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Recife

MPF arquiva investigação sobre compras emergenciais da Prefeitura do Recife durante pandemia

Decisão foi assinada pelo procurador da República Claudio Henrique Cavalcante Machado Dias

Investigação foi arquivada pelo MPFInvestigação foi arquivada pelo MPF - Foto: Ricardo Wolffenbuttel/Governo de SC

O Ministério Público Federal (MPF) encerrou e arquivou as investigações sobre compras emergenciais de equipamentos hospitalares realizadas pela Prefeitura do Recife durante a pandemia da Covid-19.

A decisão foi assinada no último dia 26 de junho, pelo procurador da República Claudio Henrique Cavalcante Machado Dias.

O pedido de apuração foi formalizado em 2020 pela vice-governadora Priscila Krause, que era deputada estadual na época, durante a gestão do secretário municipal de Saúde, Jailson de Barros Correia.

Na ocasião, o documento solicitava investigação de possíveis irregularidades no fornecimento de 11.288 unidades de "Sistema Fechado de Aspiração Traqueal", pelas empresas Cirúrgica São Felipe Produtos para Saúde Eireli e Brasil Devices Equipamentos Hospitalares Eireli.

Ambas as empresas haviam sido contratadas pela Secretaria Municipal de Saúde do Recife, por meio de dispensas de licitação.

A denúncia apontava que cada unidade de "Sistema Fechado de Aspiração Traqueal" foi adquirida ao custo de R$ 430, enquanto que o mesmo equipamento, ainda de acordo com o documento, foi comprado por outros estados, à época, a preços entre R$ 32,60 a R$ 155,46.

Também destacava que as empresas contratadas eram de pequeno porte e pertencentes a um mesmo grupo familiar. Apontava, ainda, que a quantidade adquirida era "superestimada se considerada a quantidade de leitos de UTI em efetivo funcionamento na rede municipal".

Na decisão de arquivamento, o procurador do MPF destacou que não há justa causa para início da persecução penal em Juízo, e justificou as razões para findar as investigações.

O órgão federal detalha que, durante a crise sanitária global, desencadeada pela pandemia da Covid-19, a União repassou ao Fundo Municipal de Saúde do Recife o valor de R$ 128.420.960,25.

A quantia era para uso exclusivo no enfrentamento ao coronavírus, "sem vinculação ou prejuízo às demais ações abrangidas pelos blocos de financiamento do SUS", iniciou o texto.

O MPF também destacou que, na época, as regras para contratações públicas ficaram temporariamente menos rigorosas, pela edição da Lei Federal nº 13.979/20, que trouxe novas diretrizes para aquisição de insumos destinados ao enfrentamento da Covid-19.

No decorrer na decisão, entre vários pontos, o procurador detalha trechos da Lei Federal nº 13.979/20 para justificar o arquivamento:

Art. 4º- C - Para as contratações de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência de que trata esta Lei, não será exigida a elaboração de estudos preliminares quando se tratar de bens e serviços comuns;

Art. 4º- D - O gerenciamento de riscos da contratação somente será exigível durante a gestão do contrato;

§ 1º do Art. 4º - E - Estimativas dos preços obtidos por meio de, no mínimo, um dos seguintes parâmetros:

a) Portal de Compras do Governo Federal;
b) Pesquisa publicada em mídia especializada;
c) Sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo;
d) Contratações similares de outros entes públicos; ou
e) Pesquisa realizada com os potenciais fornecedores; e
VII - adequação orçamentária;

§ 2º Excepcionalmente, mediante justificativa da autoridade competente, será dispensada a estimativa de preços de que trata o inciso VI;

§ 3º Os preços obtidos a partir da estimativa de que trata o inciso VI não impedem a contratação pelo Poder Público por valores superiores decorrentes de oscilações ocasionadas pela variação de preços.

Ainda ao longo do texto, o procurador do MPF lembrou que, no período de 27 de março de 2020 a 16 de abril do mesmo ano, a Secretaria de Saúde do Recife promoveu as dispensas de quatro licitações visando à aquisição de 12.021 unidades de "Sistema Fechado de Aspiração Traqueal", destinados a pacientes com sintomas de Covid-19.

"Debruçando-se mais detidamente sobre essa questão, o Relatório Complementar de Auditoria Especial de Conformidade do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco apontou que a Secretaria de Saúde do Recife adquiriu os Sistemas Fechados de Aspiração Traqueal, mediante contratação direta emergencial, com possível superfaturamento na ordem de R$ 4.177.478,13", destaca um trecho.

"O laudo técnico nº 61/2021, elaborado por perita do MPF na área de contabilidade, constatou que os preços contratados e pagos pela Secretaria de Saúde do Recife, com verbas oriundas do Fundo Municipal de Saúde, estariam superfaturados em percentuais que variaram de 477% a 842%, quando comparados com o preço médio de mercado", aponta outro trecho do documento.

Apesar dos apontamentos, a decisão considera que os resultados que chegaram à auditoria carecem da "necessária precisão", e que as amostras consideram dados "possivelmente anteriores ao período pandêmico" para referenciar o valor afiançado como preço de mercado, portanto, "não refletem, com segurança, os preços praticados por mercado de escassez tão atípico", defende o procurador.

Ainda segundo justificativa, é "fundamental compreender que, durante o período mais crítico da pandemia, o cenário econômico global foi marcado por uma instabilidade sem precedentes".

"Fatores que usualmente servem como referência para a formação de preços, tais como oferta, demanda, custos de produção, logística e câmbio, perderam sua previsibilidade e estabilidade", aponta o procurador do MPF.

Claudio Henrique Cavalcante também destaca que a demanda por produtos essenciais para o combate à pandemia, como respiradores e medicamentos, aumentou globalmente, enquanto a capacidade de produção e distribuição foi comprometida por lockdowns e interrupções nas cadeias de suprimentos. 

"Essa conjuntura gerou um ambiente de escassez generalizada, onde a lei da oferta e da demanda operava sob condições anormais", considerou o procurador do MPF.

Ele também apontou os seguintes entendimentos para justificar o arquivamento das investigações:

- Naquela situação excepcional, onde a premente necessidade de aquisição de sistema fechado para abertura de novos leitos de UTI esbarrava no quase desabastecimento do equipamento no mercado nacional, pode-se considerar que o preço unitário de R$ 430 era, de fato, o praticado naquele mercado atípico de escassez, até porque, ao que consta, a Cirúrgica São Felipe e a Brasil Devices eram as únicas empresas que dispunham do material para entrega imediata;

- Não há que se falar em desvio de recursos sem prova de conluio entre os supostos envolvidos. Isso porque a aquisição de mercadorias a preços elevados durante a pandemia, por si só, não é prova suficiente de que houve fraude, conluio ou desvio de recursos.

O procurador detalha que, para configurar tais ilícitos, é imprescindível a comprovação de outros elementos, como:

- Demonstração de acordos espúrios para superfaturar preços ou direcionar licitações;
- Provas de manipulação de documentos ou apresentação de informações falsas;
- Evidências de que os recursos não foram utilizados para os fins emergenciais declarados, mas sim para benefício próprio ou de terceiros;
- Comprovação de que o serviço ou produto contratado não foi total ou parcialmente fornecido, apesar do pagamento;
- Demonstração de intenção deliberada de causar dano ao erário ou obter vantagem indevida.

Na decisão, o procurador destacou que todo o material adquirido e pago pela Secretaria de Saúde foi efetivamente entregue pelas empresas contratadas, conforme apontou o Relatório Circunstanciado Diligência Externa, que verificou, in locu, que todos os hospitais de campanha instalados no Recife receberam "quantidade suficiente de sistemas fechados de aspiração traqueal".

"Diante das razões mencionadas, promovo o arquivamento do procedimento investigatório criminal", afirmou o procurador Claudio Henrique Cavalcante, solicitando que todos os envolvidos sejam comunicados.

Defesa se pronuncia
O escritório Rigueira, Amorim, Caribé & Leitão – Advocacia Criminal, que atua na defesa de Jailson de Barros Correia, Eliane Mendes Germano Lins, Felipe Soares Bittencourt, Paulo Henrique Motta Mattoso e João Maurício de Almeida, citados na investigação, se pronunciou sobre a decisão do MPF.

A advogada Giselle Hoover, que integra o escritório, destacou que o arquivamento da investigação por parte do órgão federal evidencia que não houve qualquer tipo de crime na compra dos equipamentos.

"O Ministério Público Federal, através desse arquivamento, está fazendo justiça. Isso foi baseado na notícia crime ainda no ano de 2020, quando esses servidores estavam no ápice da luta contra a pandemia, num esforço máximo para conseguir equipar e oferecer leitos de UTI e de enfermaria para a população do Recife. Passados 5 anos, esgotadas todas as diligências investigativas, feitas as oitivas aos clientes, ficou evidente que não houve qualquer tipo de crime e mais ainda, o Ministério Público Federal, nesse caso, reconheceu as dificuldades enfrentadas no combate à pandemia pelos servidores públicos da Secretaria de Saúde", afirmou a defesa.

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