Mulher denuncia ter sido estuprada por PM, no Cabo de Santo Agostinho, após ser parada em blitz
Vítima conversou com a Folha de Pernambuco e contou detalhes do fato
O que era para ter sido apenas mais uma blitz do Batalhão de Polícia Rodoviária (BPRv), no Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife, na última sexta-feira (10), pode ter sido um grave caso de estupro cometido por parte de um agente da corporação.
Uma mulher, que não será identificada, denuncia que foi vítima do crime dentro de um posto policial rodoviário na PE-60.
Em entrevista à Folha de Pernambuco, ela narra que ia sentido Gaibu, por volta das 22h30, quando passou perto do posto, acompanhada de uma amiga e duas filhas menores, quando passou pela blitz.
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Três policiais paravam os carros e pediam as habilitações dos condutores. Após mostrar o documento, a mulher afirma que abriu ainda a mala do veículo e foi convidada pelo policial militar a sair do carro. Ele a mostrou débitos existentes. Essas dívidas são referentes a licenciamento e uma multa.
“Eu comprei esse carro há pouco tempo. Ainda não transferi ele para o meu nome. Porém, o rapaz que me vendeu pagou apenas uma parcela do IPVA [Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores] e não quitou o restante. Eu não sabia, de fato, que o carro estava atrasado [...]. Quando eu desci do carro, ele me chamou até o posto policial e eu fui acompanhá-lo. Sentamos do lado de fora. Tinha mais dois policiais sentados ao lado [na entrada do posto]”, diz.
Omissão do vendedor
A vítima declara ainda que o policial começou a questioná-la sobre sua profissão, onde morava e para onde estava indo.
Posteriormente, ele avisou que o carro ficaria apreendido. Foi quando ela ligou para o vendedor do veículo. No viva-voz do celular, o rapaz disse que não poderia resolver a questão naquele momento, porque estava indisponível no final de semana, mas prometeu que entraria em contato com ela nessa segunda-feira (13).
“O policial ouviu toda a conversa. Após pegar as informações, ele tirou foto da minha CNH [Carteira Nacional de Habilitação] e do documento do carro. Depois ele virou para os colegas e falou: ‘Ela vai ali beber água’. Porém, eu estava muito nervosa, não solicitei qualquer água. Ele me direcionou para a parte interna do prédio”, relembra.
Cenário de medo
Chegando ao pavimento, a mulher diz que viu um quarto com dois beliches. A partir de então, o agente policial teria apagado as luzes e começado a praticar os abusos sexuais contra ela.
“Ele tentou fazer penetração [vaginal] de diversas formas e eu resisti. Fechava as pernas e dizia: ‘Moço, eu estou com pessoas ali no carro. Tenho crianças’. Ele insistia, insistia... Não havendo sucesso, ele abaixou a minha cabeça concluiu o ato na minha boca [sexo oral]. Ao terminar, ele me deu uma toalha que estava em cima de um beliche, pediu para que eu limpasse a boca e, quando eu saí, tinha um bebedouro. Ele disse: ‘Beba água para tirar a g... da boca’”, relembra.
A denúncia
Depois de ter bebido dois copos de água, a mulher saiu em direção ao carro e seguiu destino, nervosa. Por causa das crianças que estavam dentro do veículo, ela não contou o que aconteceu, mas, no dia seguinte, após largar do trabalho e ser incentivada por uma rede de apoio, procurou a Delegacia do Cabo de Santo Agostinho.
“Quando eu procurei outras pessoas, eu consegui uma rede de apoio que me direcionou e apoiou o dia inteiro. Eu estive acompanhada de todo um aparato para ir até o fim com essa denúncia. Quando eu prestei o B. O. [Boletim de Ocorrência], os policiais vieram até minha casa para recolher o vestido que eu estava [no dia do crime] para a perícia”, destaca.
Ainda na delegacia, durante depoimento, ela declarou que não reparou o nome do policial na farda, mas citou algumas características dele.
Segundo a mulher, é um homem da cor branca, de aproximadamente 56 anos, e que tem 1,70m, com cabelos grisalhos. Ao analisar algumas fotos, ela conseguiu reconhecê-lo.
Agora, a vítima teme represálias, uma vez que o agente possui dados pessoais dela, inclusive sabe onde trabalha.
Prevenção contra doenças
Mesmo depois de ter denunciado, ela conta que passou no Hospital da Mulher para realizar os procedimentos de profilaxia pós-exposição (PEP). Ela fará uso de um remédio por 30 dias e espera resposta para que, de fato, o culpado pelo crime seja punido.
“Outras vítimas vão aparecer. Que isso não fique impune. É só isso que eu desejo”, complementa.
Do que a PEP previne?
- Gravidez;
- Infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV);
- Infecções sexualmente transmissíveis (IST’s);
- Hepatite B.
Advogada em ação
Quem auxilia a vítima no processo é a advogada criminalista Maria Júlia Leonel, que é especialista em direito das mulheres. Ela encaminhou um ofício ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE), fez a denúncia na Corregedoria Geral e também vai acionar a Secretaria de Defesa Social (SDS).
Agora, a advogada aguarda o resultado das investigações e procedimentos administrativos.
“Há uma investigação sobre o caso e a gente tem provas testemunhais e os vestígios. Após ela ter acabado o ato [sexo oral], recorda ter limpado a boca com a parte de cima do vestido. Embora a principal parte [usada para limpar a boca] tenha sido uma toalha que estava no ambiente, é preciso fazer um requerimento da roupa de cama desse local. Também preciso saber se esse local tem câmeras, levantar todas as provas para que essa investigação seja feita. O requerimento será entregue hoje [terça, 14] na delegacia”, argumenta.
O que dizem as autoridades?
Por meio de nota, a Secretaria de Defesa Social (SDS) afirmou lamentar o fato e reitera que não compactua com qualquer tipo de violência, especialmente contra mulheres.
A pasta diz ainda repudiar veementemente condutas que violem os direitos humanos e os princípios que regem a atividade policial.
“Assim que tomou conhecimento do caso, a Corregedoria Geral da SDS instaurou Investigação Preliminar (IP) para apurar a conduta sob o ponto de vista ético-disciplinar, de forma paralela à investigação criminal conduzida pela Polícia Civil. Todas as medidas cabíveis serão adotadas com o devido rigor, assegurando a responsabilização, caso as denúncias sejam confirmadas”, diz a SDS.
Finalizando a nota, a SDS frisa que reafirma o compromisso com a ética, a legalidade, a transparência e o respeito à dignidade da pessoa humana. Casos como este, ainda conforme o que diz a secretaria, são tratados com total seriedade, para que a conduta de um indivíduo não comprometa a imagem e o trabalho da maioria dos profissionais que atuam com responsabilidade na segurança pública de Pernambuco.
A Polícia Militar de Pernambuco também se pronunciou. A corporação reafirma seu compromisso dela com a legalidade, a transparência e a rigorosa apuração de quaisquer desvios de conduta e reforça que não compactua com comportamentos que contrariem os valores éticos e disciplinares da Corporação.
“Nesta segunda-feira (13), a PMPE tomou conhecimento de uma denúncia registrada na 14ª Delegacia da Mulher do Cabo de Santo Agostinho. O caso, ocorrido em 10 de outubro de 2025, envolve um policial militar do Batalhão de Polícia Rodoviária (BPRv)", fala o comunicado.
"Diante da seriedade dos fatos, o Comando Geral da PMPE determinou a imediata instauração de um Inquérito Policial Militar (IPM) para assegurar uma apuração justa, transparente e completa. Assim que os policiais envolvidos forem identificados, eles serão afastados de suas funções operacionais enquanto as investigações estiverem em andamento", complementa.
A PMPE ainda pontua que lamenta o fato e reitera que todas as providências necessárias serão adotadas para garantir a justiça, preservar a disciplina e fortalecer os valores éticos que norteiam a instituição.
A Secretaria da Mulher de Pernambuco informa que acolheu a vítima, assim que tomou conhecimento do caso, e imediatamente entrou em contato com a Delegacia da Mulher do Cabo de Santo Agostinho e com a gestora do Departamento de Polícia da Mulher (DPMul).
Em seguida, foi agendada uma reunião para ouvir o relato da vítima e adotar os encaminhamentos necessários à garantia dos direitos e à continuidade da assistência.
Após a reunião, a secretária executiva de Políticas Públicas para as Mulheres, Walkíria Alves, entrou em contato com a Secretaria da Mulher do município onde a vítima reside e solicitou que ela passasse a acompanhar o caso com atenção especial. E prontamente já fez o agendamento para um primeiro atendimento, assegurando assistência integral por meio de uma equipe multidisciplinar.
“Todos os procedimentos legais foram realizados com agilidade, acolhimento e total respeito à vítima. A própria secretária da Mulher, Juliana Gouveia, ligou pessoalmente para a corregedoria da Polícia Militar que falou diretamente com a vítima, reforçando que todos os encaminhamentos necessários foram tomados. A Secretaria da Mulher de Pernambuco segue acompanhando o caso e permanece à disposição para oferecer todo o suporte necessário”, garante a pasta.
O que é um estupro?
De acordo com a Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, o estupro se configura a partir do momento em que o agressor constrange alguém “mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Ou seja, diferente do que muita gente pensa, não está relacionado apenas ao ato de penetração, sendo o homem o agressor. Qualquer constrangimento com teor sexual, havendo ameaça ou agressão, pode ser considerado estupro.
Considerado crime hediondo, que são aqueles insuscetíveis de anistia, graça, indulto ou fiança, o estupro ainda tem as configurações pouco entendidas por boa parte da sociedade. Apesar de ser recorrente - no Brasil, dados do 13º Anuário de Segurança Pública registram uma média de 180 estupros por dia -, ainda há quem tenha dúvida sobre quais atos podem ou não ser qualificados como esse tipo de crime sexual. Essa desinformação, segundo a Polícia Civil Pernambuco, pode levar a um maior índice de subnotificação.
De acordo com o Código Penal Brasileiro, as penas para este crime de conduta variam de acordo com fatores que agravam a situação. Na lei, consta que o tempo de reclusão é de seis a 10 anos. Se o ato resulta em lesão corporal grave ou se a vítima é menor de 18 anos ou maior de 14 anos, a reclusão é de oito a 12 anos. Se a vítima chega a óbito, a pena é agravada e o culpado pode ficar de 12 a 30 anos preso. No caso de estupro de vulnerável, o tempo de reclusão pode variar entre oito e 15 anos.
Alerta para subnotificações
Seis em cada dez mulheres que foram vítimas de violência sexual antes dos 14 anos relataram em uma pesquisa online que não contaram para ninguém sobre o abuso.
O dado alarmante sobre a subnotificação da violência sexual na adolescência faz parte do levantamento Percepções sobre Direitos de Meninas e Mulheres Grávidas Pós-Estupro, feito pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com o Instituto Locomotiva e divulgado na última terça-feira (30). Responderam ao questionário online 1,2 mil pessoas com mais de 16 anos, de todas as regiões do país.
Somente 27% dessas meninas confiaram em algum familiar após terem sido vítimas de violência sexual antes dos 14 anos, e é ainda menor o percentual de casos que chegou às autoridades policiais e aos serviços de saúde: apenas 15% foram levadas a uma delegacia e 9% foram acolhidas e avaliadas em uma unidade de saúde.
A pesquisa mostra que, entre as meninas e mulheres que sofreram a violência sexual a partir dos 14 anos, também são altos os percentuais de subnotificação e desamparo. Nesses casos, apenas 11% procuraram a polícia, e 14%, um serviço de saúde.
Outro dado que a pesquisa destaca é que 60% dos cerca de 1,2 mil entrevistados disseram conhecer um caso de criança ou adolescente com menos de 14 anos que foi estuprada, e 30% afirmaram ter conhecimento de um caso em que a vítima engravidou.
Conhecimento sobre estupro
Essa pesquisa também mediu a concordância dos entrevistados com algumas afirmações sobre violência sexual e o quanto eles estão informados sobre os direitos e serviços disponíveis às vítimas.
Eles foram perguntados, por exemplo, se diversas situações configuram ou não estupro. Todas são classificadas como estupro pela legislação brasileira.
Apesar de 95% dos entrevistados reconhecerem ao menos uma das violências sexuais apresentadas, apenas 57% sabiam que todas elas se tratam de casos de estupro.
Percentuais de entrevistados que reconheceram que cada uma das situações citadas configura um caso de estupro
- "Um homem fazer sexo com uma mulher inconsciente, bêbada ou drogada”: 89%;
- “Um homem obrigar uma mulher a fazer relação sexual”: 88%;
- “Um homem fazer sexo com uma mulher com grave deficiência mental”: 87%;
- “Um homem se aproveitar da sua condição profissional (médico, pastor, etc) para ter relação sexual com a mulher”: 86%;
- “O marido / parceiro obrigar a mulher a práticas sexuais (sexo oral, anal etc) que ela não quer”: 85%;
- “O marido / parceiro obrigar a mulher a fazer sexo quando ela não quer”: 84%;
- “Um homem fazer sexo com uma menina (até 13 anos) mesmo que ela autorize”: 80%;
- “O marido / parceiro obrigar a mulher a fazer sexo sem preservativo quando ela quer usar”: 73%;
- “Um homem tirar o preservativo durante o sexo sem a mulher perceber ou consentir”: 70%.
Onde denunciar?
A Polícia Civil possui nove delegacias destinadas ao atendimento de mulheres. No Recife, ela fica na Praça do Campo Santo, no Bairro de Santo Amaro, em frente ao Cemitério de Santo Amaro. A unidade funciona 24h e aos sábados, domingos, feriados e durante a madrugada pode atender denúncias de estupro mesmo que a vítima não seja mulher. O telefone é (81) 3184-3568. Também há unidades em Paulista, Jaboatão dos Guararapes, Cabo de Santo Agostinho, Vitória de Santo Antão, Caruaru, Surubim, Garanhuns e Petrolina.
No caso de crianças, as denúncias podem ser feitas no Departamento de Polícia da Criança e do Adolescente (DPCA). No Recife, ele funciona na Rua Benfica nº 1008, no bairro da Madalena.
Apesar das unidades especializadas, crimes de estupro ou violência sexual podem ser denunciados em qualquer delegacia. Segundo a delegada Julieta Japiassu, todo policial da PCPE está qualificado para atender as vítimas e dar encaminhamento às diligências de acordo com a necessidade da pessoa que sofreu o abuso.

