Jeff Machado: inquérito da morte brutal do ator será finalizado; relembre o caso
O desaparecimento, o homicídio, as pistas, a cena do crime e os personagens da investigação da morte que chocou o país
O inquérito que investiga a morte do ator Jeff Machado, conduzido pela Delegacia de Descobertas de Paradeiros (DDPA) será finalizado até sexta-feira. Segundo a delegada responsável pelas investigações, Elen Souto, um último depoimento precisa ser colhido: do professor Rodrigo Alvim Ensenki, ex-marido do produtor de TV Bruno Rodrigues, preso desde o dia 15 de junho.
Bruno está no presídio José Frederico Marques, em Benfica, após ter sido preso por agentes da UPP da Rocinha, escondido em um hostel no morro do Vidigal, na Zona Sul. O juiz Guilherme Schilling, em exercício na 1ª Vara Criminal do Rio, decidiu na tarde da última quinta-feira prorrogar por mais 30 dias a prisão temporária do produtor. A decisão do magistrado se embasou na possibilidade de o acusado "constranger outras testemunhas".
"A investigação policial se encontra em sua etapa final e fornece dados que indicam a necessidade da prorrogação da prisão temporária do investigado, principalmente porque pendente a renovação da oitiva de Rodrigo Alvim, companheiro do indiciado. Ademais, na fase em que se encontra a investigação, há concreta possibilidade de que, em liberdade, o indiciado possa frustrar as diligências a serem realizadas, já que há vinculo familiar entre o réu e a testemunha que será inquirida, razão pela qual se revela temerária a liberdade", diz o documento.
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Bruno Rodrigues ficará em prisão temporária até que outras testemunhas prestem depoimento à polícia.
Relembre passo a passo do assassinato
Sem notícias há alguns dias do ator Jeff Machado, parente e amigos estranharam sua ausência no fim de janeiro e foram à polícia. O desaparecimento foi registrado no dia 27 daquele mês e, até a polícia encontrar o corpo, concretado no quintal de uma casa na Zona Oeste do Rio, foram 115 dias de angústia para a família. A polícia precisou, durante as investigações, entender os relacionamentos de Jeff, buscar testemunhas e perseguir as pistas para montar o quebra-cabeças que revelasse os culpados pelo crime. Agora, com muitas peças em seus devidos lugares e dois suspeitos presos, pode-se conhecer muito do que está por trás da morte do ator que deixou o Sul do país em busca de reconhecimento.
Os personagens
Jeff Machado, de 44 anos, definia-se em suas redes sociais como ator, modelo, produtor e pai de cães. A paixão pelos cachorros, principalmente da raça Setter, podia ser vista tanto nas fotos que publicava no próprio perfil, quanto numa conta criada por ele especificamente para exibir os bichos, o @dogsdojeff. O ator catarinense, da cidade de Araranguara, que esteve no ar na novela "Reis", da TV Record, estava desaparecido desde o dia 27 de janeiro. Seu corpo foi encontrado no dia 22 de maio pela Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA). Ele estava amarrado e concretado dentro de um baú de madeira enterrado num terreno na Rua Itueira, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio.
Preso como principal suspeito do assassinato de Jeff, Bruno de Souza Rodrigues, de 37 anos, conhecia o ator há pelo menos três anos. Eles se aproximaram após o produtor revelar interesse na carreira dele, prometendo-lhe ajuda para conseguir um papel numa novela. Uma amiga de infância de Jeff contou, em entrevista ao Globo, que a aproximação de Bruno despertou em Jeff um sonho antigo: tornar-se reconhecido no meio artístico. Em pouco tempo, o produtor já frequentava a casa do artista e, aos poucos, “tomou conta da rotina do ator”, revelou a amiga. De acordo com ela, o suspeito fazia questão de demonstrar que tinha interesse amoroso pelo artista. No entanto, Jeff confidenciou à amiga que só o via como amigo, pois "não fazia seu tipo".
Preso por envolvimento no crime, o garoto de programa Jeander Vinícius da Silva Braga, de 29 anos, conheceu Bruno por meio de um aplicativo de relacionamento. Há quase dois anos, o produtor o teria o contratado. À polícia, Jeander contou ser padeiro e não ter trabalho com carteira assinada. Por isso, fazia "bicos" com obras e programas. Em depoimento, Jeander disse ainda que conheceu Jeff há cerca de um ano no mesmo aplicativo no qual se relacionou com Bruno. Amigos em comum, ele relatou à polícia que, do fim de 2021 a 2022, os três passaram a se envolver em trio.
O crime
As investigações apontam que na tarde de 23 de janeiro, Jeff recebeu os acusados do crime em casa, na Barra de Guaratiba, Zona Oeste do Rio. O imóvel de dois andares já era conhecido pela dupla, que costumava frequentá-lo há uns anos, segundo a polícia. Os depoimentos mostraram que a motivação do encontro era gravação de um vídeo erótico entre Jeff e Jeander na suíte do ator, localizada no segundo andar.
Mas as coisas não transcorreram como planejado pelo ator. As investigações apontaram que durante o sexo Jeff teria sido estrangulado com um fio de telefone. Na companhia Jeander Vinícius da Silva Braga, Bruno amarrou pés e mãos de Jeff com fita adesiva e o colocou em posição fetal dentro de um dos baús usados na decoração da própria casa da vítima.
Segundo as investigações, Bruno planejava o crime desde dezembro. Quatro dias antes, Jefferson comemorou 44 anos e foi presenteado por Bruno com um bolo de aniversário. O gesto foi visto com carinho pela família do ator, distante na data por morar em Araranguá, em Santa Catarina. A celebração entre os amigos aconteceu numa praia e teve parabéns dentro do carro de Jeff.
A farsa
De acordo com a polícia, Bruno de Souza Rodrigues criou, pelo menos, dois personagens fictícios para atrapalhar as investigações, além de se passar pelo próprio Jeff para amigos do ator. Tudo começou quando, em 1º de fevereiro, Patricia Triacca, veterinária e amiga de Jeff, recebeu a notícia do abandono dos cachorros do ator. Ela, então, entrou em contato com ele perguntando o que estava acontecendo. Naquele momento, quem respondia às mensagens pelo celular de Jeff era Bruno. Fingindo ser o ator, ele disse estar em São Paulo a trabalho e que havia pedido a uma amiga de Jacarepaguá para cuidar dos cães, mas eles acabaram fugindo.
Na conversa, o suposto Jeff deu o telefone de quem seria o "namorado" da amiga de Jacarepaguá. Ele afirmou que Giovani explicaria a situação dos setters para Patrícia. Na última quarta-feira, a perícia de um áudio enviado a Patrícia revelou que Giovani, suposto namorado de uma amiga do ator, era, na verdade, Bruno. Ele forneceu informações falsas sobre os cachorros do artista, abandonados após seu desaparecimento.
A polícia nunca acreditou nessa versão e considerou, desde o início das investigações, o suposto assassino como um dos personagens fictícios criado pelos suspeitos “em uma tentativa desesperada de excluir suas responsabilidades penais”. Quando foi preso, Jeander confessou que recebeu dinheiro de Bruno para mentir sobre a existência de Marcelo, e culpou o produtor de TV pela morte do ator.
Os locais do crime
Durante as investigações, a polícia identificou os dois locais principais utilizados no crime: a casa de Jefferson, onde ele foi morto, e a quitinete na Rua Itueira, onde ele foi enterrado. De um lugar ao outro, são cerca de 18 quilômetros. Jeff foi asfixiado com um fio de metal, na própria casa, em Guaratiba, colocado em um baú e transportado para uma casa alugada em Campo Grande, também na Zona Oeste. O local, dias depois, receberia por cima uma camada de cimento. Vista da rua, a casinha não chama a menor atenção. Ela fica espremida entre uma escola e uma residência de dois andares. A polícia acredita que Jeander Vinícius cavou o buraco onde o baú, com o corpo do ator Jeff Machado, foi concretado. Já Bruno é apontado como o autor do assassinato.
De acordo com a polícia, Bruno e Jeander botaram o baú no carro do ator e escolheram o caminho mais longo e ermo até Campo Grande. Tinham percorrido só cinco quilômetros quando tomaram um susto: na Estrada da Ilha, em Guaratiba, deram de cara com uma blitz da Polícia Militar. Os dois furaram o bloqueio e seguiram adiante. A fuga ficou registrada numa multa aplicada ao Renault Duster branco de Jeff.
As pistas
Jeff Machado era apaixonado pela raça Setter. Em casa, tinha oito deles e compartilhava um pouco da rotina por meio de um perfil numa rede social. Também fã de MPB, todos tinham nome de grandes artistas do gênero: Tim Maia, Nando Reis, Elis Regina, Cazuza, Vinicius de Moraes, Gilberto Gil, Rita Lee e Caetano Veloso. No fim de janeiro, num curto espaço de tempo, os animais começaram a aparecer abandonados na rua. Por ser uma raça pouco comum no Brasil, os animais têm chip de identificação, o que ajudou a indicar que eram de Jeff.
Os cachorros foram localizados pela ONG Indefesos, de proteção aos animais, no final de janeiro. A diretora Rosana Guerra organizou uma força-tarefa assim que soube dos cães abandonados por bairros da Zona Oeste, principalmente em Santa Cruz. Dois deles morreram e um segue desaparecido. Patrícia Triacca, veterinária amiga do ator e criadora da raça, acompanhou de perto o resgate de cada um. Foi ela quem entrou em contato, por WhatsApp, com Jeff — ou com quem, àquela altura, se passava por ele. Eram apenas mensagens de texto, sem ligações, áudios ou vídeos, o que levantou suspeitas.
Depois que o corpo de Jeff foi encontrado e Bruno e Jeander se tornaram suspeitos do crime, a dupla tentou, em depoimento à polícia, inserir uma terceira pessoa na cena do crime. Eles alegaram que um homem chamado Marcelo foi o responsável por matar o ator. Segundo relato de Jeander, Marcelo, conhecido como “Ben 10” ou “Pablo”, era matador da milícia da Zona Oeste.
Mensagens enviadas por impostor
Patrícia Triacca foi a primeira a suspeitar que um impostor se passava pelo ator. Em mensagens de WhatsApp trocadas após o abandono dos cães, ela estranhou o comportamento e o jeito de falar do amigo, que não atendia ligações nem mandavam áudios, muito menos fotos. Nos textos trocados, ele pedia para que a amiga não o julgasse pelo que estava acontecendo com os cachorros: "Só eu sei o peso disso".
Através da ONG Indefesos, Patricia soube sobre os abandonos e ao identificar que os animais pertenciam a ele, o procurou para entender o que acontecia e cobrar por uma solução. Apenas por mensagens escritas, relatou que os cães estavam na casa de uma amiga em Jacarepaguá. Ao ser cobrado por colocá-las em contato, ele passou para Patrícia o número que seria do namorado da mulher. O homem, que depois foi comprovado ser o próprio Bruno, disse que Jeff tinha perguntado por um lugar em que pudesse abandonar um cachorro doente e que, no endereço marcado, uma igreja em Santa Cruz, ele teria levado os oito animais.
Itens de higiene pessoal em casa
Patrícia começou a suspeitar de toda a história e decidiu conversar com a mãe e o irmão dele. Todos estranharam o comportamento do rapaz e repararam não conversar por voz ou vídeo com ele há bastante tempo. A mãe dele, Maria das Dores Machado, disse que naquele período o filho não mais fazia chamadas de vídeo, como era de costume, e que estranhava o modo com que ele vinha se comunicando. Eles reuniram material e foram à Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA), no Jacarezinho.
Em 6 de fevereiro, dois dias após o registro de desaparecimento, a família de Jeff descobriu que as chaves da casa e do carro do ator estavam com Bruno. Eles combinaram de buscar os bens na residência do artista, quando o produtor também iria mostrar o imóvel para eles. Diego Machado, irmão de Jeff, decidiu gravar a visitação.
Logo no início do vídeo, ele sentiu mau cheiro na sala e na cozinha da casa, que ficam no primeiro andar. Na suíte do ator, revirada e bagunçada, ele notou que todas as roupas estavam penduradas em cabides, e que itens de higiene pessoal, como shampoo, condicionador e escova de dentes estavam no banheiro — o que não fazia sentido já que Jeff, a princípio, estava em São Paulo.
A investigação
As investigações da polícia mostraram que o produtor de TV Bruno de Souza Rodrigues tentou vender a casa e o carro do ator após o assassinato. Ele conta ter estado com as chaves dos bens a pedido do artista, que estaria temporariamente em São Paulo. De acordo com o Disque-denúncia, o imóvel de dois andares em Barra de Guaratiba, na Zona Oeste do Rio, foi anunciado em sites de venda pelo valor de R$ 280 mil.
A tentativa de venda do veículo, um Renault Duster branco, foi feita no dia 2 de fevereiro, dez dias depois do assassinato. A negociação só não teve sucesso porque o comprador exigia a assinatura do proprietário do carro. Durante a investigação, a polícia verificou que o veículo, em nome de Jeff, sofreu uma multa por ultrapassar a barreira de trânsito montada pela polícia no dia 23 de janeiro, data da morte do ator, às 20h26. A polícia suspeita que o baú onde o corpo foi encontrado, a 20 quilômetros da casa do ator, estivesse no veículo.
Já a casa de Jeff, foi anunciada em plataformas de venda por um vendedor sem identificação. A informação partiu de denúncias anônimas feitas ao programa Disque-denúncia, que constatou uma negociação do imóvel no dia 1° de fevereiro. A tentativa de venda era "urgente", o que justificou a redução de preço de R$ 280 mil para R$ 250 mil. Em mensagem enviada pelo vendedor, havia a explicação de que Jefferson havia conseguido trabalho em outro estado e precisava vender rapidamente a casa. De acordo com as investigações da polícia, todos os contatos sobre a venda dos bens de Jefferson foram feitos por Bruno.
Imóvel alugado um mês antes
Segundo a polícia, a casa onde o corpo foi encontrado foi sublocada por Bruno um mês antes do desaparecimento de Jeff. Pouco antes do sumiço da vítima, o imóvel passou por obra. O muro da porta da frente ficou mais alto, e ainda tem os tijolos aparentes. Na lateral, uma abertura que permitia que quem passasse próximo visse a casa, foi tampada.
Laudo de necropsia
De acordo com o laudo da necropsia, apresentado na representação de prisão dos suspeitos, ao qual o Globo teve acesso, a investigação indica que Jeff havia mantido relações sexuais pouco antes de ser morto:
“É plausível afirmar que Jefferson pode ter sido estrangulado durante o ato sexual, ao se posicionar de costas para seu algoz e, por isto, seu corpo estava desnudo […] demonstrando, nitidamente, que a vítima havia mantido relação sexual recente”, diz trecho do documento.
O corpo no baú
No dia 22 de maio, a polícia chegou ao local onde estava o corpo de Jeff. Ele foi encontrado em posição fetal, dentro do baú e em estado de decomposição, enterrado a dois metros de profundidade nos fundos da casa alugada em Campo Grande. O baú pertencia ao ator e aparece em uma das fotos publicados por ele no Instagram.
Segundo o advogado Jairo Magalhães, o rapaz tinha uma corda em volta do pescoço e nas mãos. Por conta do adiantado estado de decomposição, o laudo da perícia e da certidão de óbito descreve a causa da morte como "indeterminada". Apesar disso, foi possível fazer o reconhecimento por meio de suas impressões digitais e comprovar a identidade.
As prisões
Jeander Vinícius da Silva Braga, de 29 anos foi preso por agentes da Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA) no dia 2 de junho. O garoto de programa foi preso em Santíssimo, na Zona Oeste do Rio. Na época, Bruno estava foragido.
Segundo os investigadores, um cerco foi montado por volta das 6h para tentar localizar Jeander. A polícia trabalhava com três possíveis endereços, nos quais o garoto de programa poderia ter se escondido. A localização do suspeito só foi possível com a ajuda de moradores da região, que o denunciaram.
Duas semanas depois, agentes da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Morro do Vidigal prenderam Bruno de Souza Rodrigues, principal suspeito de assassinar o ator. O produtor de TV estava escondido no hostel Laje do Neguinho, na comunidade, localizada na Zona Sul do Rio. Com ele, os policiais encontraram malas prontas, o que indicaria que Bruno estava pensando em deixar o local.
As acusações
Bruno de Souza Rodrigues e Jeander Vinícius da Silva Braga vão resposder pelos crimes de homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver. Na última quinta-feira, dia em que Bruno foi preso ao ser encontrado em um hostel no Vidigal, na Zona Sul do Rio, a polícia confirmou que ele vai responder também por estelionato e por maus-tratos de animais, um desdobramento pelo abandono dos oito cachorros da raça Setter que eram criados por Jeff.
A suspeita de estelionato é devido às tentativas de enganar Jeff para benefício financeiro. Por ser produtor, Bruno afirmava que conseguiria um papel para o ator em novelas. As promessas vinham sempre acompanhadas de pagamentos para as supostas vagas. A polícia conseguiu identificar que a vítima pagou ao suspeito cerca de R$ 20 mil. Após o assassinato, os cartões de banco de Jeff foram usados e tiveram gastos que ultrapassaram R$ 5 mil.
Já quanto aos maus-tratos de animais, será por conta do abandono dos oito cães nas ruas. Logo após o assassinato de Jeff, os cachorros foram levados para um imóvel em Santíssimo, também na Zona Oeste do Rio, que pertencia a um conhecido dos suspeitos. Após passarem três dias no hospital, Bruno abriu o portão, segundo testemunhas, para que os animais fugissem. Durante cerca de uma semana, sete deles foram encontrados, e um continua perdido até hoje. Entre os localizados, cinco foram adotados e dois morreram, o que pode agravar a pena, em caso de condenação pelo crime.