Dengue e chikungunya: cientistas de 54 países pedem que os vírus sejam monitorados como a Covid
Pesquisadores apontam 'necessidade global e urgente' de sequenciamento genético dos patógenos
Leia também
• Dengue e HIV: a partir de hoje, você pode realizar 40 exames em farmácias, saiba quais
• Dengue: Brasil é o país mais afetado nas Américas, diz Organização Mundial da Saúde
• Anvisa orienta clínicas a monitorarem reações de nova vacina contra dengue
Em meio ao aumento dos casos de arboviroses nos países endêmicos e aos registros inéditos de surtos em novos lugares do planeta, 74 cientistas defenderam, nesta terça-feira (1), a “necessidade global e urgente” de ampliar o monitoramento genômico dos vírus da dengue, da zika e da chikungunya por meio de uma plataforma utilizada com sucesso para a Covid-19, a GISAID.
Os pesquisadores de 54 países defendem que o compartilhamento dos dados de sequenciamento genético – como os referentes às linhagens e às mutações dos arbovírus em circulação – é essencial para aprimorar as medidas de combate às doenças, especialmente neste momento em que elas avançam pelo mundo devido às mudanças climáticas.
O documento, publicado na revista científica The Lancet Global Health, cita o cenário atual em que 100 a 400 milhões de pessoas são infectadas pela dengue a cada ano, e 20 mil morrem pela doença. Além disso, com a expansão geográfica dos mosquitos que transmitem o vírus, estimativas apontam que 100 milhões de habitantes do planeta passarão a estar vulneráveis à contaminação nos próximos 50 anos.
O brasileiro Gabriel Wallau, pesquisador no Departamento de Entomologia e Núcleo de Bioinformática (NBI) do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco) e principal autor da carta, explica que os vetores das arboviroses, os mosquitos Aedes aegypti e Aedes Albopictus, têm encontrado cenários cada vez mais favoráveis para a disseminação devido ao aquecimento do planeta.
— Temos um aquecimento global que faz com que áreas naturalmente mais frias, e que por isso tinham uma barreira para o espalhamento do mosquito, vejam essas barreiras serem erodidas. É algo que estamos vendo na Europa e também no Sul do Brasil, em que hoje temos surtos de chikungunya e casos contínuos ano a ano de dengue. Essa disponibilidade de um ambiente favorável junto com uma população que nunca teve contato com os vírus e, por isso, não têm nenhuma barreira imunológica, cria o cenário perfeito para o avanço das doenças — explica.
Em relação à dengue, por exemplo, informações do Ministério da Saúde mostram que o Sul foi a segunda região do Brasil com maior incidência da doença em 2022, e é a líder em 2023 com base nos dados até junho. Além disso, os três estados da região estão entre os cinco com maior número de óbitos no ano passado, quando o país bateu o recorde de 1.016 mortes.
Neste contexto de alta, os pesquisadores citam que o compartilhamento dos dados genômicos sobre os vírus é importante para o alerta precoce de surtos; para a compreensão sobre o “potencial epidêmico” de diferentes cepas; para identificar se os testes de diagnóstico continuam a funcionar; para a rápida detecção de linhagens mais virulentas e resistentes a tratamentos e vacinas, entre uma série de outros fatores.
Trata-se de um monitoramento semelhante ao realizado com o vírus da Covid-19, que em âmbito global permitiu que cientistas observassem rapidamente as variantes que ganhavam espaço, que demonstravam um potencial maior de causar um quadro de reinfecção e que poderiam resistir à proteção de apenas duas doses da vacina, como foi o caso com a Delta e a Ômicron.
Estrutura já está pronta, mas falta adesão
Wallau explica que o sequenciamento genômico dos arbovírus hoje já é realizado por diversos grupos pelo mundo, porém de uma maneira desorganizada, o que dificulta o uso dos dados para análises e medidas efetivas de saúde pública.
— A maioria está disperso em diferentes bancos de dados, e eles são muito heterogêneos. Então para alguns genomas não temos informações disponíveis, para outros temos somente parte da informação. Isso torna quase impossível fazermos análises rápidas das evoluções desses vírus e tomar medidas para contenção deles, como fizemos com o Sars-CoV-2 — diz o especialista.
Por isso, defendem unificá-lo por meio em uma das plataformas mais utilizadas durante a crise sanitária da Covid-19, a iniciativa global de ciência de dados GISAID. O espaço foi criado ainda em 2008 para que cientistas de todo o planeta compartilhassem sequenciamento genômico de amostras do vírus Influenza (causador da gripe).
Com a chegada do novo coronavírus, passou a ser adotado para os sequenciamentos do Sars-CoV-2, com milhões de dados compartilhados desde o início da pandemia até hoje na área chamada EpiCov. Agora, os cientistas criaram o EpiArbo, destinado à inclusão das arboviroses.
Além de disponibilizar de forma rápida as informações, o diferencial do GISAID é que ele garante o direito dos pesquisadores sobre os dados que eles submetem, mesmo que ainda não tenham sido publicados em uma revista científica. Wallau explica que, junto a não haver um ambiente centralizado, esse era outro gargalo para o acesso aos sequenciamentos.
— Hoje vários grupos trabalham com arbovírus, mas normalmente se espera um processo de revisão por pares para disponibilizar os dados numa publicação. E isso demora de semanas a meses. Esse processo é necessário para a publicação final, mas o compartilhamento oportuno dos dados antes é extremamente importante para fazermos análises a níveis globais — diz o líder do grupo de pesquisa em Genômica de Patógenos e Vetores do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco).