Coronavirus

'No ano que vem, vamos ter que vacinar todo mundo de novo', diz diretor do Sírio-Libanês

Fernando Ganem está no Sírio-Libanês desde 1992 e ocupou vários cargos nas áreas da assistência e da gestão.Fernando Ganem está no Sírio-Libanês desde 1992 e ocupou vários cargos nas áreas da assistência e da gestão. - Foto: Hospital Sírio-Libanês/Divulgação

O novo diretor-geral do Hospital Sírio-Libanês (SP), o médico Fernando Ganem, de 56 anos , diz que os conhecimentos sobre a Covid-19 disponíveis até o momento indicam que será necessária uma imunização anual contra a doença.

"Ano que vem, vamos ter que começar a vacinar todo mundo de novo. Vai funcionar como funciona na gripe; mudam as variantes, tem fazer nova adaptação da vacina", afirma.

Segundo o médico, o hospital vem registrando casos de reinfecção por Covid entre pessoas já imunizadas, mas nenhum grave ou que tenha levado o paciente à morte.

Por isso, recomenda que as pessoas continuem usando máscaras não só para se proteger contra o coronavírus, mas também contra outros vírus respiratórios que estão circulando, como o H1N1, e já provocam internações.

Cardiologista e intensivista, Ganem está no Sírio desde 1992 e ocupou vários cargos nas áreas da assistência e da gestão.

Em maio, assumiu a diretoria geral, substituindo o cirurgião Paulo Chapchap, seu mentor.

PERGUNTA - Um assunto que circulou nas redes sociais recentemente foi que o Sírio estava com vários pacientes graves de Covid que já tinham sido imunizados com duas doses da vacina. O que há de real nessa história?

FERNANDO GANEM - Estamos monitorando todas as pessoas que internam, quantas já foram vacinadas.

P. - Existem pacientes internados que já tomaram a vacina?

FG - Sim.

P. - Existem pacientes que já tomaram a vacina e estão em estado crítico?

FG - Não é o que a gente está vendo. Nós e outras instituições vamos soltar publicações sobre colaboradores vacinados, quantos tiveram [reinfecções por Covid]. Na nossa experiência, não identificamos casos graves [de reinfecção] e óbito. Temos que estratificar todos os casos por idade e complexidade.

Casos individuais, a gente tem visto por aqui. Temos um caso curioso de uma médica que tem vários fatores de risco, atende em casa, já foi vacinada, teve Covid e não internou. O desfecho primário da vacina é evitar mortalidade. Agora, ter de novo o ideal seria que não tivesse mais.

Ano que vem vamos ter que começar vacinar todo mundo de novo. Vai funcionar como funciona na gripe; mudam as variantes, tem que fazer nova adaptação da vacina.

Todo mundo me pergunta e eu falo: sabe quando a gente vai ter todas essas respostas? Daqui a um ano, quando 100 milhões de pessoas estiverem vacinadas. O resto são inferências, e inferências são perigosas porque podem gerar informações infundadas.

P. - Mas teremos mesmo que nos vacinar anualmente contra a Covid, assim como ocorre com a gripe?

FG - Tudo indica que sim, pelo o que a gente tem acompanhado na literatura e com os nossos colegas. Foi como aconteceu na epidemia de H1N1 [em 2009]. Nós ainda temos casos de H1N1. Tivemos um caso recente. O paciente teve Covid, foi internado, saiu, e na semana seguinte estava com H1N1.

P. - E nesse período outros vírus respiratórios têm circulado bastante

FG - Exatamente. A gente sabe que de maio a julho, agosto, aumentam as visitas aos prontos-socorros, as internações, a mortalidade na população idosa por pneumonia. Também por isso é que a gente deve manter o uso da máscara.

P. - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vem discursando contra o uso da máscara. É o momento de deixar lado o acessório?

FG - Vamos ter que continuar usando máscara ainda por muito tempo, independentemente de uma recomendação técnica, deve ser uma orientação comportamental. Sempre que possível, precisamos diminuir a probabilidade do contágio.

P. - Como está hoje a ocupação de leitos do Sírio por Covid?

FG - Semana passada estivemos bem apertados, variando de 90% a 97% de ocupação. Felizmente hoje [segunda, 14] estamos com 84%, estamos conseguindo acomodar. Mas é muito dinâmico. Há dias em que existe espera [por leitos] no pronto-socorro.

Ano passado, nosso pico de internação tinha sido 260 pacientes. Neste ano, baixamos para 130 por duas, três semanas, e a gente pensou que teria um período de sossego. Nas últimas semanas, voltamos a ter 250 pacientes. Hoje [segunda] estamos com 164.

P. - Está sendo necessário suspender cirurgias eletivas?

FG - Dessa vez, não. Suspendemos por duas semanas alguns exames como a polissonografia, em que o paciente passa a noite no hospital e no dia seguinte vai embora. Muita gente que segurou procedimentos médicos meses atrás agora está nos procurando até porque começa a ficar ansioso, não sabemos até quando vai [a pandemia].

P. - O Sírio acaba de lançar o pronto-atendimento digital. Como vai funcionar?

FG - A experiência com pacientes com Covid possibilitou uma nova forma de atendimento para todo tipo de condição de saúde. As avaliações podem ser agendadas por meio de um número de WhatsApp. O paciente responde a uma série de perguntas para a triagem do caso e se não for considerado crítico, recebe um link para acesso a uma plataforma de telemedicina do Sírio e é atendido pelo médico de plantão. Se os sintomas forem de gravidade, é orientado a comparecer ao hospital.

P. - Várias instituições de saúde têm estendido o atendimento médico digital para áreas como escolas e empresas. Isso veio para ficar?

FG - Sim, o hospital presta hoje um serviço de saúde populacional que abrange 180 mil colaboradores de outras empresas em que o atendimento é digital. Tanto de um médico de família ou clínico-geral com nosso médico especialista, ou diretamente com o paciente.
Isso evitou idas desnecessárias ao pronto-socorro, garantindo a segurança. Antes da Covid, em torno de 20% dos pacientes que vinham ao pronto-socorro não eram submetidos a nenhum exame nem recebiam medicação. Podemos inferir que eles precisavam de uma consulta médica.
Não tenho dúvida de que o atendimento e do monitoramento digital de pacientes, serviços de saúde mental e de reabilitação a distância terão oportunidade de crescimento no pós-pandemia.

P. - O que não é possível ainda fazer com o atendimento digital?

FG - Não conseguimos substituir alguns tipos de assistência. Dor aguda, por exemplo, é uma coisa muito preocupante. Dor abdominal pode ser algo mais simples, como uma gastroenterite [infecção intestinal], uma diverticulite [inflamação ou infecção na parte interna no intestino]. O exame físico faz toda a diferença. Uma dor torácica, um formigamento, pode ser desde uma tensão emocional até um AVC [Acidente Vascular Cerebral]. Ter um olhar médico é fundamental.
Mas hoje, com uma boa anamnese, um check-list de perguntas, um algoritmo bem direcionado, você consegue saber quando orientar a pessoa a procurar um atendimento presencial ou se ela pode seguir no acompanhamento digital.

P. - No âmbito do SUS, o Sírio e outros hospitais têm desenvolvido por meio do Proadi alguns projetos usando a telemedicina nas emergências e na UTI. O que já é possível mensurar de resultados?

FG - O Lean nas emergências, essa ferramenta de gestão que ajuda a diminuir o tempo de permanência do paciente no serviço de urgência, já existia antes da pandemia e, devido à repercussão e ao impacto que causou em vários hospitais públicos, foi renovado.
Em 2020, o projeto passou por 35 hospitais do SUS. Já são 102 instituições beneficiadas em 24 estados desde que teve início há pouco mais de três anos.
No ano passado, houve redução média de 38% no tempo de espera, de 50% no tempo da passagem do paciente da urgência até a internação, e uma redução média de 11% no tempo médio de permanência na internação (de 8,5 dias para 7,6 dias, em média).

RAIO-X
Fernando Ganem é médico cardiologista formado pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), com doutorado na mesma instituição. Também é especialista em terapia intensiva, tem pós-graduação em gestão de atenção à saúde pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês e Fundação Dom Cabral.
Trabalha no Hospital Sírio-Libanês desde 1992, inicialmente como plantonista no pronto-atendimento. Já trabalhou como intensivista no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, como chefe da UTI cardiovascular no Hospital Nove de Julho. Ocupa cargos na área de gestão do Sírio desde 2007. Em maio passado, assumiu a diretoria geral do hospital. Coordena também o programa de residência de clínica médica da instituição.

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