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PALESTINA

O que é Gaza e por que o enclave faz parte de um futuro Estado palestino?

Lar de cerca de 2,3 milhões de palestinos, região guarda séculos de História e uma herança cultural ligada ao povo

 A Human Rights Watch afirmou que os deslocamentos forçados internos de palestinos, ordenados por Israel, correspondiam a um crime de guerra A Human Rights Watch afirmou que os deslocamentos forçados internos de palestinos, ordenados por Israel, correspondiam a um crime de guerra - Foto: OMAR AL-QATTAA / AFP

O futuro de um pequeno pedaço de terra, localizado entre o Mar Mediterrâneo e as fronteiras de Israel e Egito, está no centro do maior incidente político atual do Oriente Médio, após o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmar que Washington está disposto a "assumir o controle" e realocar a população palestina da Faixa de Gaza. A ONU demonstrou preocupação de que o plano correspondesse à uma limpeza étnica, enquanto uma série de países árabes e ocidentais rechaçaram de imediato a proposta.

Com registros de ocupação humana desde o século XV a.C., Gaza tem uma área de cerca de 360 km² (ligeiramente menor que o município de Maricá). Da tríplice fronteira com Egito e Israel, no sudeste do enclave, até o extremo noroeste, na beira do Mediterrâneo, percorre-se menos de 47 km em linha-reta. O trajeto de carro entre Rafah, no sul, e Beit Hanoun, no norte, era feito em cerca de 1 hora de carro antes do caos provocado pela guerra. Com boa parte do terreno ocupado por dunas e solos arenosos, o enclave tem ainda 72 km de fronteira terrestre — a maior parte com Israel, 59 km — e uma linha costeira de 40 km, embora desde 2009 sofra com um bloqueio marítimo israelense que efetivamente retirou o controle palestino sobre as águas territoriais do enclave.
 

Corredor usado por povos antigos para trânsito entre o Norte da África e o Oriente Médio, a região, bem como todo o Levante, foram ocupadas e sofreram a influência de diversos povos, desde povos bíblicos como os cananeus, filisteus, hititas, amonitas, arameus e idumeus. A região também foi ocupada por romanos e bizantinos, passando posteriormente para o domínio do Império Islâmico, em meados do Século VII. Brancos europeus e árabes disputaram o poder da região durante o período das Cruzadas, com o Império Mameluco ficando com o domínio da região por centenas de anos — até a incorporação pelo Império Turco-Otomano, no século XVI.

Em um comentário recente ao GLOBO, o diplomata brasileiro Alessandro Candeas, ex-embaixador do Brasil na Palestina e atualmente cônsul em Portugal, referiu-se ao passado multicultural da região ao afirmar que há uma vastidão de evidências arqueológicas que apontam o povo palestino como herdeiros da complexidade cultural da região.

"O povo palestino é herdeiro dessa imensa complexidade e diversidade, não se pode dizer que não existe, ou que é uma fabricação ideológica", escreveu Candeas, que defende o direito de palestinos e israelenses de constituírem seus próprios Estados. "Tanto israelenses quanto palestinos têm direito à autodeterminação, sem exclusão do outro. A utopia de exclusividade de um grupo 'do rio ao mar' é uma afronta à paz e uma negação aos direitos históricos de ambos os lados à terra ancestral".

Corredor estratégico de Netzarim, na região central de Gaza Corredor estratégico de Netzarim, na região central de Gaza - Foto: Editoria de Arte / O Globo

Na História mais recente, a região ficou sob domínio do Império Britânico após a Primeira Guerra Mundial, com Gaza dentro do que se chamou de Mandato Britânico da Palestina. Em uma solução construída após a Segunda Guerra Mundial, quando o movimento sionista conquistou o apoio das principais potências ocidentais para estabelecer um Estado judeu após os horrores do Holocausto, Gaza ficou inicialmente como um enclave do que seria o Estado Palestino na divisão inicial, aprovado pela ONU.

Com a guerra entre israelenses e árabes em 1948 (chamada em Israel de Guerra de Independência), muitos dos palestinos que foram expulsos ou fugiram das áreas ocupadas pelo Estado judeu (no evento conhecido como 'Nakba') refugiaram-se na Faixa de Gaza, que passou a ser controlada pelo Egito. O controle da região foi tomado por Israel do Cairo em 1967, durante a Guerra de Seis Dias, período em que colonos judeus começaram a ocupar a região, aprofundando ainda mais a disputa sobre a terra.

Apenas nos anos 90 o status quo da região começou a mudar, após décadas de conflitos, incluindo organizações como a OLP e outros grupos políticos e que aderiram a lutas armadas (classificados como terroristas por Israel e seus aliados), por meio dos Acordos de Oslo. Israel entregou as responsabilidades civil e de segurança da região e da Cisjordânia à Autoridade Nacional Palestina (ANP) — que ainda governa o território mais ao norte.

As negociações para o estabelecimento de dois Estados com reconhecimento mútuo, porém, praticamente estagnaram no começo dos anos 2000. Israel ainda retirou unilateralmente todos os seus soldados e colonos de Gaza em 2005, mas sobretudo após a vitória eleitoral do Hamas em 2007, impôs uma série de controles rígidos, tanto nas fronteiras terrestres quanto no espaço marítimo de Gaza, que fez alguns estudiosos se referirem ao isolado enclave como "a maior prisão a céu aberto do mundo".

Antes da guerra, deflagrada com o atentado terrorista lançado pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, cerca de 2,3 milhões de palestinos viviam em Gaza. Estimativas de agências e organizações internacionais apontam que mais de 1 milhão chegaram a ser deslocadas pelo conflito. A Human Rights Watch afirmou que os deslocamentos forçados internos de palestinos, ordenados por Israel, correspondiam a um crime de guerra.

As Convenções de Genebra reconhecem que "transferências forçadas individuais ou em massa, bem como as deportações de pessoas protegidas do território ocupado para o território da Potência Ocupante ou para o de qualquer outro país, ocupado ou não, são proibidas, independentemente do seu motivo". (Com agências internacionais)

 

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