Com Lula e Xi, Putin evoca triunfo soviético sobre nazismo para reforçar posição na guerra
Celebração dos 80 anos da vitória da União Soviética na Segunda Guerra é o evento mais importante do ano para o Kremlin
Sergey, Daniil, Yusuf and Aleksander, todos de 12 anos, posavam para selfies na última terça em frente ao Memorial do Soldado Desconhecido, aos pés da muralha do Kremlin, em Moscou. Alunos de uma escola da capital russa, os meninos participavam de um ritual que ocorre todo ano nos dias que precedem o 9 de maio, data em que o país celebra o Dia da Vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. Junto com a turma dos quatro colegiais, grupos variados aguardavam a vez de depositar flores no memorial, de ciclistas do Cazaquistão a veteranos do conflito mais sangrento do Século XX.
— Venho aqui com a minha turma desde os sete anos — conta Sergey, o mais falante dos meninos. — Na escola, fazemos cerimônias, cantamos músicas patrióticas e cada um leva fotos de familiares que lutaram na guerra. É sempre assim.
A cada ano, o ritual se repete. A Rússia se mobiliza para o feriado político mais importante de seu calendário, lembrando o momento em que a Alemanha de Adolf Hitler capitulou diante do avanço das tropas soviéticas sobre Berlin. Alguns fatores tornam a data deste ano ainda mais carregada de importância. Tanto pelo aniversário redondo, de 80 anos, como pelo momento vivido pelo país, em guerra há mais de três anos com a Ucrânia.
Para o presidente do país, Vladimir Putin, é uma chance de mostrar que a Rússia não está isolada politicamente e nem entrou em colapso econômico, que eram os objetivos da bateria de sanções impostas pelo Ocidente em 2022. Putin quer mostrar que o país tem amigos no mundo. Um dos momentos mais simbólicos disso será a presença de líderes estrangeiros nesta sexta-feira, numa cerimônia de deposição de flores no mesmo monumento em que passaram o menino Sergey e seus amigos. Um desses líderes será o presidente do Brasil.
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Na lista de convidados ilustres, Luiz Inácio Lula da Silva ocupa o topo em termos de importância para os russos, ao lado do presidente chinês, Xi Jinping. O nome do presidente brasileiro entre os 29 líderes anunciados pelo Kremlin se destaca na atenção de acadêmicos, membros do governo e cidadãos da Rússia. No cenário principal da celebração, Lula, Xi e as demais autoridades estarão nesta sexta-feira ao lado de Putin no desfile militar da Praça Vermelha, em que a Rússia exibirá parte de seu arsenal, incluindo mísseis balísticos.

A decisão do presidente Lula de vir a Moscou nesta data e de participar de um evento com tamanho significado para os russos “mostra que nossos países compartilham valores e uma visão”, disse ao GLOBO o diplomata Stanislav Kovpak, conselheiro-chefe do Departamento de Cooperação Multilateral em Direitos Humanos do Ministério de Relações Exteriores da Rússia. O combate à “falsificação da história” é central na política externa russa, diz ele, que sugere um paralelo entre como o Ocidente retrata a contribuição soviética para a derrota do nazismo e o conflito na Ucrânia. Acima de tudo, Moscou vê o 9 de maio como uma forma de mostrar que está do lado certo da História.
— Para nós, esse é o dia mais importante do ano. A Federação Russa é um legado da União Soviética, nós contribuímos para liquidar os nazistas e liberar a Europa. Pagamos um preço muito alto, com grande sacrifício e 27 milhões de vidas. Esta data e o que ela representa está na essência do que somos — diz Kovpak.
De acordo ou não com a visão russa do conflito na Ucrânia e do mundo em geral, é nela que Lula está imerso em Moscou. A presença do presidente brasileiro e outros líderes estrangeiros no 9 de maio tem um enorme valor simbólico para o Kremlin e é encarada como uma oportunidade pelo governo brasileiro. Na apresentação da visita, o Itamaraty deixa claro que o encontro de Lula com Putin terá um “foco preponderantemente político”, visando a mostrar as credenciais do Brasil “como ator independente”.
Ainda segundo o Itamaraty, Lula vai reforçar o papel do “Grupo de Amigos”, plataforma lançada em coordenação entre Brasil e China no ano passado para criar condições de diálogo entre Ucrânia e Rússia. O presidente também colocará o Brasil “à disposição em eventual participação direta em iniciativas de cessar-fogo”. Além de Putin, Lula terá apenas mais uma reunião bilateral em Moscou, com o premier eslovaco Robert Fico, o único chefe de governo da União Europeia que veio para o 9 de maio.
A proposta de suspender os combates durante a celebração do 9 de maio fracassou. A Ucrânia acusou a Rússia de violar o próprio cessar-fogo unilateral poucas horas após sua entrada em vigor na quinta-feira, ao atacar “em toda a linha de frente”. Andrii Sybiha, o chanceler ucraniano, usou uma rede social para dizer que “previsivelmente o ‘cessar-fogo do desfile’ de Putin provou ser uma farsa”. Na véspera, a chegada de delegações estrangeiras a Moscou havia sofrido atrasos devido a ataques de drones ucranianos.
Para o Kremlin, o desejo é que a celebração do 9 de maio deste ano se torne uma espécie de “conferência multilateral”, permitindo o encontro de países com visões parecidas, disse ao GLOBO um diplomata russo, sob anonimato. Nesta quinta, o presidente Lula participou da primeira atividade oficial das comemorações, um concerto seguido de um banquete oferecido por Putin no Kremlin. Assim como todos os líderes convidados, o presidente brasileiro usava na lapela a fita listrada de São Jorge, símbolo da vitória soviética.
Xi Jinping, presidente da China, foi o último a ser recebido por Putin no evento do Kremlin. Antes, os dois reafirmaram a parceria entre os dois países, fortalecida nos últimos anos, com a assinatura de 28 documentos de cooperação. Segundo Putin, a relação entre os dois países “chegou a seu nível mais alto na História”. Xi retribuiu afirmando que China e Rússia constituem um fator de estabilidade no mundo e continuarão a ser “amigos de aço”.