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Chance de feminicídio cresce quando mulheres estão grávidas ou com filhos pequenos, segundo dados

Juíza de Violência Doméstica explica que aumento do risco tem relação com o controle excessivo do agressor e vulnerabilidade da vítima

Violência contra mulherViolência contra mulher - Foto: Alan Marques/Folhapress

Controle excessivo, escalada da violência e vulnerabilidade. São essas as principais questões analisadas para medir o grau do risco de feminicídio para mulheres que vivem em situações de violência doméstica.

Dentro dessa lógica, a gravidez e o nascimento dos filhos acendem o sinal vermelho, de acordo com dados do Formulário Nacional de Avaliação de Risco desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

— O agressor considera a mulher como uma propriedade dele. Quando ele perde ou acha que está perdendo esse controle sobre a mulher, ele decide dar um fim na vida dela. A gravidez e o nascimento dos filhos são fatores que agravam o risco de feminicídio porque o homem não aceita dividir essa mulher com ninguém, nem com o próprio filho — explica a juíza Katherine Jatahy Kitsos Nygaard, do Juizado de Violência Doméstica da região da Leopoldina.

Segundo Katherine, a gravidez “divide a atenção da mulher” ao mesmo tempo que a torna mais vulnerável física e emocionalmente. A juíza afirma que no juizado em que trabalha recebe muitos casos em que o agressor dá socos e chutes na barriga da vítima, na intenção de que ela perca a criança.

O pós-parto e os 18 primeiros meses de vida do bebê também são um momento de "auge da violência" e de alto risco de feminicídio. Além disso, quando as agressões acontecem na frente dos filhos pode ser um indicador de que a consumação do feminicídio pode estar próxima.

— Essa atitude mostra que ele não se importa com nada, nem com a integridade física e nem psicológica dos filhos. É um nível de desprezo extremo, que demonstra que ele pode ser capaz de tudo — completa a magistrada.
 

O feminicídio é um dos poucos crimes que tem etapas bem desenhadas, segundo especialistas na área. Katherine explicou que é clara a “escalada da violência”, que acontece em ciclos divididos em três fases: explosão, lua de mel e aumento da tensão. A redução do intervalo entre esses ciclos e o agravamento das agressões que ocorrem nos momentos de “explosão”, indicam que o risco de feminicídio está eminente.

— O formulário de avaliação de risco é super importante porque é uma ferramenta tanto para os órgãos de segurança e da justiça que vão buscar proteger essa mulher, quanto para a própria vítima que através do formulário consegue se perceber em situação de risco. A partir desse formulário, a gente consegue definir as medidas protetivas adequadas para cada caso. Dizer se o agressor não vai poder chegar perto dessa mulher ou se ela precisa ser levada para um abrigo sigiloso, por exemplo — afirma a juíza de violência doméstica.

Outros fatores de Risco

O Formulário Nacional de Avaliação de Risco, utilizado desde 2020, é dividido inicialmente em três partes: histórico de violência, perfil do agressor e perfil da vítima. Na primeira etapa, são feitas perguntas diretas sobre os tipos de violência que essa mulher já sofreu e as circunstâncias dessas agressões. Se o agressor tiver porte de arma ou fácil acesso à arma de fogo, o risco de feminicídio é 10 vezes maior, porque há um aumento da letalidade da violência. Nesses casos, segundo a juíza Katherine, uma das primeiras medidas tomadas pela Justiça é emitir um mandado de busca e apreensão dessa arma.

Alguns tipos de agressões também considerados graves são queimaduras e estrangulamento, além de ameaças feitas com armas brancas que podem ir desde facas, tesouras, até panelas de pressão. A prática de relações sexuais forçadas, contra a vontade da mulher, na hora e local que o agressor deseja, é outra circunstância que demonstra um controle excessivo e que geralmente vem acompanhada de ameças como “se não for minha, não será de mais ninguém”. O formulário traz frases como essas e pede que as mulheres digam se já ouviram essas palavras dos agressores.

A perseguição em locais públicos e no lugar onde a mulher trabalha, ligações 24 horas por dia, o isolamento forçado dessa mulher, que é proibida de visitar amigos e familiares, também são indicadores que agravam o risco de feminicídio. O mesmo vale para a proibição dessa mulher de ir trabalhar e do controle financeiro: o homem impede o acesso da vítima ao próprio dinheiro. O descumprimento de medidas protetivas e as agressões em locais públicos demonstram um total destemor do agressor e um desrespeito tanto com a polícia, quanto com a Justiça, sendo também um indicador de risco.

— Quanto mais “SIM” a mulher vai preenchendo, ela mesma vai se dando conta do risco que corre. E esse risco é real. O formulário foi feito com base na observação dos casos, das dinâmicas que se repetem. Uma coisa que muita gente não imagina, por exemplo, é que quando as mulheres têm animais de estimação, eles agridem e até matam os bichinhos para torturar as mulheres. Tudo isso demonstra do que esses agressores são capazes e deve ser levado em conta na análise de risco — explica a juíza.

Álcool, drogas e comportamento suicida

Em relação ao perfil do agressor, o uso abusivo de álcool e outras drogas é considerado um fator de risco para o feminicídio. Segundo Katherine, esse não é o motivo do crime e sim um gatilho, que faz com que o agressor faça o que queria fazer enquanto estava sóbrio mas não tinha coragem. É uma forma dele “perder o controle”. Outra pergunta presente no formulário é sobre se o agressor já tentou o suicídio ou se costuma ameaçar tirar a própria viada.

— Frases como “vou me matar”, mostram que o agressor não se importa com mais nada, não tem o que perder, não dá valor a vida. Sendo assim, o que o impediria de tirar a vida da vítima? — indaga a magistrada.

Vulnerabilidade física, emocional e social

Sobre o perfil da vítima, além da gravidez, ter algum tipo de deficiência também é um fator agravante para a escalada da violência e possível consumação do feminicídio. Isso acontece pois a mulher fica mais vulnerável física e mentalmente, impedida muitas vezes de se defender. Ter filhos ou pessoas com deficiência sob os cuidados dela acabam também sendo um fator de risco para mulheres em situações de violência, pois provocam ciúmes no agressor, que precisa dividir aquilo que ele considera como propriedade dele. Fora isso, a vulnerabilidade social aumenta substancialmente o risco de feminicídio pela dificuldade de acesso aos serviços de acolhimento.

— A gente escuta muito que a violência doméstica é democrática, que todas as mulheres independente de classe social são vítimas e realmente são. Mas não há dúvidas de que as mulheres que moram em favelas, dentro de comunidades dominadas por grupos criminosos, com dificuldades financeiras têm mais dificuldade de sair desse ciclo de violência. Elas têm menos acesso à informação e mais dificuldade de acessar a Justiça e a rede de assistência social. Muitos casos que acontecem nesses lugares nem entram para as estatísticas — afirmou a juíza.

Números crescentes

De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública, houve um aumento de quase 20% no número de feminicídios no estado do Rio comparando o primeiro trimestre de 2022 com o mesmo período de 2021. Enquanto este ano foram registrados 57 casos de janeiro a junho, no ano passado foram contabilizados 48 feminicídios. No mês de julho, pelo menos cinco casos já foram noticiados, dois deles em um intervalo de 8 horas na última terça-feira.

Em relação ao crime de tentativa de feminicídio, foram feitos 143 registros em 2022, contra 128 em 2021. Os dados, segundo especialistas, são subnotificados porque muitas vítimas não procuram a delegacia e muitos casos são registrados com outra tipificação.

Em 2022, crimes de violência contra a mulher continuam ocupando o primeiro lugar no número de chamados para o 190. Mais de 15 mil medidas protetivas foram expedidas pela Justiça para mulheres vítimas de violência entre janeiro e maio deste ano.

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