Opinião

PEC 32/2020 e o perigo aos direitos dos cidadãos brasileiros

A Comissão Especial da Reforma Administrativa finalizou seu trabalho de análise e modificação do texto da Proposta de Emenda Constitucional nº 32/2020 (PEC 32/2020). O primeiro relatório apresentado pelo deputado Arthur Maia (PP/BA) modificou de maneira significativa a proposta original do governo Bolsonaro, avançando em tópicos importantes, como a manutenção da estabilidade para todos os servidores públicos e a extinção dos cargos de liderança e assessoramento, que ameaçavam aparelhar o Estado brasileiro com mais de um milhão de nomeações baseadas em critérios políticos.

Porém, os relatórios subsequentes trouxeram sucessivas regressões. O sétimo e último relatório, apresentado poucas horas antes de sua votação e aprovação na Comissão, contém retrocessos que ameaçam o caráter republicano dos serviços públicos no Brasil, cujas bases principiológicas foram lançadas na Revolução de 1930 e consolidadas na Constituição Federal de 1988, que completou recentemente 31 anos de existência. 

Um dos pilares mais importantes do Estado de Direito é a separação dinâmica e flexível entre governo e administração, um intricado mecanismo de freios e contrapesos construído para evitar o abuso e o desvio de poder. Nesse arranjo cabe à burocracia estatal, formada por servidores com vínculo estável com o poder público, assegurar a prevalência da legalidade, da impessoalidade e da moralidade na execução concreta dos serviços públicos e no funcionamento das estruturas de governança do Estado brasileiro.

A PEC 32/2020 fragiliza esse sistema, ao confundir governo e administração, criando oportunidade para a captura dos serviços e instituições públicos não só por interesses políticos de curto prazo, como por interesses particulares de quem tem ou possa ter relações privilegiadas com as autoridades públicas.

O prejuízo mais evidente ao interesse público é a facilitação que tais mudanças regressivas representam no que se refere à facilitação do tráfico de influência e da corrupção. Todavia, há, além disso, um segundo risco: o de fragilizar o próprio sistema de freios e contrapesos, permitindo a captura dos órgãos e das funções de Estado por interesses políticos imediatistas, fazendo com que os organismos de Estado sejam progressivamente transformados em mera correia de transmissão dos interesses de curto prazo de governantes plenipotenciários.

Pontuo aqui três grandes retrocessos. Primeiro, a ampliação indiscriminada das terceirizações, por meio dos acordos de cooperação. Quem acompanha os noticiários sabe que a terceirização dos serviços de saúde configura uma das principais fontes de corrupção e tráfico de influência. 

Em segundo lugar, a PEC 32/2020 facilitará a contratação temporária, que deixa de ter como pressuposto o atendimento de “necessidade temporária de excepcional interesse público”, para se tornar uma forma de contratação voltadas às necessidades permanentes do serviço público, com vínculos que poderão se estender por até dez anos. 

Por fim, a PEC irá fragilizar a estabilidade dos atuais e futuros servidores, que poderão ser demitidos por decisão judicial sem trânsito em julgado, com base em duas avaliações negativas, ou ainda por declaração de obsolescência ou desnecessidade.

Defender a democracia e o Estado de Direito são tarefas de todas as forças políticas e sociais comprometidas com o pluralismo e a prevalência dos valores constitucionais. Nesse contexto, cabe aos servidores públicos com vínculo permanente com o Estado brasileiro impedir que a administração pública seja porta de entrada para a vandalização da Constituição brasileira, pacto fundamental do acordo político que permite o convívio civilizado de diferentes visões de mundo. 


*Presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe)


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