Tanto mar, ainda a navegar
“Se lembra do futuro que a gente combinou, eu era tão criança e ainda sou, querendo acreditar que o dia vai raiar”.
Chico Buarque, em Maninha
Ando procurando o espírito de Churchill. Vejam bem. Em 29 de setembro de 1938, foi firmado o Acordo de Munique. Com as assinaturas de Neville Chamberlain, primeiro-ministro britânico; Edouard Daladier, francês; Benito Mussolini, italiano; e o Fuhrer.
Era tentativa frustrada de conter a Alemanha. Que, em 1940, invadiria a Polônia e a Noruega. E, em 1941, iria até a União Soviética. O Fuhrer tinha abandonado a Liga das Nações, em 1933. E o primeiro-ministro inglês, Chamberlain, tentava, no Gabinete, obter acordo improvável. Com a invasão alemã na Noruega, Chamberlain renunciou. Foi substituído por Churchill. O charuto mais ousado da Europa.
Churchill nunca admitiu ajuste com a Alemanha. Porque intuía os propósitos do Fuhrer. Resistiu à pressão do seu Gabinete. Resistiu aos acenos alemães. E, na solidão de uma Europa fraturada, foi em frente. Não tinha mais libras para comprar armamento aos Estados Unidos. Conseguiu fazer um contrato com Franklin Roosevelt. No sistema lend/lease. Empréstimo arrendamento. Aprovado em 1941.
O tempo, e a tempestade de bombas sobre Londres, continuavam. Churchill, o Leão de Downing street, lutava como podia. A mão do destino, ajudado pela imprudência de Yamamoto, vieram em sua ajuda. Pearl Harbor. Em 7 de dezembro de 1941. Com o ataque japonês à base americana, a entrada dos americanos na guerra. Mudando inteiramente seu curso. Sinais de vitória dos aliados.
Não fora a bravura e a perspicácia de um político. Que fumava charuto e tomava diariamente sua dose de Pol Roger, o nazismo teria assumido o cenário mundial. Penso: onde anda o olhar de Churchill ?
A paisagem tropical está mais amena. Embora permaneça desigual. Com ausente nível de lucidez. E ampliado grau de poder do Centrão. No desequilíbrio dessa balança, quem perde é o país. O Centrão escapou da Lava Jato. Depois, no fastio de poder do governo passado, ganhou o orçamento secreto. Aumentou o número de deputados federais. Mesmo com pesquisa mostrando que 76% da população é contrária à medida.
Mais ainda. Derrubou os vetos do presidente da República em projeto de lei sobre compra compulsória de energia. De termoelétricas e eólicas. Em Brasília, todo mundo sabe que se trata de jabutis. Empurrado no texto legal por notórios lobistas. Inserção amoral que encarece as contas de luz dos brasileiros.
Tem mais. Na noite de São João, o jovem presidente da Câmara dos Deputados avisou que colocaria para votar, no dia seguinte, projeto de Decreto Legislativo. Para revogar o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras - IOF. Iniciativa proposta pelo governo para ajustar o quadro fiscal. Aprovação líquida. O governo teve menos de cem votos. No Senado Federal, experiente direção, idem.
O IOF é tributo para regular cobrança fiscal. Não é para promover arrecadação. Mas Decreto Legislativo, conforme a Constituição, é usado quando o Poder Executivo exorbita sua competência. Não quando o Congresso discorda do mérito do projeto. O Centrão está aparentemente exercitando a sangria do governo. Derrota o país.
Parece estar faltando grandeza ao Centrão. Tão grande. Como disse o ex-presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, “política é a arte do possível”. O Centrão está fazendo o possível para si próprio. É pouco.
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