Trump repete roteiro de 2016 para tentar embaralhar processo de impeachment
Para derrubar Trump, além da votação na Câmara, de maioria democrata, o Senado precisa declará-lo culpado com apoio de dois terços dos parlamentares
O roteiro é bem conhecido por Donald Trump. O presidente repete a estratégia usada há três anos e tenta atingir o democrata Joe Biden -seu potencial adversário na eleição do próximo ano- da mesma maneira que avançou sobre Hillary Clinton na corrida pela Casa Branca em 2016.
Com receituário que vai da distorção de notícias a ataques pessoais, Trump quer imprimir um trauma na oposição que persista até 2020, ao mesmo tempo em que alimenta um ambiente nebuloso para o inquérito de impeachment aberto contra ele no Congresso.
Foi assim que o republicano fez com que Hillary fosse dragada por suspeitas em torno da fundação Clinton e o escândalo do uso de servidores privados de e-mail quando era chefe da diplomacia americana. Mesmo que a investigação formal do FBI tenha afirmado que sua conduta fora "extremamente descuidada", mas não suficiente para recomendar indiciamento, a democrata não conseguiu se livrar da narrativa reforçada por Trump.
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Agora, ao mirar Biden -um dos primeiros colocados na arena democrata para a eleição de 2020-, insiste na acusação de que o adversário está envolvido em irregularidades. "Trump parece estar revivendo a mesma estratégia que usou contra Hillary Clinton, distorcendo reportagens em uma teoria da conspiração complicada e difícil para as pessoas entenderem", afirma Barbara McQuade, professora especialista em segurança nacional da Universidade de Michigan. "Mas ele vai repeti-la até que ela grude nos eleitores."
Vice-presidente de Barack Obama, Biden está no centro da crise que pode tirar Trump da Presidência americana. Na terça-feira (24), a democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara, anunciou a abertura de um processo de impeachment contra o republicano, revendo a postura reticente que adotava até então.
Para derrubar Trump, além da votação na Câmara, de maioria democrata, o Senado precisa declará-lo culpado com apoio de dois terços dos parlamentares, o que hoje é improvável, porque a Casa tem maioria republicana.
Enquanto adversários fazem cálculos sobre sua possível deposição, Trump tenta manter os holofotes em Biden. "O presidente faz como muitos advogados de defesa em julgamentos criminais: cria distração e confusão levando o público a não saber no que acreditar. É difícil para a parte com o ônus da prova prevalecer quando os tomadores de decisão estão confusos", explica McQuade.
Pelosi autorizou a abertura do processo após a divulgação de relatos sobre um telefonema em que o presidente dos EUA pressionou o líder da Ucrânia, Volodimir Zelenski, a investigar o filho de Biden, Hunter Biden, ex-membro do conselho de uma empresa de gás que esteve na mira da procuradoria ucraniana.
O script de Trump é mostrar que Joe Biden pressionou pela demissão do procurador-geral Viktor Shokin, que investigava a empresa na qual Hunter trabalhava. Pouco importa se Shokin renunciou sob críticas de outros líderes do Ocidente e da população local devido a acusações de que não ia a fundo em investigações de corrupção no país. Ou que o período referente à apuração sobre a empresa de gás não compreende a época em que Hunter trabalhava na companhia.
Para Trump, o que importa é aproveitar a brecha que o pré-candidato democrata deixou ao pedir a demissão de um procurador que investigava uma empresa ligada a seu filho.
Alguns dos aliados de Biden temem que ele repita Hillary e não consiga livrar sua imagem de um processo impopular, abrindo caminho para Elizabeth Warren, democrata mais à esquerda que vem ganhando espaço -e os nichos de eleitores jovens- e já aparece em primeiro lugar em algumas pesquisas.