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OPINIÃO

Por que punir os clubes?

Tão incrédula quanto à sociedade, diante das cenas de barbárie ocorridas no sábado passado, dia do chamado "clássico das multidões", as autoridades públicas reagiram determinando a proibição do acesso de torcedores para os próximos jogos das duas equipes. Um grave erro de procedimento, cuja interpretação mais parece com aquele jeito popular de se dizer que, no trato dos carrapatos, a melhor solução está dada pelo extermínio da boiada. Afinal, a violência urbana tem múltiplas facetas e medidas generalizantes não parecem enfrentar o problema.

Por mais que criminosos estejam acolhidos nos agrupamentos que se autodefinem como "torcedores organizados", imputar aos clubes toda responsabilidade pelas cenas de um dos "modelos de guerra urbana" que aflorou pelo Brasil, não representa apenas um ato de injustiça, em si. É também uma medida precipitada que infringe pontos conceituais, pois envolvem outras responsabilidades. Por exemplo: é  extrair o direito natural de verdadeiros torcedores, que se planejaram para assistirem aos jogos, como qualquer outro entretenimento, onde riscos também existem. É também não validar os compromissos que cabem aos clubes, diante de um contexto econômico e desportivo altamente delicado. Afinal, os investimentos precisam de retorno e, ademais, jogar em estádio vazio é conceder vantagens para os adversários. Ficar abaixo nas competições é tudo que não se quer.

O fato real é que esse problema da violência que deriva do futebol bem representa um buraco mais embaixo daquilo que se observa. Sua profundidade extrapola limites. Não se dá mais dentro do estádio, a ponto de sequer se propor torcida única. É que, ao longo de muitos anos de multiconivência (aqui, até dis próprios clubes) esse absurdo ganhou status de violência urbana. Com uma ou sem torcida, nada impede que confrontos sejam marcados em quaisquer pontos. 

As redes e conexões reais sempre existiram entre distintas torcidas, não importando que o fato possa ocorrer até na Unidade Federativa vizinha. E, agora, com as conexões virtuais, a dimensão ganhou mais força. Os confrontos são marcados de modo aberto, transparente. Enfim, a sociedade hoje está diante de um problema público, que do futebol carrega a motivação emocional, para daí se destilar os instintos de ódio já espalhados por tantas outras inflamações. Infelizmente. 

Diante disso, na percepção da gravidade do problema e da sua essência de segurança pública, julgo que seria mais prudente punir, diretamente, criminosos do que transferir, indiretamente, as responsabilidades. Aí sim, com o suporte dos clubes e das entidades desportivas gestoras, essa responsabilidade privada se junta às autoridades dos 3 poderes constituídos e o Ministério Publico. Uma comunhão para agirem de modo rápido e efetivo, no combate a esse tipo de crime. A questão é por o tema entre as tantas prioridades que envolvem um claro processo de degradação social, que se materializa através de modos distintos de violência. Pois, nesse contexto social, qualquer motivação inflamada dá asas para que o mal se propague. No caso, é um jogo de futebol. Mas, outros fortes motivos estão ao alcance dos bárbaros.

Para esse assunto, o mundo já nos ofereceu algumas lições. Cabe-nos interpretá-las à nossa realidade e, acima de tudo, agir com inteligência investigativa, foco nos responsáveis e precisão na hora de punir. 

Assim, permito-me dizer que o mais sensato agora seria repensar o problema, para agir de modo direto e efetivo. Além, claro, da revogação da punição para quem não a mereceu.

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Economista, desportista e colunista da Folha de PE

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