Educação

MEC deixa alunos de fora do Fundeb e prefeituras apontam novo erro

Segundo entidade, 695.090 matrículas de tempo integral foram ignoradas na divisão do bolo, reduzindo repasses para municípios

Ministro da Educação, Milton RibeiroMinistro da Educação, Milton Ribeiro - Foto: Rafael Furtado

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O governo Jair Bolsonaro (sem partido) deixou de contabilizar milhares de estudantes na divisão dos recursos do Fundeb deste ano, o que reduziu repasses para municípios.

Desde que foi publicada a portaria interministerial nº 1, de 31 de março, secretarias de Educação têm estranhado os cálculos: eles não batem com o que consta no Censo Escolar. Ficaram de fora, na hora de dividir o bolo, alunos de ensino fundamental em tempo integral, cujas matrículas ainda têm maior peso nas ponderações para a divisão.

O caso é tratado como erro por integrantes do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), vinculado ao Ministério da Educação. A Folha tem mostrado uma série de falhas do órgão ligado à pasta comandada pelo ministro Milton Ribeiro.

Secretários de Educação e entidades que representam prefeituras têm questionado o governo. Até agora não receberam respostas.

A CNM (Confederação Nacional de Municípios) calcula que 695.090 matrículas de tempo integral deixaram de ser computadas nos cálculos do governo Bolsonaro.

O Fundeb é o principal mecanismo de financiamento da educação básica. O fundo reúne uma cesta de impostos, acrescido de complementação da União, e é dividido com base no número e tipo de matrículas.

A portaria de março foi assinada por Ribeiro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O ato faz parte da previsão legal para a operacionalização dos recursos, a cargo do FNDE, e impacta recursos já transferidos a partir deste mês.

Segundo relatos feitos à Folha, as lideranças do FNDE ainda não sabem o que ocorreu de errado e o que devem fazer.

Questionados, FNDE e MEC não responderam.

A falha resultou, segundo estudo da CNM, em 1.282 municípios com previsão de recursos abaixo do que lhes são devidos pelo Fundeb. A entidade, que representa as prefeituras do país, não calculou os valores.

A diferença pode chegar a R$ 785 milhões, segundo estimativa feita pela reportagem com base em dados do Ceará. Foram as prefeituras cearenses as primeiras a identificarem o erro.

Segundo a CNM, mais de 190 mil alunos cearenses de tempo integral foram ignorados. Isso impacta 114 municípios do estado.

A secretária de Educação de Crateús (CE), Luiza Teixeira, encaminhou ao FNDE no dia 5 de abril um ofício expondo a situação e exigindo "imediata atenção e a pronta correção desse lapso". Teixeira é presidente no estado da Undime (que reúne dirigentes municipais de Educação).

Nas contas da Undime-CE, a subestimação do Fundeb a municípios cearenses chega a R$ 215,4 milhões. A projeção da entidade relacionada às matrículas ignoradas coincide com os cálculos da CNM.

"A gente percebeu que foram desconsideradas matrículas que estavam em um anexo da portaria", disse a secretária à Folha. "Municípios como o meu perdem cerca de R$ 4 milhões no ano, quase uma folha bruta de salário. Fica bem difícil
porque a gente sabe da situação financeira do país para financiar a educação."

Teixeira diz ter certeza de que se trata de um erro. Segundo ela, o município de Crateús já recebeu, por exemplo, outros recursos federais, como de alimentação escolar, com base nos dados corretos do Censo Escolar de 2020 (que constam em portaria de novembro passado). No caso do Fundeb, a base de matrículas adotada foi diferente.

O Maranhão é o segundo estado com maior impacto, segundo a CNM: 115 mil matrículas teriam sido desconsideradas.
"Fazer educação integral no Maranhão não é fácil, e agiram contrário ao Censo Escolar", diz Marcony Pinheiro, da Undime Maranhão e secretário de Educação da cidade de Poção das Pedras. Pinheiro afirma que também questionou o governo.

A CNM recebeu reivindicações de prefeituras e associações municipais e estaduais. A consultora de educação da CNM, Mariza Abreu, diz que a entidade já acionou o governo e espera respostas.

"Está difícil entender por que esses equívocos estão acontecendo. Esse processo de filtrar as matrículas do Censo aconteceu nos últimos 14 anos [desde a criação do Fundeb] e nunca tinha se verificado essa variação tão significativa", diz. "E tem outro problema: se alguém recebe a menos, alguém recebe a mais."

Essa portaria atinge todos os estados e municípios do país, diferente da falha na distribuição do Fundeb ocorrida em janeiro. Revelado pela Folha, o erro atingia apenas a primeira parcela da complementação da União.

Na ocasião, de R$ 1,18 bilhão previsto, R$ 766 milhões foram repassados equivocadamente. Três estados e respectivos
municípios receberam dinheiro a mais e seis, a menos. Em 2019, outro erro da ordem de R$ 1 bilhão havia ocorrido com outras transferências constitucionais.

O FNDE ainda deixou fora do ar neste ano o sistema para cadastro dos conselhos de acompanhamento do Fundeb. A ausência desse procedimento pode causar prejuízos a prefeituras e governos. O órgão colocou no ar o sistema no dia 9, mas prefeituras ainda encontram dificuldade para o cadastro.

O FNDE é controlado por indicações do centrão. Todas essas falhas ocorrem na mesma área: trata-se da Coordenação-Geral de Operacionalização do Fundeb e de Acompanhamento e Distribuição de Arrecadação do Salário-Educação. Ela é ligada à Diretoria de Gestão de Fundos e Benefícios do FNDE.

A Coordenação que trata do Fundeb e do salário-educação está sem titular desde novembro passado. O posto é gerido por um coordenador substituto.

O novo formato do fundo amplia os recursos federais e entrou em vigor neste ano –o fundo opera um montante de R$ 179 bilhões no ano. Com as novas regras, os processos de transferência ficarão mais complexos.

A mesma portaria interministerial tem causado estranhamento porque a previsão de parcelas do Fundeb ao longo do ano vai diminuindo a partir do segundo semestre -o que nunca ocorreu.

Segundo o Ministério da Economia, "o cronograma proposto tem como objetivo minimizar os impactos da atualização das estimativas, diminuindo o risco de reduções significativas" da complementação da União por Unidade Federativa.

"O cronograma proposto deve amenizar as dificuldades na gestão fiscal e orçamentária dos entes da federação que recebem os recursos da complementação", diz nota. A pasta ressalta que as estimativas serão atualizadas a cada quatro meses.

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