Justiça considera ilegal plano do Reino Unido de deportação de requerentes de asilo a Ruanda
Enviá-los para o país africano, a cerca de 6,5 mil quilômetros de distância, violará a Convenção Europeia de Direitos Humanos, que o governo deve cumprir, disseram os juízes
O polêmico plano do Reino Unido de deportar requerentes de asilo para Ruanda é ilegal, decidiu o Tribunal de Apelações britânico nesta quinta-feira (29), um revés para o governo conservador, que tenta impor sua política linha-dura para conter a imigração irregular. Enviá-los para o país africano, a cerca de 6,5 mil quilômetros de distância, violará a Convenção Europeia de Direitos Humanos, que o governo deve cumprir, disseram os juízes na decisão por maioria.
Segundo dois dos juízes, as deficiências do sistema de asilo implicam um "risco real" de que os refugiados sejam devolvidos ao seu país de origem e sofram perseguições ou tratamento desumano.
"A menos e até que sejam corrigidas as deficiências nos seus procedimentos de asilo, a expulsão dos requerentes de asilo para o Ruanda será ilegal" disse o presidente da sala.
Os magistrados acrescentaram "que a a decisão não implica qualquer opinião sobre o mérito político ou outro desta política", considerando que "trata-se de matéria da competência exclusiva do governo e sobre a qual o tribunal nada tem a dizer".
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A decisão ainda pode ser apelada na Suprema Corte britânica.
Repressão
O polêmico plano, anunciado em 2022 pelo então primeiro-ministro Boris Johnson, foi inicialmente bloqueado pela Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), obrigando o primeiro voo a ser abortado em junho do ano passado. Desde então, o projeto esteve envolvido em processos judiciais no Reino Unido, então ninguém foi deportado até agora.
O Supremo Tribunal de Londres o declarou legal em dezembro, mas o Tribunal de Apelações manteve um recurso interposto por vários requerentes de asilo e pela ONG de ajuda a refugiados, Asylum Aid. Os queixosos alegaram que o plano é "sistematicamente injusto" e que os requerentes de asilo devem ser impedidos de serem deportados para um país onde correm o risco de serem perseguidos.
Defensores dos direitos humanos acusam Ruanda, governado com mão de ferro pelo presidente Paul Kagame desde o genocídio de 1994 que matou 800 mil pessoas, de suprimir a liberdade de expressão e a oposição.
Advogados do Ministério do Interior britânico argumentaram que o governo conta com as garantias dadas por Ruanda, que tem mostrado sua disposição de "cooperar com os mecanismos de controle internacional".
Assim como seus predecessores Boris Johnson e Liz Truss, o primeiro-ministro conservador britânico Rishi Sunak, neto de imigrantes indianos, tem como prioridade reduzir a imigração para o Reino Unido, uma das grandes promessas do Brexit. Seu governo quer proibir os pedidos de asilo daqueles que chegam ao país de forma irregular e enviar essas pessoas para países "seguros", como Ruanda.
Com o programa polêmico, o governo britânico busca desestimular imigrantes a fazerem a travessia irregular, que começa na costa francesa, em pequenas embarcações. Essa é uma das rotas mais perigosas do mundo, devido ao grande tráfego de navios cargueiros, cujo número disparou nos últimos anos. Mais de 45 mil imigrantes chegaram irregularmente à costa inglesa em 2022, um aumento de 60% em relação a 2021. Desde o início de 2023, já foram mais de 11 mil pessoas.
O projeto de lei está atualmente sendo debatido no Parlamento e, para convencer os legisladores, o governo publicou uma avaliação de seu impacto financeiro na terça-feira, observando que o custo inicial de mover uma pessoa para lá seria de cerca de £ 169 mil (R$ 1 milhão), incluindo o pagamento de £ 105 mil (R$ 640 mil) para o país, passagens aéreas e taxas administrativas.
Também foi prevista uma ajuda de £ 106 mil (R$ 650 mil) em quatro anos para cada refugiado que não chegasse ao solo britânico ou fosse transferido para outro país.
O relatório especifica, no entanto, que estes são números "muito incertos" e que será preciso reduzir em 37% o total de imigrantes em condição irregular hoje para conseguir esta economia.