O conto do vigário - !La garantia soy yo!
Vou repetir o que já disse: não falo nem escrevo outros idiomas; nem o meu. Mas sei que, na língua inglesa, maroon pode ter vários significados: cor castanho avermelhado (bordeaux), pessoa abandonada numa ilha, um descendente de escravos da Guiana Holandesa, Índias Ocidentais etc. Também há uma banda californiana de mesmo nome, acrescido do número 5, que veio apresentar-se em São Paulo e, em paralelo, ocorreu fato que merece registro nos anais da malandragem.
O show da banda foi em um estádio paulistano. Dias antes, um grupo alugou e tratou um terreno para ser um estacionamento de automóveis. Falso estacionamento, é bom ressaltar. Antes do show, os carros chegavam, pagavam adiantado pelo uso (R$ 100) e deixavam os veículos com os manobristas. Durante o show, os “manobristas” levaram 4 ou 5 carrões, o dinheiro arrecadado e depenaram os demais autos que estavam no local. Adivinhe o que aconteceu quando os donos dos carros foram apanhá-los, após o show?
Lembrei do filme “Il Bidoni” (no Brasil recebeu o título de “A Trapaça”), de Federico Fellini, 1955. Em Portugal deram título mais apropriado: “O Conto do Vigário”. O que os personagens do filme fazem é o que outras gerações já faziam e outras continuam fazendo nos dias atuais: obter ganho ilícito, enriquecer sem causa. O filme, que veio dois anos após “Os Boas Vidas”, mostra a veia criativa de um diretor bem acima da linha média, trabalhando como poucos um enredo que escorreria pelo ralo na mão de outro. Os dois filmes são da década de 50 (séc. XX) e continuam atuais. Contêm elementos pessoais do cineasta como viria a acontecer em “Amarcord” e “Roma”.
Neste caldeirão onde se misturam bandas californianas com trapaças brasileiras e italianas, há de se concordar num ponto: o brasileiro é bastante criativo, para o bem e para o mal. No caso do falso estacionamento, mostrou a inventividade sem a necessidade de grandes estruturas. Mais, o “investimento” foi ínfimo para o retorno ilegal que proporcionou aos larápios.
Não inventei a expressão nem tenho nada contra os vigários. Ela (a expressão “conto...”) tem várias origens. Uma, de Portugal, no séc. XV; outra, do séc. XVII, vem de Ouro Preto, Minas Gerais: fala da disputa de dois párocos (Pilar e Conceição) por uma única imagem de Nossa Senhora. Mais na frente, surgiu a palavra vigarista - para denominar os que praticam “o conto”. Aliás, diga-se de passagem, este país de fontes murmurantes é pós-graduado nesses contos, a torto e a direito, nas mais variadas versões. A quantidade é tanta que merecia ser promovido a “conto do bispo”, com todo respeito aos chefes das dioceses.
*Executivo do segmento shopping centers
[email protected]
- Os artigos publicados nesta seção não refletem necessariamente a opinião do jornal. Os textos para este espaço devem ser enviados para o e-mail [email protected] e passam por uma curadoria para possível publicação.