Opinião

Cenas da barbárie política: cinismos, deboches e escárnios 

Atenção para meu exercício "fake", feito na intenção de uma sintonia com a atual cena política, esta de qualidade tão sofrível. Recomendo para essa avalanche de "mentes brilhantes", o reforço do uso abusivo de óleo de peroba. Afinal, o indicativo serve para tantos caras de pau, mesmo que eles possam achar que sirva também para dar brilho às suas cabeças prodigiosas, ativadas no modo "produzir mentiras". Todos caem bem no estilo daquele famoso boneco narigudo, cuja madeira de lei garante consistência e resistência, tanto e quanto à propagação de contínuas mentiras.

Posso agora sair do campo fértil da "fábrica de fakes" e retomar os fatos de uma realidade tão implacável, quanto absurda. Nesse momento da análise, substituo aquele óleo dos protagonistas do "marketing fake", por um verniz que favoreça o brilho da verdade, por mais dura que ela seja. De pronto, constato que negar é o verbo mais conjugado, devido a um impressionante esforço pela idiotização da sociedade. Para dar substância à minha tese, reporto-me a uma sequência genial de frases de Nélson Rodrigues. Convoco o leitor para sentir a sutileza das palavras e daí entendê-las como adequadas à cena política. Vamos tentar? Pois, então, leiam e reflitam. 

"Nada mais cretino e mais cretinizante do que a paixão política. É a única que é capaz de imbecilizar o homem".

"O ser humano é cego para os próprios defeitos. Nem o idiota se diz idiota".

"Desconfio muito dos veementes. Via de regra, o sujeito que esbraveja está a um milímetro do erro e da obtusidade".

Alguma propriedade? Será que há verossimilhança com o que a gente tem sido "contemplado", na forma de cinismos, deboches e escárnios? O que dizer de tanta estupidez destilada por alguns protagonistas da política? Penso que tudo se resume a uma barbárie diária, que se retroalimenta através de uma espécie de moto-contínuo processador de idiotismos. A política brasileira de outrora pode não ter alcançado o status de uma referência exemplar. Mas, foi-se o tempo das grandes lideranças, que transbordavam sabedoria latente, capacidade de articulação e visão democrática, independente da ideologia. Para onde foram os ideiais de Tancredo, Ulysses, Maciel, sem ir muito longe no tempo? No ofício atual, em parte composto por figuras pífias, despreparadas para uma engenharia política capaz de enfrentar o contraditório com armas democráticas. O que se extrai disso é simplesmente decepção.

Gostaria de tomar como exemplo todo material que advém de setores da sociedade, rejeitados pela carência de escrúpulos do atual governo. Essa reunião de valores negados só reforça a tese de um ideal supremacista, intolerante com a diversidade. Pior: o tratamento dispensado é o compromisso com a destruição. Tudo exercido de um modo cínico de contestar, que faz do deboche arma de guerra e que fulmina seus atos com um escárnio pedante. Vivemos a era da preocupação com o excesso de músculos nos glúteos, em vez do excesso de sinapses nos cérebros. 

Na fartura de exemplos, na qual o "idiota supremo" ignora até áreas estratégicas, tomo o exemplo da cultura. Nesse prisma, há uma máquina de gerar "fakes", criada somente para anular a reputação dos que sobrevivem do setor. Asseguro que este é o pior momento da trajetória da produção cultural. Mesmo que se reconheça que a cultura seja muito maior que os dissabores que emanam dos que lhe retaliam: governos e seguidores.

De fato, a retórica do ódio tem-se desdobrado de vários modos, via atitudes politicas deliberadamente destruidoras. Vejamos: 

I) travar o principal mecanismo de incentivo (Lei Rouanet);

II) criar instrumentos singulares e desvios de foco, apenas para garantir um controle discricionário, diante da riqueza plural do país (o inédito direcionamento para estimular o uso de armamentos, é o melhor exemplo); e,

III) vetar o uso de um Fundo criado para o setor, mesmo diante da extensão de uma crise ditada pela pandemia e pela própria ausência de politica cultural (como foram os casos das leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo, conduzidas dentro do Congresso e em perfeita sintonia com os empreendedores do setor).

O governo não imagina o tamanho do estrago dessas atitudes. Tudo fruto de um profundo desconhecimento da cadeia produtiva e da importância dos valores identitários que dão sentido ao conceito de nação. Como o pensar estratégico só tem viés para orgasmos bélicos, jamais conseguirão  entender sobre a ordem de grandeza de uma política estratégica inovadora. No alvo da cultura, em particular, sobrepõe-se uma ideologia desagregadora, colocando sob demérito a força econômica de quem gera milhares de empregos e bilhões em rendas. Afora, a expressão de uma identidade nacional reconhecida no mundo.

Certamente que, na resiliência e na coragem, a cultura terá força para superar a adversidade. O cinismo, o deboche e o escárnio, por fazê-la como mais uma vítima da barbárie, irão deixar contas a pagar para o futuro. É que não se negam politicas culturais só pela vontade persecutória de jogar contra. Afinal, quem exerce poderes na economia e na identidade nacional tem enorme valor.

 

*Economista e colunista 
da Folha de Pernambuco



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