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ESTADOS UNIDOS

Cortes de Trump reduzem equipe responsável por enorme coleção de arte federal dos EUA

Poucos funcionários ficarão responsáveis por 26 mil obras confiadas à Administração de Serviços Gerais e abrigadas em centenas de edifícios ao redor dos Estados Unidos

 O presidente dos EUA, Donald Trump O presidente dos EUA, Donald Trump - Foto: Roberto Schmidt / AFP

Por décadas, o governo dos Estados Unidos tem, silenciosamente, gerido o equivalente ao acervo de enormes museus, acumulando cerca de 26 mil obras — desde murais do New Deal até a escultura Flamingo de Alexander Calder —, que foram colocadas em centenas de edifícios federais e emprestadas a centenas de museus, sociedades históricas e bibliotecas em todo o país.

Mas, em março, a administração Trump cortou parte da equipe da Administração de Serviços Gerais (GSA), que rastreia, mantém e protege essa vasta e valiosa coleção. Com base em entrevistas com ex-funcionários, de aproximadamente 30 pessoas, restaram menos de dez.

Agora, os especialistas em arte estão preocupados que os cortes coloquem em risco esse enorme portfólio, incluindo peças de alguns dos artistas mais notáveis dos Estados Unidos, como Louise Nevelson, Nick Cave e Ellsworth Kelly.

"Qualquer redução de pessoal poderia prejudicar gravemente o cuidado, a preservação e a acessibilidade dessas obras de arte" disse Julie Trébault, diretora executiva da Artists at Risk Connection, uma organização que busca proteger artistas, trabalhadores culturais e liberdade artística.

Preocupação dupla
A coleção da GSA tem aproximadamente o mesmo tamanho que a do Whitney Museum of American Art, localizado em Nova York. Mas, para rastrear, catalogar e manter as obras em segurança, a equipe mantém parte delas no edifício principal e quantidades menores em outros espaços de armazenamento.

A coleção do governo, por exemplo, foi colocada em escritórios federais e instituições privadas em todos os 50 estados do país, além de Porto Rico e as Ilhas Virgens.

"Nós supervisionamos esta coleção com cerca de 30 pessoas. Uma equipe mínima em comparação com outras instituições" escreveu Nick Hartigan, um ex-especialista em belas artes da GSA, nas redes sociais. Como a maioria dos funcionários, ele foi demitido em março, mas permanece em licença administrativa paga enquanto um tribunal revisa a sua e outras demissões.

Uma segunda questão é que muitas das obras de arte estão em algumas das dezenas de propriedades federais que foram identificadas pela administração de Trump para possível venda.

O edifício federal Wilbur J. Cohen, no centro de Washington, D.C., por exemplo, é um desses a ser disponibilizado. O local é adornado com grandes obras de arte de difícil, senão impossível, remoção. Um mural do tamanho de uma parede, criado por Philip Guston, está pendurado em seu auditório.

O lobby é ornamentado com afrescos — técnica de pintura feita em paredes e tetos. Ainda há relevos de granito feitos por uma das poucas mulheres a serem encomendadas durante o New Deal, Emma Lou Davis, no topo das entradas.

Para garantir a preservação das obras, quando os edifícios são transferidos para outros fins, a equipe de artes plásticas da GSA normalmente negocia contratos de venda que exigem a preservação de qualquer arte deixada para trás. Agora, em decorrência da equipe reduzida, não sabe-se quem ficaria responsável por esse trabalho.

"Estou particularmente preocupado com a manutenção dessas obras de arte e em descobrir onde as coisas estão" disse Charlotte Cohen, ex-oficial de artes plásticas na região de Nova York e do Caribe da GSA. "É o legado do povo dos Estados Unidos" ponderou.

Situação ainda pode piorar
A gestão de estoque da coleção pode ficar ainda mais complicada sob um plano proposto pelo empresário Paolo Zampolli, membro do conselho do Kennedy Center e a quem o presidente Donald Trump nomeou "enviado especial para parcerias globais", em uma postagem do Truth Social — rede social criada pelo presidente dos Estados Unidos — no mês de março . Zampolli propõe o empréstimo de arte de propriedade federal a museus de outros países como forma de comemorar o 250º aniversário dos Estados Unidos.

"Queremos ver nossos valores americanos em outros países" alegou Zampolli em uma entrevista. "Não apenas enviando Boeings, mas nossa música, nossa arte e nossos esportes" afirmou.

Ele descartou preocupações sobre riscos para a coleção, atribuindo-os aos funcionários amargurados."Acho que isso são notícias falsas"disse. "Algum burocrata descontente ou funcionário do governo ou o que quer que você queira chamar, porque eles nunca organizam nada parecido" argumentou sobre as queixas.

Número de demissões
Os parâmetros exatos das demissões dos integrantes da equipe são imprecisos, porque a Agência se recusou a especificar o número, chamando a questão de "uma questão de pessoal". Um porta-voz da GSA também não explicou como a coleção seria gerenciada com uma equipe tão limitada. "A Agência continua comprometida com a utilização efetiva dos recursos, enquanto continuamos mantendo nossa coleção de arte e garantindo que esses artefatos históricos permaneçam documentados, protegidos e disponíveis para exibição em nossas instalações governamentais" afirmou.

As obras de arte sob custódia da GSA datam desde a década de 1850. Alguns foram encomendados para apoiar os artistas durante a Depressão, uma prática que continuou em novos edifícios federais, construídos há poucos anos.

A coleção inclui cerca de 23.000 obras que estão em empréstimos renováveis de cinco anos para instituições culturais — variando do Metropolitan Museum of Art ao Illinois State Museum. Outras 1.500 estão em edifícios federais, com mais 1.500 armazenadas.

A GSA tem gerido grande parte das obras de arte dos Estados Unidos desde sua criação, em 1949. Outras agências gerem suas próprias coleções, incluindo o Arquiteto do Capitólio.

A coleção da GSA cresceu, em parte, devido ao Art in Architecture Program, criado em 1972, com o objetivo de comissionar artistas americanos, fazendo-os parte de projetos federais. A primeira peça foi revelada em 1974: Flamingo do Calder, no Federal Center em Chicago. Desde então, a GSA encomendou mais de 500 obras de arte para edifícios federais em todo o país.

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