Folha Gastronômica

O Oriente e Gilberto Freyre (2ª parte)

Tantos hábitos sociais quanto culinários herdamos dessa cultura

Doçaria foi a maior contribuição moura na Península Ibérica Doçaria foi a maior contribuição moura na Península Ibérica  - Foto: Da editoria de Arte

Apesar da forte presença moura na culinária da Península Ibérica, já referida na coluna anterior, a maior contribuição foi mesmo na doçaria. No princípio, feita com mel - um bolo a que chamavam simplesmente “de mel”, doce folhado de mel (massa folhada regada de mel), alféloa, alfenim. Mais tarde, receitas também com açúcar - arroz doce com canela, cuscuz.

Mais de 300 palavras árabes ficaram na língua portuguesa, em sua grande maioria referindo culinária: açafrão, acepipe (hoje significa aperitivo, mas no início assim chamavam passas de uva), acelga, alcachofra, alcaparra, alface, almôndega, atum, berinjela, cenoura, melão, sorvete, xarope.

Também albarrada (jarra), álcool, alqueire, arroba, fatia, garrafa; mais açougue (as-suq) - para os árabes, nome dado a uma rua estreita, com lojas dos dois lados, em que se vendia de tudo (carnes inclusive).

Tudo isso chegou até nós; sofrendo aqui, claro, algumas adaptações. Como, por exemplo, a canja de galinha, que nos veio da Índia, por lá conhecida como kanji (arroz com água) - uma “água de expressão de arroz com pimenta e cominho a que chamam canja” segundo Garcia da Orta (1599-1568).

Ou caldo de arroz - como, um século mais tarde, a chamou o jesuíta Manoel Godinho. Aqui passou a ser feita também com macuco (do tupi ma’kuku) - uma ave de grande porte (parecida com a perdiz), que vivia nas florestas brasileiras. No início reservada apenas para doentes, logo essa canja passou a frequentar jantares elegantes.

Era o prato preferido por Dom Pedro II, muitas vezes resumindo-se nela suas refeições. E a provava em todo canto. Até no teatro, “entre o segundo e o terceiro ato - que só começava, por isso mesmo, ao ser dado o aviso de que Sua Majestade terminara a ceiazinha”, segundo R. Magalhães Júnior (1907-1981). O que levou o teatrólogo Artur Azevedo, em 1888, a dizer: “Sem banana macaco se arranja, mas não passa monarca sem canja”.

Do Oriente nos veio também a arte de azulejos, banheiros, bicas, chafarizes, esteiras, fontes de jardim, palanquim, telha mourisca, janela quadriculada, gelosia, paredes grossas.

O hábito de bater palma para entrar em casa, de sentar com as pernas cruzadas em tapetes, o modo hierárquico do homem se comportar em família, o recato feminino, o ideal de mulher gorda e bonita, o modo de vestir-se (o gosto por cores fortes, o uso do xale, do leque, da bengala, do guarda-sol).

Sem esquecer o hábito do chá, do café, e do leite de coco incorporado a quase todos os nossos refogados. Também dos aparelhos de chá, da porcelana da China, das travessas da Companhia das Índias. Sem esquecer que aprendemos com eles a comer bem. Uma questão de honra. Ao convidado é oferecido o melhor. Todos, como ele mesmo disse, “traços orientais encontrados na civilização brasileira”.

RECEITA
ARROZ-DOCE COM GEMAS

INGREDIENTES
1 coco
2 l de leite
6 gemas
3 xícaras de arroz
1 pedaço de pau de canela
2 cravos-da-Índia
Açúcar
Canela em pó

PREPARO
· Junte o coco ralado com ½ litro de leite fervente, bata no liquidificador e coe. Junte com este leite de coco as gemas peneiradas. Reserve

· Escolha, lave e cozinhe o arroz em água, junto com o pau de canela e os cravos. Quando estiver cozido, junte o restante do leite (1 ½ litro) e o açúcar (a gosto). Mexa sempre, com uma colher de pau, para que não pegue no fundo da panela. Retire do fogo e junte o leite de coco misturado com as gemas. Volte novamente ao fogo e mexa até que fique um creme consistente

· Coloque em uma travessa, polvilhe com canela e sirva

*É especialista em Gastronomia e escreve quinzenalmente neste espaço

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