Logo Folha de Pernambuco
ESTADOS UNIDOS

Funcionários do governo Trump dizem que 'erro' deu início a confronto com Harvard

Uma carta de exigências teria sido enviada sem autorização

Presidente dos Estados Unidos, Donald TrumpPresidente dos Estados Unidos, Donald Trump - Foto: Mandel Ngan / AFP

A Universidade de Harvard recebeu, na última sexta-feira, uma carta por e-mail do governo de Donald Trump contendo uma série de exigências sobre contratações, admissões e currículo tão custosas que os dirigentes da universidade decidiram que não tinham escolha a não ser enfrentar a Casa Branca.

A universidade anunciou sua posição na segunda-feira, desencadeando uma batalha entre uma das instituições de ensino superior mais prestigiadas dos Estados Unidos e o presidente do país. Logo em seguida, um funcionário do governo Trump fez uma ligação urgente para Harvard.

Segundo duas pessoas familiarizadas com o caso, esse funcionário informou à universidade que a carta, datada de 11 de abril e enviada pela força-tarefa da Casa Branca sobre antissemitismo, não deveria ter sido enviada e era “não autorizada”.

De acordo com outras três pessoas envolvidas no episódio, a carta foi enviada por Sean Keveney, conselheiro jurídico interino do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, que também integra a força-tarefa sobre antissemitismo.

Não está claro o que motivou o envio da carta na sexta-feira passada. As três fontes afirmam que o conteúdo da carta era autêntico, mas houve versões divergentes dentro do governo sobre como o envio foi mal conduzido. Algumas pessoas na Casa Branca acreditam que ela foi enviada prematuramente, enquanto outras acham que ela era destinada apenas à circulação interna entre os membros da força-tarefa, e não a Harvard.

Mas o momento do envio teve grandes consequências. A carta chegou quando os dirigentes de Harvard ainda acreditavam ser possível evitar um confronto com o presidente Trump. Nas duas semanas anteriores, Harvard e a força-tarefa estavam em diálogo. No entanto, as exigências contidas na carta foram tão extremas que a universidade concluiu que um acordo seria impossível.

Após a rejeição pública das exigências por parte de Harvard, a administração Trump aumentou a pressão: congelou bilhões em financiamento federal para a universidade e advertiu que seu status de isenção fiscal estava ameaçado. Um alto funcionário da Casa Branca afirmou que o governo mantinha sua posição sobre a carta, classificando a resposta pública de Harvard como exagerada e responsabilizando a universidade por não dar continuidade às negociações.

“Foi negligência dos advogados de Harvard não pegarem o telefone e ligarem para os membros da força-tarefa com quem já estavam conversando havia semanas”, disse May Mailman, estrategista sênior de políticas da Casa Branca. “Em vez disso, Harvard iniciou uma campanha de vitimização.”

Ainda assim, Mailman afirmou que existe uma possibilidade de retomar as conversas se a universidade, entre outras medidas, atender às exigências de Trump e pedir desculpas aos seus alunos por ter fomentado um ambiente universitário com episódios de antissemitismo.

Sean Keveney não foi encontrado para comentar. Em nota, um porta-voz da força-tarefa sobre antissemitismo declarou: “A força-tarefa, assim como toda a administração Trump, está unida em garantir que as entidades que recebem dinheiro dos contribuintes cumpram todas as leis de direitos civis”. Harvard rebateu a alegação da Casa Branca de que deveria ter confirmado a autenticidade da carta com os advogados do governo.

“A carta estava assinada por três autoridades federais, em papel timbrado oficial, enviada a partir do e-mail de um alto funcionário federal e foi remetida em 11 de abril, conforme prometido”, declarou Harvard em nota na sexta-feira. “Destinatários de tal correspondência do governo dos EUA — mesmo quando ela contém exigências amplas e surpreendentes — não questionam sua autenticidade ou seriedade.”

A nota acrescentou: “Ainda não está claro para nós exatamente quais palavras e ações recentes do governo foram erros ou o que o governo realmente pretendia fazer e dizer. Mas mesmo que a carta tenha sido um erro, as ações do governo nesta semana têm consequências reais” para os estudantes, funcionários e “a reputação do ensino superior americano no mundo”.

A carta chocou Harvard não apenas pela natureza das exigências, mas pelo fato de ter sido enviada em um momento em que a liderança da universidade — e os advogados contratados para lidar com o governo — ainda acreditavam que poderiam evitar um confronto direto com Trump.

Durante duas semanas, os advogados de Harvard, William Burck e Robert Hur, ouviram representantes do governo Trump expressarem, de maneira geral, suas preocupações sobre como a universidade estava lidando com questões de antissemitismo, entre outras.

Do lado do governo, participavam das conversas três advogados: Josh Gruenbaum, alto funcionário da Administração de Serviços Gerais; Thomas Wheeler, conselheiro jurídico interino do Departamento de Educação; e Sean Keveney. O diálogo não continha detalhes específicos sobre o que o governo queria que Harvard fizesse. Os advogados da administração disseram que enviariam uma carta na sexta-feira com mais detalhes.

No fim do expediente de sexta, a carta ainda não havia chegado. Durante a noite, os advogados de Harvard receberam uma carta por e-mail enviada por Keveney — muito diferente da que a universidade esperava.

Logo em seguida, Gruenbaum ligou para um dos advogados de Harvard, segundo duas pessoas com conhecimento do caso. Inicialmente, ele afirmou que ele e Wheeler não haviam autorizado o envio da carta. Depois, ajustou sua versão, dizendo que a carta deveria ser enviada em algum momento, mas não naquela sexta-feira, quando as conversas ainda eram construtivas.

Um advogado da Universidade Columbia recebeu uma ligação semelhante de Gruenbaum no mesmo período, disseram duas pessoas com conhecimento do caso. Ele, Wheeler e Keveney também estavam em diálogo com Columbia sobre mudanças exigidas pela força-tarefa, e Gruenbaum queria que o advogado soubesse que a carta enviada a Harvard era “não autorizada”. Gruenbaum não respondeu aos pedidos de comentário.

Na segunda-feira, os dirigentes da Universidade de Harvard foram informados da alegação de Gruenbaum de que a carta não deveria ter sido enviada. Segundo três fontes, a maioria ficou convencida de que o envio da carta foi um erro. Autoridades da universidade, incluindo ex-integrantes do governo, ficaram surpresas que uma carta tão importante — com os logotipos de três agências federais e assinaturas de três altos funcionários — pudesse ter sido enviada por engano.

Mas, a essa altura, já não havia como se desfeito. Harvard já havia declarado que rejeitaria as exigências. E, apesar de afirmar que a carta não deveria ter sido enviada, o governo Trump não a retirou. Em resposta à decisão de Harvard, a Casa Branca anunciou que Trump estava congelando US$ 2,2 bilhões em subsídios para a universidade. Em menos de um dia, ele ameaçava revogar o status de isenção fiscal de Harvard.

Veja também

Newsletter