Monitorar queimadas e desmate exige recurso humano, não só satélite, dizem especialistas
Declarações apontam que investimentos prioritários do governo deveriam ser em equipes de fiscalização e no processamento de dados
A contratação de imagens diárias e de alta resolução podem não ser efetivas para monitorar desmatamento e queimadas nos biomas brasileiros, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem.
Duas declarações e outras duas avaliações feitas sob condição de anonimato apontam que investimentos prioritários do governo deveriam ser em equipes de fiscalização e no processamento de dados.
O Ibama publicou nesta quarta-feira (21) edital para contratar imagens de satélite de empresas privadas. No entanto, entre a recepção das imagens de satélite e ação de fiscalização do Ibama há um trabalho intermediário de interpretação de dados, em boa parte de responsabilidade humana.
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"As ações de fiscalização não dependem apenas das imagens, necessitando de análises de dados para a definição de novas operações", disse à reportagem Sarney Filho, ex-ministro do Meio Ambiente. Em 2017, sua gestão chegou a abrir edital para contratar um sistema de monitoramento que reforçasse o trabalho de análise do Ibama.
"Para chegar próximo de 100% [na margem de acerto], você precisa dar uma trabalhada final na imagem. A habilidade do intérprete para fazer ajustes é responsável por 50 a 80% da margem de acerto", avalia o especialista em sensoriamento remoto Bernardo Rudorff.
Ele é diretor-executivo da Agrosatélite, empresa que atende o setor agrícola e monitora, por exemplo, o desenvolvimento de safras, com acerto superior a 95%. "Se fosse entrar [na concorrência aberta pelo governo], a gente faria um trabalho interpretativo nisso", diz Rudorff.
No entanto, o monitoramento feito por sua empresa retorna ao mesmo local dentro de dois a cinco dias -o período não atende ao edital, que pede revisitação diária. Apenas uma empresa atende à condição. A única constelação de satélites do tipo é da empresa Planet, representada no Brasil com exclusividade pela consultoria Santiago e Cintra, conforme a reportagem apurou.
Rudorff avalia que a revisitação diária "é interessante, porque se um dia tem nuvem [impedindo a visualização por satélite], já no dia seguinte pode não ter".
O recurso poderia ser usado de forma complementar aos alertas diários produzidos pelo sistema Deter, do Inpe, permitindo checar se o desmatamento em uma área é pontual ou continuado.
A estratégia já é usada e entregue gratuitamente ao Ibama através de um acordo de cooperação técnica com o Mapbiomas -iniciativa de ONGs, universidades e empresas de tecnologia, que nasceu justamente em resposta à busca de Sarney Filho por sistemas que apoiassem o trabalho de fiscalização.
O projeto elabora laudos a partir de dados que combinam as imagens do Deter e da Planet, mostrando detalhes da ação (local, conflito com áreas protegidas, se continuou ao longo do tempo, etc).
Segundo dados do MapBiomas, os sistemas Deter, Sad e Glad emitiram um total de 150 mil alertas no último ano para o Ibama, mas o órgão produziu apenas mil laudos no mesmo período.
Nos primeiros cinco meses do ano, o MapBiomas entregou 4.577 relatórios para dar base às operações do Ibama, com o objetivo de economizar trabalho do Ibama e permitir que o trabalho se volte para a fiscalização.
No entanto, as operações de fiscalização do Ibama foram reduzidas neste ano e, consequentemente, as autuações também diminuíram em 23%, conforme a reportagem revelou no fim de julho.