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O amor que não pode ser

“Eu não sabia por que nome chamar; exclamei me doendo: - “Meu amor!” (Riobaldo, ao ver Diadorim-mulher)

Pernambuco receberá novo grupo de refugiados venezuelanos, na próxima segunda (17)Pernambuco receberá novo grupo de refugiados venezuelanos, na próxima segunda (17) - Foto: Divulgação

Essa é uma coisa que nasce na gente, ninguém, nem um amigo, vai ensinar. É dentro. Tenho lembranças afetivas de infância com um primo, mas estava inserido num contexto evangélico que não permitia, um pai que tinha o sonho de servir ao exército e realizou isso em mim. Realizei o sonho dele e fui matando meu desejo aos poucos. Com esse primo, me relacionei até uns 15 anos, quando decidi que não queria mais. Se eu ficasse não ia mais conseguir, teria que me assumir. Já estava demais.

Entrei para o Exército e fiquei oito anos sem ter relação com homem algum. Eu fazia Agronomia e tinha um colega de quartel, de universidade e vizinho. Felipe tinha tudo que eu idealizava: macho ele era e também inteligente, bonito. Eu não tinha como fugir e isso fodeu a minha vida.

Tinha um sentimento forte por ele, mas aos 15 eu tinha decidido que não queria isso pra mim. Não assumi, mas estava tão na cara. Ele, se sacou, ficou na dele, e passou. Pela minha decisão aos 15 anos, casei, tive filho e, a certa altura, fui fazer intercâmbio em Portugal. Caí num grupo gay e com a volta da minha esposa ao Brasil, fiquei morando só e saindo. Boates gays, bares gays; e fiz a rescisão do meu acordo comigo mesmo. Ninguém ia saber mesmo...

Voltei para o Brasil, para o meu casamento que, por fim, terminou. Não pela minha quebra de contrato comigo mesmo, mas por brigas nossas. Já divorciado, pasme, conheci outra mulher e me apaixonei por ela com tal enormidade que em dois meses já dividíamos casa. Mesmo amando, eu, autoacordo rompido, ficava também com os caras. Transava fora e em casa como se nada. Vivi dois eus.

Amor vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também, mas Diadorim é a minha neblina. Foi então que conheci Jair e não deu mais, minha filha. Eu vi nele a oportunidade que perdi com Felipe, com a diferença que ele tinha a vida aberta, era gay e queria ficar comigo. Fui. Por um motivo pueril, sem delongas, terminei o casamento. Mas me viram com ele, depois, e bateram para ela: teu ex-marido com homem. Ela quis conversar, fui. “É verdade?” É! Pra quê eu ia negar? “Você está feliz?” Tô. “Pronto, é o que importa”.

Saí da nossa casa, fui morar com a minha avó, mas Jair a todo tempo me intimava a morar com ele. Eu não podia, mas queria e decidi. Apaixonado, dei um passo para cair nos questionamentos da família. Avisei que ia me mudar e minha tia chegou: “ó, tu vai se mudar, mas aquele menino lá, teu amigo, é gay, né?”. Só disse que sim. “Vê só, tu tens filho, fosse casado, e vais dividir casa com um gay? O mundo vai dizer que...”. Eu ia fugir? Olhe, tia, se a senhora está perguntando, quer saber. Ele é meu namorado. Ela só disse: “tá, tudo bem”. Mas ela era só uma, tinha o resto. Preparei terreno nenhum, já estava puto e resolvido, os outros que se lascassem.

Minha irmã ficou sabendo numa carona. Me pediu para levá-la a um bar, mas eu já tinha combinado com Jair. Sabe de uma coisa? Olha, antes de te deixar, pego meu namorado. Um segundo e ela: “pega quem?”. Meu namorado. Ele entrou no carro e ela chorou o caminho todo. Foi ela quem contou para todo mundo, mas eu já era eu. O senhor ouviu, o que ouviu sabe, o que sabe me entende: a notícia choca, meus pais surtaram. Minha mãe chorou e meu pai perguntou: “você gosta de dar ou você gosta de comer?”. Eu gosto de comer, mas, queridinha, todo mundo dá. Eu tinha o costume hétero de ser o ativo, ele cobrou: “você quer transar como se eu fosse mulher”.

Você acredita que hoje eu não tenho mais vontade de mulher? Não sou mais bissexual não, sou homo desde abril de 2011. Importante é assumir para si, é mais paz com você. Comecei a não achar errado se eu me relacionasse com um cara, se transasse com ele. Hoje é muito natural - sou gay, esse é meu namorado -, como quem bebe água.

Lembra-se do meu acordo comigo? Por ele eu fiquei seis anos vivendo hétero, sabendo quem eu era, sem poder ser. Eu dizia “não posso” para mim mesmo. Eu achava casamento bom, naquele momento o gay estava morto, dormindo, só acordava nas punhetas. Eu, nesses anos todos, me masturbava pensando no meu primo, o da infância. Todo dia, todo dia, todo dia, casado ou não. Era o momento que eu tinha para curtir com ele, ali, no pensamento e na mão. Só deixei o costume com Jair.

Quando eu soube que seria pai, eu quis, sempre. É meu maior orgulho, a melhor parte da minha loucura hétero. Ele não sabe, de falar, que eu sou gay, mas somos muito próximos. A mãe dele sabe e ela reconhece o pai que sou, fiz curso de gestante, cuido, custeio, cumpro tudo. É por ele que eu faço tudo, nem de longe acredito que vá haver rejeição.

Carece de ter coragem. Carece de ter muita coragem... É o que liberta. O medo maior é da retaliação externa. Acho que sirvo de exemplo nisso, na firmeza, na autoafirmação. Eu não vivo escondido. Amor não tem diferença, amor. É a mesma coisa sendo homem, sendo mulher, mas tem o choque social, de religião. Eu pensava se Deus permitia isso! Permite? Permite! Eu não o amo? Amo! Então não tem essa de não poder amar uma pessoa do mesmo sexo não. Existe. Eu existo.

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