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Opinião

Garantia de mil anos

Na compra e venda de aparelhos eletrônicos criou-se um negócio paralelo: a garantia estendida. Aparentemente é um valor pequeno, já que pode ser parcelado por dois carnavais. Só aparentemente, porque se multiplicado pelo número de parcelas, o valor corresponderá a “x” do valor do bem. O que não contam na hora da aquisição é que o serviço é para cobrir a pouca remuneração que a venda do produto proporciona ao comerciante, que, além do fabricante, terá que cobrir despesas com folha, encargos, tributos, tributos e tributos. Sobra algum para o “lucro”? Há controvérsias...

O fato ligou a uma notícia que li há cerca de 6, 7 anos que me causou espanto: o preço (R$ 800 mil) e a durabilidade (mil anos) de um par de sapatos britânicos. Os sapatos demandam dois anos de fabricação e, além do couro, vêm com ouro e diamantes; as solas e os saltos podem ser substituídos. Não sei se no preço está incluído o certificado de garantia.

Também lamento não informar se houve compradores; provavelmente sim. Só fiquei com uma dúvida: por que dar uma nota preta num pisante que vai conviver com o dono menos de 10% de sua existência?

Isso lembrou outro fato, também verdadeiro, que aconteceu comigo. Comprei uma mochila com uma garantia no mínimo impactante: garantia perpétua das alças. O valor pago pelo produto, equivalente a duas ou três mochilas “normais”, foi justo se levarmos em conta a garantia superestendida. O que esqueceram de dizer (o comprador não foi suficientemente cuidadoso) é que a garantia era somente para as alças, que estão firmes, fortes e vivas - como se estivessem novas. Quanto ao restante da mochila...

Essa história de bolsa e sapato, trouxe à cabeça uma música de Raul Seixas com o título de “Sapato 36”. O compositor tinha mente muito criativa e pode passar a impressão que se trata uma historiazinha de uma pessoa que calça 37 e o pai compra para ele calçados de número 36. O meu entendimento é que o autor referiu-se ao sapato, mas pouco tem a ver com o produto que colocamos nos pés. Leitor mais atento pode fazer as adaptações que achar mais oportunas ou convenientes e verá que dá, sim, para substituir sapato por meia, por companheiro(a), por terra, por coração etc.

Do sapato e da terra, antes da chegada de outubro, apresso-me em passar para assunto da maior importância: o ranking dos municípios mais pobres, onde moram descamisados e pés descalços. Para fazer registro mais preciso, a substância água está presente nos dez lanternas: quatro no Norte (excesso) e seis no Nordeste (falta). “Eu calço é 37, meu pai me dá 36. Dói, mas no dia seguinte, aperto meu pé outra vez” (1).

(1) “Sapato 36”, Raul Seixas, 1977.

 

*Executivo do segmento shopping centers
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