Prefeitura de Campinas investiga se houve omissão no caso do menino preso em barril
Criança era mantida nua e em condições degradantes
A Prefeitura de Campinas, em São Paulo, afirmou, nesta terça-feira (2), que irá abrir uma investigação para verificar eventuais omissões e falhas de servidores públicos, além de entidades conveniadas, com relação ao caso do menino de 11 anos que era mantido acorrentado em um barril de lata pela família, no Jardim Itatiaia
A vítima foi libertada por policiais militares, por volta das 16h30 de sábado (30), após a corporação ser acionada por um vizinho, que gravou com um celular o local onde a criança era mantida nua e em condições degradantes.
O prefeito Dário Saadi (Republicanos) afirmou nesta terça que, além da investigação, o governo municipal também irá propor melhorias e adequações no fluxo de atendimento a crianças em situação de vulnerabilidade.A vítima foi libertada por policiais militares, por volta das 16h30 de sábado (30), após a corporação ser acionada por um vizinho, que gravou com um celular o local onde a criança era mantida nua e em condições degradantes.
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A medida foi tomada após o Conselho Tutelar Sul, que acompanhava o caso do garoto há mais de um ano, afirmar não ter detectado sinais de que a vítima era torturada. "Nas últimas informações que chegaram ao órgão, em dezembro de 2020 e janeiro de 2021, recebemos a notícia de que a situação da criança e da família vinha evoluindo bem e positivamente", diz o conselho, em nota.
Saad acrescentou, segundo nota da prefeitura, que a investigação foi aberta nesta terça após análise de relatórios feitos pelas secretarias municipais da Saúde e de Assistência Social, que foram intimadas, nesta segunda-feira (1º), a entregar documentos em, no máximo, 24 horas. Até o momento, nenhum servidor foi afastado de suas funções.
As apurações, segundo o texto, serão feitas "em absoluto sigilo" pela Secretaria da Justiça, que terá até 60 dias para concluir o levantamento. O prazo pode ser prorrogado por mais 30 dias.
Os relatórios enviados nesta terça pelas secretarias, ainda de acordo com o prefeito, apontam "vários atendimentos" feitos ao menino e a parentes dele, desde setembro de 2019. Detalhes não foram dados para não expor a vítima.
O Conselho Tutelar Sul de Campinas afirmou nesta terça-feira, também em nota, acompanhar o caso da criança há cerca de um ano, por meio de relatórios e reuniões. O órgão acrescentou "não ser verdadeira" a afirmação de que sabia das torturas sofridas pelo menino.
"Inclusive, nas últimas informações que chegaram ao órgão, em dezembro de 2020 e janeiro de 2021, recebemos a notícia de que a situação da criança e da família vinha evoluindo bem e positivamente", diz.
O órgão acrescentou ter tomado providências e medidas para garantir os direitos do menino, além da proteção dele, desde que o caso foi encaminhado à polícia.
A criança, que foi internada no próprio sábado com quadro de desnutrição, continua no hospital. A Secretaria Municipal da Saúde afirmou, por volta das 12h desta terça, que o estado de saúde do menino é estável. Ele permanece internado para ganhar peso. Quando tiver alta, segundo o Conselho Tutelar, a criança deverá ser levado para um abrigo.
O pai do garoto, um auxiliar de serviços gerais de 31 anos, sua mulher, uma faxineira, de 39, e a filha dela, uma vendedora de 22 anos, foram presos em flagrante, por tortura. A Justiça determinou a prisão preventiva do trio, ou seja por tempo indeterminado, na tarde desta segunda (1º). A defesa deles não foi localizada até a publicação desta reportagem.
Em depoimento feito à polícia no fim de semana, o pai da vítima alegou que o filho "era muito agitado dentro de casa" e que ele decidiu acorrentar a criança "para educar o menino".
O Ministério Público anunciou nesta segunda que iria instaurar um procedimento para acompanhar os desdobramentos do caso.
O Conselho Tutelar pede, na nota, para que as pessoas não compartilhem fotos e vídeos do menino, para preservar a imagem e dignidade da vítima, como é prevista na Constituição e no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Despreparo e sobrecarga
O advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos da infância e juventude, afirmou que a conduta dos conselheiros tutelares, além das secretarias envolvidas no caso, precisa ser investigada pela Promotoria da Infância e da Juventude de Campinas, para a verificação de eventuais descumprimentos de atribuições previstas no ECA e também prevaricações (crimes contra a administração pública).
"Muitas vezes além de uma possível falha do Conselho [Tutelar], por despreparo dos conselheiros, sobrecarga de trabalho, falta de estrutura ou mesmo falta de comprometimento com a causa, falta uma rede de apoio da Assistência Social, com programas sociais que acompanhem e orientem as famílias, inclusive com assistência psicológica para crianças hiperativas e para os pais e familiares delas", afirmou o especialista ao Agora.
Ele acrescentou que, por causa da pandemia da Covid-19, as pessoas ficam mais em casa, proporcionando uma intensificação de casos de violência doméstica e conflitos familiares.
Segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública), gestão João Doria (PSDB), do total de 2.893 assassinatos registrados no estado de São Paulo, no ano passado, 656 ocorreram dentro de residências, representando 22,7% do total.
No ano anterior, foram 2.778 homicídios registrados, dos quais 613 foram realizados na casa das vítimas, correspondendo a 22,1% das ocorrências.
Comparando somente os assassinatos em residências, houve aumento e 7% em relação as crimes de 2019 e 2020 em todo o estado.
Entenda o caso
Um menino de 11 anos foi encontrado, no último sábado (30), preso em um barril, em Campinas, no interior de São Paulo, com pés e mãos acorrentados, após a denúncia de um vizinho. O responsável por esse crime foi o próprio pai da criança, que admitiu o crime antes de ser preso.
Após denúncias de vizinhos, a polícia foi até uma residência em Campinas e encontrou uma criança vivendo em condições subumanas. O menino contou que o pai o deixava ali sem roupa e não permitia que saísse nem para fazer suas necessidades ou se alimentar, e que passava vários dias naquela situação.
"Há um ano e meio eu fiz uma denúncia para eles, o Conselho falou que não podia resolver, que precisaria de prova, ou imagem ou vídeo", contou à Record TV Ivanei Queiroz, vizinho que gravou o vídeo e fez a denúncia para a polícia.
Policiais militares usaram um alicate para remover as correntes que prendiam os pés e as mãos do menino, que era mantido no cativeiro montado pelo próprio pai. Sem comida, o menino pesava 25kg, peso médio de uma criança de 7 anos, e chegou a se alimentar das próprias fezes para sobreviver.
A madrasta da criança e a filha eram cúmplices da tortura. O pai do menino, a madrasta e sua filha foram presos assim que chegaram na residência.
O pai da criança disse à polícia que a atitude era para educar o filho que tinha um comportamento agitado.
Em nota, o Conselho Tutelar informou que nos relatórios de atendimento da criança e da família vinha tendo um avanço positivo, mas o relato de vizinhos diz o contrário.
Após ter sido libertado o garoto tomou água, se alimentou e foi levado para o Hospital Ouro Verde, onde está internado em tratamento, devido ao estado de desnutrição.
Vai ser apurado se houve negligência do Conselho Tutelar durante os atendimentos realizados na casa da vítima. Também é investigado se outros familiares sabiam da situação.