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Ritual ancestral usa fogo para purificar cavalos na Espanha

A festividade poderia ter sua origem em um ritual pagão praticado pelos celtas que viveram nesta área de Castilla y León por volta do ano 1.000 a.C.

Festival Las Luminarias, na EspanhaFestival Las Luminarias, na Espanha - Foto: Gabriel Bouys / AFP

Uma espessa fumaça inunda as ruas de pedra do povoado espanhol de San Bartolomé de Pinares, onde ressoa o som de cavalos se aproximando de uma fogueira: está tudo pronto para começar o ancestral e misterioso ritual conhecido como Las Luminarias.

De repente, um cavalo e seu cavaleiro aparecem através das chamas e da fumaceira, seguidos por outros 130 cavalos montados tanto por jovens como por idosos, casais ou pais com filhos, em uma cerimônia única na Espanha, segundo os historiadores.

A festividade anual neste pequeno povoado, em meio a montanhas cobertas de neve e perto de Madri, poderia ter sua origem em um ritual pagão praticado pelos celtas que viveram nesta área de Castilla y León por volta do ano 1.000 a.C., estima Salvador Sáez, um professor aposentado de 64 anos que estuda a cerimônia.

A crença era que o fogo, grande purificador, protegia os animais das doenças e provia fertilidade aos cavaleiros. O ritual pode ter sido "cristianizado" posteriormente pela Igreja Católica, estima Sáez. Mas na realidade não há documentos escritos que provem isso, e o que é certo é que os habitantes do lugar se dedicaram a reproduzir por séculos o mesmo ritual.

"Todos nós formulamos esta pergunta (da origem), a nossos pais, a nossos avós, e a resposta sempre é a mesma: 'desde sempre'", explica Sáez. "Ninguém soube dar uma resposta concreta", acrescenta.

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Festa renovada
E assim, todo 16 de janeiro à noite o povoado de 600 habitantes se enche de fumaça pelas fogueiras que os moradores acendem nas ruas, oferecendo calor aos espectadores e os obrigando a cobrir suas bocas e narizes.

Ginetes do povoado e de zonas vizinhas começam a se reunir às nove da noite e saem em procissão, compartilhando vinho, para ir atravessando as fogueiras uma por uma. Liderando a comparsa marcham dois músicos, que tocam o tambor e a 'dulzaina', uma espécie de oboé.

O momento mais espetacular ocorre no final, na Calle de la Virgen (rua da virgem), quando os cavalos desafiam o fogo e esbarram nos espetadores apertados para não perder nenhum detalhe.

Com a cerimônia dos cavalos finalizada, os residentes do povoado utilizam as brasas para assar carne e depois se entregam à festa durante a noite.

No dia seguinte, as fogueiras são acesas novamente, voltando a mergulhar as ruas em fumaça, em homenagem a Santo Antônio, o protetor dos animais.

Após quase desaparecer na década de 1960 com a emigração dos habitantes de San Bartolomé de Pinares a grandes cidades, Las Luminarias foi revitalizada por um grupo de jovens empenhados em conservar a cerimônia. A diferença é que agora os cavalos que saltam sobre o fogo, em vez de serem usados para trabalhar as terras, são valiosas posses dos cavaleiros.

Maus-tratos a animais?
Antes de que a noite caia, Diego Martín prepara seu cavalo, Dandy, um belo exemplar da raça sela francês que vai participar pela primeira vez do ritual. Enquanto trança sua crina e cobre seu rabo com um tecido para protegê-lo das chamas, Martín descarta qualquer preocupação. "Se está disposto a passar, passará. E se não gosta ou se assusta, não passará", diz Martín, de 38 anos, que cresceu em Madri, embora seus pais sejam naturais do povoado.

Mas esta cerimônia é alvo de duras críticas por parte de defensores dos direitos dos animais, que denunciam que os cavalos ficam apavorados. Em 2016, o partido espanhol contra os maus-tratos animais (PACMA) divulgou vídeos que mostravam ginetes golpeando seus cavalos, e inclusive um animal caindo no chão.

Neste ano, só alguns poucos cavaleiros carregavam pedaços de pau na mão. Pelo contrário, uma maioria levantava as mãos no momento do salto para mostrar que não batia nos animais.

Um cavalo caiu perto de uma fogueira, mas rapidamente se levantou. Os habitantes de San Bartolomé de Pinares insistem em que os cavalos não são obrigados a atravessar as chamas, e que seus proprietários os tratam com cuidado durante todo o ano, e por isso não querem expô-los a nenhum perigo.

"Não houve acidentes, nenhuma queimadura", afirma José Luis Escapez, de 57 anos, um dos organizadores do evento este ano.

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