Logo Folha de Pernambuco
MUNDO

Entenda a disputa que levou à prisão do ex-presidente das Filipinas por crimes contra a Humanidade

Fim da aliança entre Rodrigo Duterte e o atual mandatário do país é visto como decisivo para a detenção do antigo líder populista

O ex-presidente das Filipinas Rodrigo Duterte O ex-presidente das Filipinas Rodrigo Duterte  - Foto: Reprodução / redes sociais

Pouco antes de completar 80 anos, o ex-presidente das Filipinas Rodrigo Duterte, famoso por ter conduzido uma política repressiva de guerra às drogas no país, foi preso e deportado na terça-feira para enfrentar o Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia. A medida ocorreu pouco mais de um mês após o impeachment de sua filha, a vice-presidente Sara Duterte, por aliados do atual mandatário, Ferdinand Marcos Jr. Agora, advogados do antigo mandatário exigem sua repatriação.

O ex-presidente foi recebido pela polícia das Filipinas ao chegar a Manila em um voo vindo de Hong Kong, onde estava angariando apoio para seus candidatos nas eleições legislativas de meio de mandato. Com aparência frágil e apoiando-se em uma bengala, Duterte foi levado para uma base da Força Aérea dentro do perímetro do aeroporto. Um jato fretado foi rapidamente preparado para levá-lo ao TPI.

 

Durante seu governo (2016-2022), Duterte formou uma aliança com a família de Marcos, filhos do ditador deposto Ferdinand Marcos, que há tempos trabalhavam para um retorno político. Duterte não podia concorrer novamente nas eleições de 2022, mas sua filha Sara, prefeita da cidade de Davao, no sul do país, era popular e uma forte candidata para sucedê-lo, publicou a rede britânica BBC.

No entanto, Ferdinand Marcos Jr., filho do ex-ditador, também estava bem posicionado para vencer e contava com forte financiamento. As duas famílias, então, fizeram um acordo: trabalhariam juntas para eleger Marcos como presidente e Sara como sua vice, com a expectativa de que, na eleição seguinte, em 2028, chegaria a vez dela. O plano funcionou, e ambos venceram com ampla margem.

Duterte, por sua vez, acreditava que a aliança o protegeria de qualquer represália por seu polêmico governo. A ameaça mais grave contra ele era uma investigação do TPI sobre sua responsabilidade por milhares de execuções extrajudiciais cometidas durante as campanhas antidrogas que ordenou – tanto após se tornar presidente, em 2016, quanto em seu mandato como prefeito de Davao, entre 2011 e 2016.

O antigo mandatário retirou as Filipinas da jurisdição do TPI em 2019, mas os promotores do tribunal argumentaram que ainda tinham mandato para investigar crimes contra a Humanidade cometidos antes disso – e abriram uma investigação formal em 2021. Inicialmente, porém, o presidente Marcos declarou que seu governo não cooperaria com o TPI, uma posição que só foi mudar tempos mais tarde, com o rompimento da aliança.

As tensões entre eles eram evidentes desde os primeiros dias do novo governo, quando o pedido de Sara Duterte para assumir o Ministério da Defesa foi rejeitado e ela recebeu, em vez disso, o Ministério da Educação. Marcos também se distanciou das políticas de seu antecessor, reconstruindo laços com os Estados Unidos, enfrentando a China nas disputas marítimas e pondo fim às ameaças contra traficantes de drogas.

As relações atingiram seu pior momento no ano passado, quando Sara anunciou que havia contratado um assassino para matar o presidente Marcos caso algo acontecesse contra ela. No final de 2024, a Câmara dos Deputados, controlada por aliados do presidente, apresentou um pedido de impeachment contra ela. O julgamento que determinará se ela será removida do cargo está previsto para começar em julho.

Se for destituída, segundo a Constituição filipina, ela será impedida de ocupar altos cargos políticos, enterrando suas ambições presidenciais de longa data e enfraquecendo ainda mais o poder político dos Dutertes, que, apesar de tudo, ainda são populares em grande parte do país e podem mobilizar protestos contra o processo judicial – tanto contra ela quanto contra o ex-presidente.

“Hoje, nosso próprio governo entregou um cidadão filipino — um ex-presidente, inclusive — a potências estrangeiras”, disse ela em comunicado. “Isso é uma afronta descarada à nossa soberania e um insulto a todos os filipinos que acreditam na independência de nossa nação”.

Centenas de apoiadores de Duterte realizaram um comício e uma vigília de oração na noite de terça-feira ao lado do aeroporto onde o ex-líder foi preso. Em sua região de influência, Mindanau, milhares também se reuniram para protestar contra a prisão. Em Manila, ativistas de direitos humanos e familiares das vítimas da guerra às drogas se reuniram para celebrar a decisão.

Duterte havia recorrido à Suprema Corte das Filipinas para impedir a execução da ordem do TPI, argumentando que “pedidos de prisão emitidos por entidades estrangeiras não têm efeito legal automático” no país. Marcos justificou a decisão afirmando que precisava cumprir os compromissos das Filipinas com a Interpol, organização internacional de cooperação policial.

Nesta quarta-feira, a defesa de Duterte apresentou um pedido na Justiça para exigir sua repatriação a Manila. No recurso, os advogados acusam o governo de “sequestrar” o ex-presidente, acrescentando que o TPI só pode exercer sua jurisdição “se o sistema legal de um país não funciona”, o que não é o caso do Judiciário das Filipinas, segundo a defesa. A porta-voz da Presidência, porém, ressaltou a cooperação com a Interpol.

“Não se trata apenas de entregar um cidadão filipino. Trata-se de entregar um cidadão filipino que é acusado de crimes contra a Humanidade, especificamente de assassinato”, anunciou Claire Castro, a porta-voz.

Conhecido pelo seu estilo de governança agressivo, Duterte conduziu uma violenta guerra às drogas que resultou na morte de mais de 6 mil pessoas, em sua maioria homens pobres, muitas vezes sem evidências de que teriam envolvimento com o narcotráfico. Ainda assim, ele conseguiu acumular um amplo apoio popular. À jornalistas, Marcos insistiu que estava apenas cumprindo os compromissos internacionais do país.

O presidente, porém, evitou mencionar diretamente que estava executando um mandato do TPI, já que muitos filipinos questionam qual é o papel do tribunal em um país que já retirou de sua jurisdição. O tribunal também tem sido alvo de críticas nos últimos tempos, com o governo do americano Donald Trump ameaçando prender seus principais funcionários caso viajem aos Estados Unidos.

A China também advertiu contra a politização dos casos do tribunal, embora ela não seja signatária do TPI. Foi, conforme publicado pela BBC, uma referência velada ao fato de que este caso, que deveria tratar da responsabilização por crimes internacionais graves, acabou desempenhando um papel decisivo em uma disputa doméstica entre duas forças políticas rivais nas Filipinas.

— A mudança de poder e o fim da aliança Marcos-Duterte o tornaram vulnerável — disse Phil Robertson, diretor da Asia Human Rights and Labour Advocates, sobre o ex-presidente. — E ele aparentemente foi o último a perceber isso.

Veja também

Newsletter