Ter, 09 de Dezembro

Logo Folha de Pernambuco
FRANÇA

Condenada pela Justiça, Le Pen fala em perseguição política, mas precedentes enfraquecem argumentos

Políticos de todos os espectros e de diversos países já foram investigados e condenados por desviar fundos europeus para campanhas nacionais

Marine Le PenMarine Le Pen - Foto: Alain Jocard/AFP

A inabilitação política de Marine Le Pen na França por desvio de verbas públicas do Parlamento Europeu tem provocado, desde semana passada, uma onda de indignação entre líderes da extrema direita na Europa e além. A acusação feita pela francesa — que disse a apoiadores que sua condenação não foi uma questão jurídica, mas política — foi ecoada por líderes como Viktor Orbán, na Hungria, passando pela Rússia de Vladimir Putin e pelos Estados Unidos de Donald Trump. Todos eles parecem ter encontrado na líder do partido Reagrupamento Nacional (RN) uma espécie de mártir da “esquerda radical” europeia, como qualificou o bilionário sul-africano Elon Musk.

— Convidamos todos os franceses a se unirem a nós em uma resistência pacífica e democrática, popular e patriótica — disse Le Pen a apoiadores em um bairro nobre próximo à Torre Eiffel. — Continuaremos lutando.

Os fatos que levaram à punição de Le Pen — o pagamento de assistentes parlamentares em Bruxelas que, na realidade, trabalhavam para a máquina do RN na França — no entanto, não são uma prática fraudulenta exclusiva de um espectro político ou de um país. Há anos, políticos de diferentes matizes ideológicos e de diversos Estados-membros foram investigados — e condenados — por desviar fundos europeus para usá-los em campanhas nacionais, publicou o El País.

“A acusação de que apenas um espectro político é investigado não é verdadeira”, destacaram ao jornal espanhol fontes do Escritório Europeu de Luta Antifraude (Olaf, na sigla em inglês), que é o órgão responsável por iniciar investigações ao receber denúncias de fraude com fundos europeus e por determinar se há um caso a ser encaminhado à Justiça. Prova disso é que, na França, as críticas não vieram apenas da direita ou da extrema direita: tanto o atual premier, o centrista François Bayrou, quanto o líder da esquerda radical, Jean-Luc Mélenchon, questionaram a severidade da pena, que impediu Le Pen de concorrer à Presidência.

Ambos estão ou já estiveram também sob investigação por casos semelhantes ao de Le Pen. Bayrou pagou um alto preço político pelo mesmo escândalo: em 2017, semanas após assumir o cargo de ministro da Justiça no primeiro Gabinete de Emmanuel Macron, ele foi forçado a renunciar — assim como outras duas ministras do seu partido, Sylvie Goulard (Defesa) e Marielle de Sarnez (Assuntos Europeus) —, após o Ministério Público de Paris anunciar uma investigação contra eles por supostamente pagarem colaboradores da sigla centrista com verbas do Parlamento Europeu destinadas a assistentes de eurodeputados.

— Pelos documentos que foram divulgados durante a investigação [de Le Pen] e comparando com outros casos de julgamento por desvio de verbas na França, está muito claro que o tribunal apenas aplicou a lei — disse Cécile Alduy, professora de estudos franceses em Stanford e especialista em extrema direita francesa, à revista New Yorker. — Não é o primeiro caso no país e, nos últimos meses, prefeitos de pequenas cidades também foram considerados inelegíveis por desvio de verbas. Então, isso não é incomum. O que é único aqui é a magnitude dos valores desviados, ao longo de tantos anos, e o caráter sistemático do esquema.

Aos 56 anos, a líder da extrema direita francesa foi condenada não apenas por uso indevido de verbas destinadas ao pagamento de assessores durante seu mandato como deputada do Parlamento Europeu (2004-2017), mas também por incentivar outros a fazerem o mesmo com suas próprias verbas, elevando o total desviado para cerca de 4,4 milhões de euros (R$ 28 milhões). Os juízes mencionaram o risco de reincidência como justificativa para a proibição imediata de Le Pen, que nega as acusações. Também à apoiadores, Jordan Bardella, provável substituto de Le Pen na candidatura, foi enfático:

— Não foi apenas Marine Le Pen que foi injustamente condenada, foi a democracia francesa que foi executada — declarou o político de 29 anos.

As fraudes com os fundos europeus, além de escândalos de lobby, como o Qatargate ou a recente investigação aberta contra a Huawei, são mais disseminadas do que a União Europeia (UE) gostaria de admitir — e o Parlamento Europeu até agora mostrou-se incapaz de conter essas práticas. Para partidos pequenos com dificuldades financeiras (ou, no caso do RN, com problemas até mesmo para encontrar um banco que lhes conceda crédito), os fundos europeus — com milhares de euros disponíveis aos eurodeputados para cobrir diárias, aluguéis de escritórios e contratação de assessores, entre outros — podem ser uma tentação para equilibrar as finanças internas ou impulsionar campanhas nacionais.

— Até então, Le Pen era uma candidata que poderia vencer [as eleições], mesmo com o escândalo, porque sua base não se incomoda muito com esse tipo de corrupção, especialmente quando envolve tirar dinheiro do Parlamento Europeu. A base dela é bastante anti-União Europeia, então existe uma distinção entre a percepção dos escândalos e sua condenação legal, como é o caso agora — avaliou Alduy.

Como esse tipo de investigação pode levar anos — Le Pen esteve sob investigação por mais de uma década, e o inquérito contra Mélenchon, iniciado em 2017, ainda está em andamento —, é difícil calcular o número exato de casos sob escrutínio judicial. Mas há registros de investigações semelhantes, além da França, na Itália, Polônia e Reino Unido (antes do Brexit). Segundo o El País, uma das condenações mais severas até agora, além da recebida por Le Pen — sentenciada a cinco anos de inabilitação política e quatro de prisão, sendo dois em regime fechado — é a do ex-eurodeputado britânico Ashley Mote, considerado culpado por fraudar quase 500 mil libras (R$ 3 milhões) do Parlamento Europeu.

— A própria Marine Le Pen ficou conhecida em 2002 por criticar o establishment político por corrupção — destacou a especialista em extrema direita. — Há arquivos incríveis de várias entrevistas que ela deu na época em que condenava agressivamente seus adversários por serem corruptos e exigia que qualquer político considerado culpado de desvio de verbas públicas fosse banido da vida pública para sempre. Foi ela quem pediu isso, então, é irônico que o partido que exigia esse nível de punição por corrupção agora reclame quando a justiça chega até ele.

Veja também

Newsletter