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VATICANO

Cardeal condenado gravou Papa Francisco às escondidas para tentar se livrar de escândalo financeiro

Giovanni Angelo Becciu, de 76 anos, reivindica direito de votação no conclave que elegerá o próximo Papa

Angelo BecciuAngelo Becciu - Foto: Claude Truong-Ngoc/Wikimedia Commons

Em uma conversa telefônica gravada sem consentimento e divulgada pela imprensa italiana em 2022, o cardeal Giovanni Angelo Becciu — que hoje ensaia retorno ao Vaticano para participar do conclave que elegerá o próximo Papa, após a morte do Papa Francisco — tentou convencer o Pontífice a endossar movimentações financeiras suspeitas realizadas por ele. A gravação foi feita em 24 de julho de 2021, apenas três dias antes do início do julgamento que levou à sua condenação por fraude, em dezembro de 2023.

Becciu, de 76 anos, é um ex-assessor próximo do Papa Francisco. Acusado de usar o fundo de doações de fiéis da Igreja Católica para a aquisição de um prédio em Londres, ele foi o funcionário de mais alta posição na hierarquia da Igreja Católica a comparecer ao tribunal do Vaticano, a Justiça civil da Cidade-Estado.

O cardeal foi condenado a 5 anos e meio de prisão e multado em 8 mil euros, o equivalente a aproximadamente R$ 43 mil, na época. Seu nome está ligado a acusações de nepotismo, corrupção e propinas, mas Becciu afirma ser inocente e deseja exercer o direito de voto no conclave.

A conversa com o Papa
Em 2022, a imprensa italiana divulgou gravações de uma conversa telefônica do cardeal com o Papa Francisco, feita sem o consentimento do Pontífice, na qual Becciu tentou fazer o religioso argentino confirmar que havia aprovado movimentações financeiras suspeitas.

A gravação foi realizada em 24 de julho de 2021, três dias antes do início do julgamento de Becciu — e quando Francisco ainda se recuperava de uma operação no cólon feita naquele mês.

No telefonema, o cardeal Becciu pede que o Pontífice confirme que aprovou o desbloqueio dos fundos para libertar uma católica colombiana detida por um grupo ligado à al-Qaeda no Mali.

— Você me deu, ou não, a autorização para iniciar as operações de libertação da religiosa? — perguntou Becciu: — Tínhamos estabelecido o resgate em 500 mil euros, não mais do que isso, porque nos parecia imoral dar mais dinheiro para os terroristas. Acho que já o havia informado de tudo isto... Se lembra?

Segundo a transcrição, publicada pelo jornal italiano Il Messaggero", o Papa respondeu que se lembrava “vagamente”. O Pontífice argentino pediu, então, que Becciu enviase a pergunta por escrito. A ligação foi gravada no apartamento do ex-cardeal por uma pessoa próxima, segundo o tribunal.

Investigação
Becciu se envolveu em um escândalo sobre o uso de fundos do Óbulo de São Pedro — sistema de arrecadação de doações da Igreja Católica comumente usado em obras de caridade — para a compra de um edifício em Londres.

Na época, o cardeal ocupava a segunda maior posição na Secretaria de Estado do Vaticano, responsável pela gestão do fundo, e era a terceira principal autoridade da Igreja Católica. Ele nega que os donativos tenham sido usados para a aquisição do imóvel e alega inocência.

Desde julho de 2021, quando o julgamento de Becciu teve início, várias pessoas passaram pelo Tribunal Penal do Vaticano devido a acusações de fraude, abuso de poder, desvio e lavagem de dinheiro, corrupção e extorsão.

Entre elas, Cecilia Marogna, uma intermediária contratada por Becciu como consultora de segurança por 575 mil euros. Parte da verba foi transferida para a conta de sua empresa na Eslovênia, e parte entregue em dinheiro vivo.

Segundo os promotores do caso, os recursos aos quais Marogna — conhecida como "a dama do cardeal" na imprensa italiana — teve acesso deveriam ter sido usados para ajudar a libertar padres e freiras mantidos como reféns no exterior, entre eles a freira colombiana sequestrada no Mali. Gastou a verba, contudo, em hotéis e artigos de luxo.

Retorno ao Vaticano
Becciu ensaia uma volta para o Vaticano a partir do novo conclave que será realizado por conta da morte do Papa Francisco. Segundo ele, o fato de o Pontífice ter mantido seu título como cardeal seria uma prerrogativa de que poderia participar da votação.

Após ser convidado para as Congregações Gerais pré-conclave, como todos os outros cardeais, ele agora expressa sua intenção de também participar da votação para eleger o novo Papa.

— Referindo-se ao último consistório, o Papa reconheceu minhas prerrogativas cardinais intactas, já que não houve vontade explícita de me excluir do conclave nem solicitação de minha renúncia por escrito — declarou o cardeal ao jornal Unione Sarda.

A Congregação Geral dos Cardeais, cuja primeira sessão ocorreu na manhã desta terça-feira, terá de decidir sobre a reivindicação de Becciu. Entretanto, não será fácil conter a determinação do cardeal, que insiste veementemente em sua inocência e na ideia de ter sido “indultado” pelo Papa.

Apesar dos processos, em 2021 Francisco celebrou a Missa da Ceia do Senhor na capela privada de Becciu, onde tradicionalmente almoçava com padres romanos. Sua presença no conclave certamente seria um elemento desestabilizador, com possíveis efeitos mobilizadores — especialmente entre os setores do Sacro Colégio mais contrários à linha de Bergoglio.

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