintadas do Paraná pode ser dividida entre antes e depois de Yara Barros, à frente do projeto desde 2018. No lado brasileiro do parque elas hoje são 25, mas o número chega a 91, se consideradas as que transitam no corredor verde entre Brasil e Argentina. Em 2009, eram apenas nove onças do lado brasileiro.

O projeto ajuda a evitar e resolver conflitos. E também estimula o empreendedorismo de onça. Por ano, o projeto faz cerca de 400 visitas, a 100 propriedades nos dez municípios do entorno do parque.

Na região, o conflito é com animais domésticos e de criação. Barros e sua equipe ensinam práticas de manejo de animais domésticos que evitam ataques, como não deixar vacas com bezerros na mata. E, se for preciso, até ajudam a construir galinheiros e canis.

O projeto também levou as onças a toda parte, ainda que não em músculos, garras e pintas. Mas são representadas em brinquedos, atraem turistas para hotéis, movimentam festivais e promovem marca de queijo.

Um dos projetos é o Crocheteiras da Onça, integrado por 18 mulheres de que comunidades do entorno do parque. O projeto as ajudou a se capacitar para fazer bonecos e a negociar com lojas e hotéis para a venda do trabalho. Outra história de sucesso é o Rancho Jaguaretê (outro nome pelo qual a espécie é conhecida), em São Miguel do Iguaçu.

A história do rancho começou com um ataque a bezerros. Os pesquisadores entraram com técnicas para impedir novas perdas e depois com a capacitação do proprietário para a produção de queijo. Hoje, de pequeno produtor de leite, ele se tornou empresário, com pousada, local de eventos, fabricação de queijos.

— As onças ajudam a mover a economia em Foz do Iguaçu e outros nove municípios paranaenses — diz Barros.

O prêmio de 50 mil libras (cerca de R$ 380 mil) será usado para contratar mais uma pessoa para a equipe de seis pessoas do projeto, cinco delas mulheres. A pesquisadora, que também já trabalhou com a conservação da ararinha-azul, na Bahia, observa ainda que mais ferozes do que as onças são os preconceitos que cientistas como ela precisam enfrentar.

— Nunca sofri com as onças, com o esforço do trabalho de campo. Mas sim por ser mulher e agora, aos 59 anos, por etarismo. Como todo preconceito, é pura ignorância. Estou muito feliz porque esses prêmios mostram que não conseguem impedir nosso trabalho — enfatiza ela.

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