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ORIENTE MÉDIO

Como Israel construiu uma empresa de fachada para colocar explosivos nos pagers do Hezbollah

Os pagers começaram a ser enviados ao Líbano no verão de 2022 em pequenos números

Ambulâncias no Líbano atendendo feridos nas explosõesAmbulâncias no Líbano atendendo feridos nas explosões - Foto: Anwar Amro/AFP

Grupos apoiados pelo Irã, como o grupo xiita libanês Hezbollah, são há muito vulneráveis aos ataques israelenses que utilizam tecnologias sofisticadas. Em 2020, por exemplo, Israel assassinou o principal cientista nuclear do Irã usando um robô assistido por Inteligência Artificial e controlado remotamente via satélite. Israel também usou hackers para impedir o desenvolvimento nuclear iraniano.

No Líbano, enquanto Israel atacava altos integrantes do Hezbollah por meio de assassinatos seletivos, seu líder chegou a uma conclusão: se Israel apostasse na alta tecnologia, o Hezbollah diminuiria seu uso. Estava claro, disse um angustiado líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, que Israel usava redes de telefonia celular para localizar com precisão a localização de seus agentes.

— Vocês me perguntam onde está o agente. Eu lhes digo que o telefone em suas mãos, nas mãos de sua esposa e nas mãos de seus filhos é o agente — disse Nasrallah a seus seguidores em um discurso transmitido publicamente pela televisão em fevereiro, fazendo um apelo: — Enterre-o. Coloque-o em uma caixa de ferro e tranque-o.

Análise: Explosão de pagers e walkie-talkies no Líbano desfere um dos maiores golpes na comunicação e segurança do Hezbollah

Alguns dos temores de Nasrallah foram estimulados por relatos de aliados de que Israel havia adquirido novos meios para invadir telefones, ativando microfones e câmeras remotamente para espionar seus proprietários. De acordo com três integrantes dos serviços secretos, Israel investiu milhões no desenvolvimento da tecnologia, e espalhou-se entre o grupo xiita e os seus aliados a notícia de que nenhuma comunicação por celular — mesmo aplicativos de mensagens criptografadas — era mais segura.

O líder do Hezbollah apela há anos para que o Hezbollah invista em pagers, que, apesar de todas suas capacidades limitadas, podem receber dados sem revelar a localização do usuário ou outras informações comprometedoras, de acordo com avaliações da Inteligência americana.

Os funcionários da Inteligência israelense viram uma oportunidade. Mesmo antes de Nasrallah decidir expandir o uso de pagers, Israel já havia colocado em ação um plano para estabelecer uma empresa de fachada que se passaria por uma fabricante internacional dos aparelhos.

Ao que tudo indica, a B.A.C. Consulting era uma empresa sediada na Hungria que estava sob contrato para produzir os dispositivos em nome de uma empresa taiwanesa, a Gold Apollo. Mas, na verdade, fazia parte de uma frente israelense, segundo três agentes dos serviços secretos cientes da operação. Eles disseram que pelo menos duas outras empresas de fachada também foram criadas para mascarar as verdadeiras identidades das pessoas que criaram os pagers: funcionários da Inteligência israelense.

Explosivo PETN
B.A.C. aceitou clientes comuns, para os quais produziu uma série de pagers normais. Mas o único cliente que realmente importava era o Hezbollah. Produzidos separadamente, os pagers produzidos para o grupo continham baterias contendo o explosivo PETN, segundo os três oficiais de Inteligência. Os pagers começaram a ser enviados ao Líbano no verão de 2022 em pequenos números, mas a produção aumentou rapidamente depois que Nasrallah denunciou os telefones celulares.

Nasrallah não só proibiu os celulares nas reuniões do Hezbollah, como também ordenou que os detalhes dos movimentos e planos do grupo nunca fossem comunicados por meio deles, disseram as três fontes dos serviços de informação. Os integrantes do Hezbollah, ordenou ele, tinham de carregar pagers o tempo todo e, em caso de guerra, seriam usados para dizer aos combatentes aonde ir.

Durante o verão, o fornecimento de pagers para o Líbano aumentou, com milhares chegando ao país e sendo distribuídos entre membros do Hezbollah e seus aliados, segundo dois funcionários da Inteligência americana.

Para o Hezbollah, eram uma medida defensiva, mas os agentes de Israel os chamavam de “botões” que podiam ser apertados quando o momento parecesse oportuno. Esse momento, ao que parece, aconteceu esta semana.

Para desencadear as explosões, de acordo com três responsáveis dos serviços secretos e da defesa, Israel acionou os pagers para emitir um sinal sonoro e enviou uma mensagem em árabe que parecia ter vindo da liderança superior do Hezbollah.

Segundos depois, o Líbano estava um caos. Com tantas pessoas feridas, os hospitais logo ficaram lotados. Segundo o Hezbollah, dos 12 mortos nos ataques dos pagers, oito eram membros do grupo e duas crianças. Na quarta-feira, o ataque usando walkie-talkies deixou 25 mortos, incluindo 20 integrantes do Hezbollah. Os dois dias de explosão deixaram mais de 3,5 mil feridos, incluindo civis.

Para os libaneses, o segundo dia de explosões foi a confirmação da lição do dia anterior: eles vivem agora num mundo em que os dispositivos de comunicação mais comuns podem ser transformados em instrumentos de morte.

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