Dom, 07 de Dezembro

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opinião

Sucessão: o negligenciado tema-chave de muitas empresas

Dias atrás, a CEO do Grupo Silvio Santos, Ana Karina Bortoni, fez uma pergunta que, para a qual, todo líder deveria ter pronta resposta: “Quem deve suceder você?”. Reflexão essencial em uma empresa, paradoxalmente é um tema que costuma ser negligenciado por quem ocupa cargos de liderança.

Seja CEO, diretor, gerente ou coordenador, pensar em quem poderia assumir seu lugar deveria ser parte natural do exercício da função. Para muitos, contudo, esse gesto soa como um sinal de despedida antecipada, de vulnerabilidade ou até ameaça ao próprio poder. Na verdade, é o oposto. Preparar um sucessor é um ato de inteligência, maturidade e visão de futuro. 

Ainda assim, a dificuldade em lidar com o tema é mais comum do que se imagina. Porque, antes de ser corporativa, é uma questão profundamente humana: escolher e preparar alguém para suceder a si próprio pressupõe aceitar sua impermanência e substitutibilidade. E a ideia de ser substituível pode ser desconfortável, mesmo para líderes que construíram carreiras sólidas e se tornaram referências em suas áreas. 

Mas não há legado sem continuidade. O que diferencia um bom gestor de um verdadeiro líder é a capacidade de garantir que o time, o negócio e a cultura prosperem mesmo na sua ausência. Curiosamente, o medo de perder relevância costuma ser o mesmo que impede o crescimento do líder. Quanto mais alguém se dedica a formar sucessores, mais se torna indispensável, não pela presença naquela função, mas pela capacidade de multiplicar e assumir novos papéis.

O profissional que ensina, prepara e inspira outros a liderar é aquele que o mercado sempre vai querer por perto. Ele não ocupa apenas um cargo. Ocupa um papel na construção de cultura, no desenvolvimento de pessoas e na criação de sentido.

Planejar a sucessão é, na prática, um exercício de autoconhecimento e generosidade. Exige olhar para o time com atenção e identificar talentos com potencial, mesmo que ainda imaturos. Implica dedicar tempo ao desenvolvimento desses profissionais, compartilhar conhecimento, abrir espaço para que tomem decisões e aprendam com os erros. 

Mas muitos líderes evitam ou postergam tal processo e nem sempre por insegurança, mas por mera impaciência. É mais fácil centralizar, manter o controle e acreditar que ninguém faz tão bem quanto você. Difícil mesmo é confiar, delegar, orientar e, aos poucos, tornar-se dispensável naquela função. 

O passo é necessário inclusive para que o líder enxergue suas próprias possibilidades de crescimento. Da mesma forma, o tema deveria ser desmistificado   nas empresas. Organizações que tratam a sucessão como tema estratégico entendem que liderança é um ativo coletivo. Elas não esperam uma crise para agir.

Dessa forma, quando um executivo se afasta, não há vácuo de comando nem correria para “tapar buraco”. Porque, como em tudo que é essencial para a empresa, há um plano de continuidade já em curso, com conhecimento compartilhado e responsabilidades distribuídas. 

É assim que se constrói resiliência organizacional. Negócios que dependem de uma única figura, por mais brilhante que seja, tornam-se frágeis. Uma liderança sem sucessor é como uma torre de marfim: alta, mas isolada e instável, nem que seja pela própria finitude humana.

A sucessão não é um fim, mas um ciclo. É o momento em que o trabalho individual se transforma em legado coletivo. E isso vale tanto para a alta cúpula quanto para as lideranças intermediárias, aquelas que sustentam o dia a dia das operações.

Feita por pessoas, uma empresa não pode, contudo, depender de uma ou outra, mas de um conjunto de princípios e práticas que sobrevivem à troca de nomes e cargos. Por isso, todo gerente deveria se perguntar: “Se eu saísse amanhã, o que ficaria em pé?” Se a resposta for “pouco”, é sinal de que seu trabalho não está completo: falta preparar o terreno para o que virá depois.



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