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OPINIÃO

Da fruticultura ao Porto Digital: como evitar a fuga de investimentos

Há alguns meses, quando a tão esperada Reforma Tributária brasileira começou finalmente a se materializar após anos de debates, um aspecto em particular despertou minha atenção: o risco concreto de o Nordeste perder investimentos devido às mudanças no modelo arrecadatório que se anunciava.

Essa preocupação me remeteu imediatamente ao notável caso do Vietnã, nação do sudeste asiático que, partindo de uma situação de extrema pobreza, soube transformar seu sistema tributário em alavanca para se tornar uma das economias mais dinâmicas da Ásia, mantendo consistentemente taxas de crescimento superiores a 6% ao ano.

O exemplo vietnamita é paradigmático. Entre as décadas de 1980 e 1990, o país possuía uma economia essencialmente agrária, devastada por conflitos armados. A virada ocorreu em 1986 com a implementação da Reforma "Doi Moi", conhecida como “Renovação”, que combinou abertura econômica com simplificação tributária estratégica. Os resultados foram extraordinários: criação de zonas de livre comércio com tributação zero para exportações, atração de gigantes globais como Samsung e Nike, estabelecimento de alíquotas entre 1% e 5% para microempresas, pesados investimentos em infraestrutura portuária e rodoviária, e massivo treinamento de mão de obra qualificada. 

Complementando esse ecossistema, o governo vietnamita implementou isenções fiscais direcionadas a setores prioritários, como eletrônicos e têxteis. O resultado? Uma trajetória que elevou as exportações anuais para impressionantes US$ 368 bilhões, volume aproximadamente vinte vezes superior ao registrado atualmente pelo Nordeste brasileiro.

No meu entender, o Nordeste brasileiro apresenta hoje notáveis paralelos com o Vietnã pré-reforma: uma economia ainda fundamentada na agricultura e turismo combinados com uma indústria tradicional, marcada por profundas desigualdades socioeconômicas históricas. Contudo, assim como ocorreu com o país asiático, a atual reforma tributária - que unifica múltiplos impostos - representa uma janela de oportunidade única para transformação econômica, embora muitos desses potenciais negócios permaneçam subexplorados.

Se observamos apenas o eixo pernambucano, identificamos um cenário similar ao do Vietnã nos anos 80: um mercado Têxtil pujante (na região do agreste) e um polo tecnológico forte, como o Porto Digital. Sem falar no tradicional setor gesseiro do Araripe que já responde por mais de 90% da produção de gesso do país, a produção de laticínio da região de Garanhuns, além da fruticultura do Vale do São Francisco, a ‘joia da coroa’ do Estado.

Dados do Banco Mundial colocam o Brasil entre os países com sistemas tributários mais complexos do mundo, onde empresas chegam a desperdiçar aproximadamente 1.500 horas anuais apenas para cumprir obrigações fiscais. Diante deste cenário, surge o questionamento central: como construir um ambiente de negócios verdadeiramente favorável, apto a impulsionar a economia regional, reduzir desigualdades históricas e ampliar a competitividade dos nossos principais eixos produtivos, no contexto da atual reforma tributária?


A substituição de cinco tributos federais e estaduais (ISS, ICMS, PIS, COFINS e IPI) pela IBS e CBS fará com que as empresas possam focar em produzir, não em lidar com guias fiscais. Um pequeno produtor de queijo, mel ou frutas gastará menos tempo e dinheiro com contabilidade.

As Zonas de Processamento de Exportação, que mantiveram seus regimes tributário, aduaneiro e cambial na reforma, emergem como poderosos vetores de desenvolvimento regional, capazes de potencializar as vocações econômicas de cada território. No Vale do São Francisco, produtores de frutas como uva, manga e melão teriam na ZPE uma plataforma estratégica para exportação sem tributação federal, com possibilidade de implantar centros de processamento e embalagem que agregam valor à produção, além de importar insumos agrícolas (fertilizantes, máquinas de irrigação e sementes) com isenção fiscal.

O Polo de Confecções do Agreste, por sua vez, poderia utilizar a ZPE para importar tecidos asiáticos livres de tarifas, transformá-los em produtos competitivos em Toritama e Caruaru, e exportá-los com tributação zero - uma fábrica de jeans local poderia oferecer preços até 30% menores no mercado europeu e africano, enquanto moderniza sua produção com equipamentos de corte a laser e estamparia digital isentos de impostos.

Já o ecossistema de tecnologia do Porto Digital encontraria nas ZPEs um mecanismo eficiente para exportação de softwares com isenção fiscal e importação de equipamentos de data center sem taxação, permitindo que startups de IoT, por exemplo, adquiram sensores na China sem custos adicionais e desenvolvam soluções tecnológicas para o agronegócio com maior competitividade internacional.

Imagine Companhias como Samsung ou Dell montando centros de distribuição na ZPE de Suape, gerando empregos qualificados!

No mercado interno, o gesso do Araripe poderia ser usado para embalagens de frutas do Vale e as confecções do agreste poderiam vestir funcionários das empresas da ZPEs.

Com isso, geraríamos mais renda, mais produção e, assim, mais participação no Fundo de Desenvolvimento Regional, isso porque as regras nacionais harmonizadas para compensar estados menos desenvolvidos, como os do Nordeste, distribuídos com base no Fundo de Participação dos Estados, poderá nos disponibilizar recursos para atrair investimentos com base em infraestrutura e mão de obra.

Com o fim da cumulatividade dos tributos, a reforma trouxe grandes vantagens para indústria, reduzindo a tributação na cadeia produtiva, fazendo com que o produto chegue mais barato no consumidor, desde que empresas tenham sistemas ágeis para compensar impostos ao longo da cadeia e se modernizem para aproveitar os créditos. A hora de produzir é agora! E, de preferência, exportar, porque as vantagens tributárias são ainda maiores.

Quanto à mão de obra qualificada, a região conta com instituições de excelência como IFPE, UFPE, UPE, SESI, SENAI, SENAC e UNIVASF. A implementação de cursos técnicos em comércio exterior, especialmente nas ZPEs como valor agregado, qualificaria desde produtores rurais até profissionais de confecção e desenvolvimento de software, criando uma cadeia produtiva integrada e competitiva.

E não se esqueçam dos corredores logísticos: melhorar a malha ferroviária, fazendo a transnordestina chegar, ao menos, até Lagoa Grande; instalarmos mais terminais portuários para conseguirmos espaços para os contêineres dos insumos importador e mercadorias a serem exportadas, melhorias na BR-104 para ligar o agreste ao sertão e um aeroporto industrial no interior do Estado para ajudar a escoar as mercadorias em mais um modal.

E, como fator transformador adicional: a fartura de sol, ventos e água salgada que temos na região, ainda podemos ser líderes em energia renovável e agroindústria sustentável, até porque empresas que investirem em energia solar, eólica, hidrogênio verde ou biomassa poderão abater parte dos custos do IBS.

Embora o espaço seja limitado para explorar todas as possibilidades, o momento exige ação imediata. A janela de oportunidade aberta pela reforma tributária não permanecerá indefinidamente. Caso não aproveitemos este impulso renovador, testemunharemos, mais uma vez, a fuga de investimentos estratégicos para outras regiões, repetindo ciclos históricos de estagnação.


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