Chuvas em Pernambuco: entenda fenômenos meteorológicos que causaram temporais desta semana
Efeitos causados pelos transtornos dos temporais deixaram sete mortos no Estado. Cidades ultrapassaram a marca dos 200 milímetros de chuvas
A combinação entre dois fenômenos meteorológicos, o Vórtice Ciclônico de Altos Níveis (VCAN) e a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), causou as fortes chuvas desta semana no Recife, na Região Metropolitana e em outros municípios de Pernambuco.
Cidades chegaram a ultrapassar a marca dos 200 milímetros em apenas 24 horas, índices até maiores do que o dobro do esperado para todo o mês de fevereiro de acordo com a média climatológica. No Recife, por exemplo, este é o fevereiro mais chuvoso já registrado.
A ocorrência de grandes volumes de chuvas durante o verão chamou a atenção da população, pois a quadra chuvosa na Região Metropolitana do Recife (RMR) — o período mais chuvoso do ano — começa apenas em abril.
Segundo o meteorologista da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) Fabiano Prestrêlo, em entrevista à Folha de Pernambuco, a interação entre os dois fenômenos não é comum, mas já aconteceu anteriormente e pode se repetir no futuro.
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O VCAN é uma área de baixa pressão nas camadas superiores da atmosfera, caracterizada por ventos que giram de forma ciclônica no sentido horário no Hemisfério Sul.
Esse fenômeno influencia os padrões de circulação do ar e favorece a formação de instabilidades e tempestades.
"O vórtice ciclônico fica na parte mais alta da troposfera e consegue ser observado nas imagens de satélite como um padrão de ventos que gira no sentido horário, onde a gente tem o centro do vórtice com o ar mais frio e com o movimento descendente, ou seja, de cima para baixo. Nas bordas, a gente tem ar mais quente com o sentido ascendente, ou seja, de baixo para cima. É essa região das bordas do vórtice que provoca a formação de nuvens e de chuva, consequentemente", explica o meteorologista da Apac.
Já a ZCIT é uma faixa próxima à Linha do Equador onde os ventos alísios dos hemisférios Norte e Sul se encontram, o que força o ar quente a subir e gerar uma convecção, processo que resulta na formação de nuvens densas e precipitações frequentes.
"A borda do vórtice interagiu com a zona de convergência intertropical e fez com que chovesse em um dia mais do que esperado para o mês de fevereiro todo", completa Prestrêlo, destacando, ainda, que os vórtices são comuns no Estado, especialmente durante a primavera e o verão. "Registramos mais ou menos entre quatro e cinco vórtices em cada temporada".
Ainda sobre a associação do VCAN e da ZCIT na ocorrência das fortes chuvas, Fabiano Prestrêlo diz que é muito difícil que um fenômeno meteorológico atue sozinho sobre uma região. "Geralmente ele vai interagir com um ou outro sistema meteorológico, ou de uma escala menor ou de uma escala maior".
Além da atuação dos fenômenos meteorológicos, a maré cheia contribuiu para os transtornos, já que costumeiramente provocam alagamentos. "Esses três fatores juntos contribuíram para os alagamentos e a maioria dos transtornos que ocorreram", completa o meteorologista.
Segundo a Secretaria Executiva de Defesa Civil de Pernambuco, em balanço divulgado na noite de quinta-feira (6), sete pessoas morreram, sendo cinco no Recife, uma em Camaragibe e outra em Paulista. A pasta também contabiliza dezenas de desabrigados e desalojados.
O gráfico a seguir mostra, em milímetros, o acumulado de chuvas em sete cidades da Região Metropolitana do Recife nas 72 horas contabilizadas até 8h desta sexta-feira.
O pico ocorreu em Abreu e Lima, onde o índice se aproximou dos 300 milímetros no período — a média climatológica em fevereiro no município, segundo a Apac, é de 86,5 milímetros. Confira os números:
Trégua e previsão
Depois de sucessivos alertas máximos de chuva, o Recife e outras cidades passam por uma trégua nos temporais.
Nas 24 horas contabilizadas até 9h30 desta sexta-feira (7), por exemplo, o máximo de chuva no Estado foi de quase 29 milímetros no bairro da Imbiribeira, Zona Sul do Recife, de acordo com o painel de monitoramento de chuvas em tempo real da Apac.
Segundo Fabiano Prestrêlo, tanto o VCAN quanto a ZCIT se afastaram do Estado.
"A Zona de Convergência Intertropical se afastou no sentido norte, indo mais para o norte do País. Já o ciclônico se deslocou no sentido sul e está atualmente sobre o estado da Bahia. Nenhum dos dois está atuando mais aqui sobre Pernambuco, por isso que a gente percebeu uma diminuição da chuva", detalha.
A previsão para esta sexta-feira é de chuva fraca na parte leste do Estado, pela manhã, e à tarde e à noite no Agreste e no Sertão. No sábado (8) e domingo (9), a intensidade da chuva pode variar entre fraca e moderada no leste e fraca no Agreste e no Sertão.
"Nada que que atrapalhe o final de semana. Se chover em algum momento do dia, basta se abrigar ou usar uma sombrinha que está tudo bem", diz o meteorologista.
A princípio, os três próximos meses devem ter chuvas dentro da média ou levemente abaixo no Estado. No entanto, como o fenômeno La Niña está atuando, apesar de fraco, tende a intensificar as chuvas na região Nordeste.
"A tendência é que os próximos meses sejam dentro da média do que é esperado para o período. Esporadicamente, pode ter eventos de chuvas mais intensas, como esses que ocorreram", completa Fabiano Prestrêlo.
As temperaturas predominantes em partes do Oceano Pacífico equatorial sugerem "uma desaceleração ou estagnação da transição para La Niña", segundo o observatório europeu Copernicus. Os efeitos poderiam desaparecer completamente até março.
Mudanças climáticas
Especialistas afirmam que as mudanças climáticas observadas no planeta podem contribuir para a ocorrência de eventos extremos, como tempestades, ondas de calor e grandes incêndios florestais.
Na quinta-feira, o observatório europeu Copernicus anunciou que o mundo teve o janeiro mais quente já registrado este ano, com um aumento de até 1,75ºC na temperatura média global em comparação com o período pré-industrial, época que serve de base para os cálculos das mudanças de temperatura.
Fabiano Prestrêlo cita que ainda é cedo para cravar que os temporais desta semana são efeitos dessas mudanças climáticas, mas que, sim, são indícios.
"Para caracterizar o clima de uma região, é necessário uma análise de dados dos últimos 30 anos. O que aconteceu no Recife para gente é um indício de mudança climática, mas a gente não pode afirmar categoricamente que é mudança climática, porque esse padrão teria que se repetir mais vezes. Ou seja, diante de um estudo dos últimos 30 anos, fenômenos como esse deveriam se tornar mais frequentes para a gente poder afirmar com mais certeza que isso é uma mudança climática. Mas, por enquanto, se trata só de um indício", reforça o meteorologista.