Dom Quixote na Fliporto 2025 - 2.ª Parte
Dando continuidade ao assunto… Da essência de Dom Quixote, o cavaleiro andante preferiu falar mais sobre o capítulo inicial do livro, que, com clareza, demonstra a ideia do transcurso do enredo e, de forma concisa, sobre outros assuntos também marcantes.
Então, sobre o primeiro capítulo, ele resumiu: Em um lugar de la Mancha… vivia um fidalgo, com uma ama, uma sobrinha e um trabalhador rural da fazenda. Ele aproveitava o seu tempo ocioso para ler livros de cavalaria e, de tanto ler, sem parar, perdeu o juízo e resolveu ser cavaleiro andante: sair mundo afora para fazer justiça em favor dos necessitados, conforme aprendera nas leituras… Após limpar as armas de seus bisavós, configurou os personagens para a nova missão: o seu pangaré, o melhor que existe, nomeou de Rocinante; para si, adotou o nome Dom Quixote; e, como um cavaleiro andante “sem amor, era árvore sem folhas e frutos, e corpo sem alma”, definiu para o papel de senhora de seus pensamentos a jovem lavradora Aldonza Lorenzo, de El Toboso, com quem simpatizava, denominando-lhe de Dulcinea del Toboso, um “nome músico e peregrino” à fundamental personagem da sua imaginação, sem voz nem ação ao longo do enredo. Tomadas as providências, deu-se início à célebre história do novo e imortal cavaleiro andante… O escudeiro Sancho Pança entra na história no capítulo VII da Primeira Parte.
Sobre os assuntos selecionados:
1) O danoso escrutínio dos livros da biblioteca de Dom Quixote… prejudiciais ao fazendeiro, na opinião da ama e da sobrinha, que queriam destruí-los… Os volumes existentes passaram por análise e decisão do padre Pero Pérez, com a ajuda do barbeiro mestre Nicolás, amigos do fazendeiro, sendo vários deles condenados à fogueira… Uma cena considerada pioneira da crítica literária, bem como amenizadora do doloroso rigor da Santa Inquisição e seu Index Prohibitorum (Cap. VI, I Parte).
2) A aventura dos moinhos de vento… a luta contra os gigantes trata-se da mais conhecida e divulgada aventura de Dom Quixote, uma metáfora à injusta estrutura social vigente. Nela estreou Sancho Pança como escudeiro (Cap. VIII, I Parte).
3) A destemida Pastora Marcela… que resistiu a aceitar um casamento imposto, como ocorria naqueles tempos. Segundo ela: “O verdadeiro amor não se divide; há de ser voluntário e não forçado”. Uma personagem pioneira, de notável simbolismo para as lutas da autonomia feminina (Cap. XII-XIII, I Parte).
4) O encontro de Dom Quixote com o cavaleiro Dom Diego de Miranda, o do Verde Gabão… em que tiveram um brilhante diálogo sobre a arte da escrita, da prosa e da poesia. Este último, ao lamentar para Dom Quixote que o seu filho decidiu ser poeta, desinteressado pelos estudos acadêmicos de Salamanca, o de la Mancha responde: “Deixe o seu filho caminhar por onde sua estrela lhe chama” (Cap. XVI, II Parte).
Ao ilustrar o clássico cervantino com exemplos, inclusive com alusão à cidade do Recife, a palestra chega ao fim com os seguintes comentários complementares, momento em que o “cavaleiro andante partiu sem avisar”, como é do seu feitio.
A universalidade do livro Dom Quixote basicamente provém da força da criatividade e do humanismo da história e do notável desempenho dos personagens protagonistas, Dom Quixote e Sancho Pança.
Admirados, conhecidos em todo o mundo e amplamente reproduzidos na arte: nas diversas modalidades da literatura, na pintura, na escultura, no teatro, na música, em musical, no balé e no cinema, Dom Quixote e Sancho Pança reúnem as condições para, em breve, se tornarem Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO. Dessa forma, está em execução um trabalho de iniciativa e responsabilidade da Sociedad Cervantina de Alcazar de San Juan, na Espanha, com apoio do universo cervantino e ao qual a Fliporto aderiu.
Das perguntas finais ao cronista:
1) Miguel de Cervantes corria riscos, ao escrever um livro avançado naquele período? Sim. Mas o escritor foi criativo ao terceirizar narradores, como Cide Hamete Benengeli, e nos jogos de palavras em tramas da narrativa.
2) Quando você começou a ver o cervantismo em relação ao Recife? No início do século XXI. Com intensidade a partir de 2005, o ano do IV Centenário de Dom Quixote… Pesquisas, textos, tertúlias, palestras… A propósito, em 2021 entregamos a proposta elaborada, pioneira, do projeto Recife Cidade Cervantina, mas, estranhamente, não houve nenhuma reciprocidade e nem recebi nenhuma resposta dos destinatários… Ela consta no nosso último livro.
Como cronista desta saga quixotesca acontecida em 2025, afirmo que ela assim sucedeu, “sem afastar um ponto da verdade”, e que ficará para sempre registrada nos anais do Recife e de La Mancha.
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*ADMINISTRADOR DE EMPRESAS (UFPE), DA ASOCIACIÓN DE CERVANTISTAS (ES), DA ASOCIACIÓN INTERNACIONAL DE LECTORES Y COLECCIONISTAS DE DON QUIJOTE (MX), AUTOR DO LIVRO “SONHO IMPOSSÍVEL - O RECIFE E CERVANTES” (2024)
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