Memória. Lições da Ucrânia
“Ele, o de mil artifícios, conheceu mundo e sertão. Viu Veneza e viu Triunfo; cara a cara, a solidão (que trazia ao pé de si, numa coleira de cão).”
Félix de Athayde.
Aprendi com Aloísio Magalhães. Um projeto de nação é feito de futuro. Futuro são possibilidades. E também é feito de passado. Com referências da cultura, da história e da experiência social. Passado é mapa. Presente é responsabilidade.
O filme Ainda estou aqui, dirigido por Walter Salles, ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro deste ano. Conta o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva durante a ditadura de 64. A história é notável. Como dá voltas. Agora, além de fato político, o caso virou referência. Pela dimensão nacional e internacional. Que alcançou com o prêmio.
A premiação produz três evidências: primeira, dá amplo conhecimento, principalmente à juventude, do golpe de Estado que ocorreu em 1964; segunda evidência, acumula acervo de informações políticas que favorece uma pedagogia social contra o autoritarismo; terceira evidência, o prêmio é conferido no momento em que se encontram detidos oficiais militares, decorrente de investigação de tentativa de golpe em janeiro de 2023. É história sobre história. Luz sobre o presente-passado. Lição. Memória.
Falando em democracia, é oportuno mencionar a aula que o Brasil está dando aos Estados Unidos. O presidente Trump faz tudo para esquecer dela, a democracia. As instituições políticas brasileiras fazem o que deve ser feito para mantê-la. A democracia. Na prática, os norte-americanos ajudaram a criar uma ordem mundial no pós-guerra, em 1945. Com a frente aliada, de que fizeram parte a França, a Inglaterra, o Brasil e mais uma dezena de países. Portanto, há 70 anos. Na defesa de três principais valores: a liberdade, a democracia e o mercado. Contra o nazismo e o comunismo.
Esse ideário vem da Revolução Americana de 1776. Consagrado na Convenção da Filadélfia. Promessa, renovada em 1865, na Guerra Civil, pelo tirocínio e bravura do ex-presidente, Abraham Lincoln, republicano. Com as falhas da imperfeição humana, os Estados Unidos contribuíram para a manutenção dos valores que fundaram a nação do Norte. Para tal, linha de ex-presidentes trabalhou: John Fitzgerald Kennedy, Jimmy Carter, Bill Clinton, Barack Obama. Todos do Partido Democrata. Com a segunda eleição de Trump, o compromisso democrático daquele país rarefez-se.
Dois fatos certificam isto: primeiro fato, está em implantação, à vista de todos, uma plutocracia em Washington. Na qual o homem mais poderoso do mundo é cercado por grupo de homens mais ricos do planeta. Desenvolvendo uma visão negocista muito diferente daquilo que orienta as relações comerciais entre as nações.
Segundo fato, o governo norte-americano acaba de anunciar que deixa de oferecer suporte financeiro e militar à Ucrânia na guerra contra a Rússia. E que seu apoio, agora, é para os russos. Esta é uma decisão que altera profundamente a geopolítica mundial. Em contraste com as posições que vigoraram durante 70 anos. E pior: troca os valores democráticos do Ocidente pelo czarismo autoritário que domina e desfigura a bela nação de Rostropovitch, Rachmaninoff, Nureyev, Alexander Soljenitsin. Além de Prokofiev, Dostoievski e Tolstoi.
Que falta faz a memória. Certa vez, Aloísio lembrou versos de Camões que aprendera com Lúcio Costa: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança; todo o mundo é composto de mudança, mas tomando sempre novas qualidades”.
* Advogado, economista e colunista desta Folha de Pernambuco.
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