Presidente do México evitou tarifas dos EUA com o envio da Guarda Nacional para fronteira
Com postura diplomática e equilibrada, presidente mexicana conseguiu fazer o líder republicano recuar, pelo menos por um mês, de sua ameaça econômica
Na manhã de segunda-feira, quando a presidente do México, Claudia Sheinbaum, anunciou que havia chegado a um acordo com seu homólogo americano, Donald Trump, para suspender as tarifas elevadas contra seu país por um mês, o presidente do Senado mexicano, Gerardo Fernández Noroña, não ficou surpreso.
Ao The Times, ele disse saber que ela “tinha a situação sob controle” assim que soube que os dois chefes de Estado conversariam por telefone. Após o anúncio da líder mexicana, ele definiu o ocorrido como “uma grande negociação”.
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— Parecia que não havia espaço para esse nível de entendimento, mas ela lidou muito bem com a situação.
Enquanto o México enfrentava a ameaça de uma guerra comercial com seu maior parceiro e vizinho, Sheinbaum conseguiu garantir um importante alívio para seu país — numa negociação que destacou sua capacidade de enfrentar uma grande crise.
Ao contrário do primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, a reação dela diante das ameaças de Trump não foi impor uma longa lista de contramedidas: em vez disso, ela continuou insistindo na cooperação.
O rápido sucesso da presidente mexicana aumentou a pressão interna no Canadá e estabeleceu um alto padrão para Trudeau fechar um acordo semelhante.
Também mostrou como os dois líderes estão em posições de poder muito diferentes. Sheinbaum — apenas quatro meses após iniciar seu mandato de seis anos — conta com um governo unido, com maioria no Congresso. Já Trudeau está a caminho da saída, com profundas divisões em seu partido e o anúncio, em janeiro, de sua renúncia.
— Sheinbaum administrou o presidente Trump habilmente — disse Pamela Starr, professora de relações internacionais na Universidade do Sul da Califórnia, à Bloomberg. — Ela realmente tem se esforçado para ser cooperativa quando se trata dos pedidos dele.
Postura diplomática
Desde que Trump ameaçou impor as tarifas, ainda em novembro, apenas algumas semanas após sua reeleição, Sheinbaum tem sinalizado que os dois países podem encontrar uma maneira de trabalhar juntos.
Ela anunciou um plano para construir centros de recepção na fronteira para os milhões de deportados que Trump prometeu enviar, e seu governo divulgou as apreensões de drogas que fez. A mexicana também disse que a América do Norte poderia se unir contra a China.
Ainda assim, analistas avaliam que, na prática, o acordo alcançado entre os dois líderes “saiu barato” para o México.
Os detalhes das negociações entre Trump e Sheinbaum nos bastidores não foram divulgados, mas o que se sabe é que, em troca do adiamento das tarifas de 25% sobre produtos mexicanos até pelo menos o início de março, o México concordou em mobilizar 10 mil membros adicionais da Guarda Nacional na fronteira, com a promessa de “impedir o tráfico de drogas”, especialmente de fentanil.
Embora o aumento do número de tropas seja uma novidade, o uso da Guarda Nacional para patrulhar a fronteira não é. Além disso, os EUA concordaram em fazer algo que Sheinbaum vinha pedindo repetidamente: cooperar para interromper o fluxo de armas para o território mexicano. No fim das contas, segundo especialistas ouvidos pelo The Times, o México parece ter concedido muito pouco para evitar um colapso econômico.
Lições para o México
Antecessor de Sheinbaum, Andrés Manuel López Obrador (2018-2024) construiu uma relação de trabalho próxima com Trump nos primeiros anos de sua administração, apesar de ameaças semelhantes terem acontecido, como tarifas e a imposição do pagamento de um muro na fronteira com o México.
Para evitar as tarifas, o mexicano também reforçou o controle migratório e chegou a enviar a Guarda Nacional para a fronteira. No entanto, há uma diferença fundamental entre López Obrador e Sheinbaum: enquanto ele adotava, em certos momentos, um tom mais confrontador em relação ao vizinho americano, ela mantém uma postura mais equilibrada.
Na segunda-feira, Sheinbaum disse ter tido uma conversa “muito respeitosa” com Trump — que, por sua vez, descreveu o telefonema de 30 minutos como “muito amigável”. Após as negociações, a líder mexicana afirmou que há uma relação “de respeito e igualdade” entre os países, e que “isso é o mais importante”.
Nas últimas semanas, Sheinbaum e sua equipe foram discretos sobre como poderiam responder à imposição de tarifas pelos Estados Unidos. Depois que Trump ordenou sua implementação, a presidente prometeu revelar na segunda-feira as primeiras medidas de um chamado “Plano B” de resposta. Mas, antes disso, pediu a Trump que respondesse à sua proposta de criar um grupo de trabalho com autoridades de segurança e saúde de ambos os países.
Viridiana Ríos, analista política no México, afirmou que a estratégia de Sheinbaum se baseou, em parte, na apresentação de dados à Casa Branca que permitiram a Trump vender um suposto triunfo a seus apoiadores em questões-chave como imigração.
Autoridades mexicanas mostraram a seus pares americanos que conseguiram reduzir significativamente a migração rumo ao norte, abordando outra preocupação de Trump. Em resposta, ele declarou que a segurança da fronteira havia sido reforçada.
Ríos destacou que a principal lição que o México pode tirar desse episódio é a necessidade urgente de criar alianças regionais e diversificar sua economia para reduzir a dependência dos EUA, um vizinho que, por vezes, se mostra imprevisível. Em 2020, o republicano assinou o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA, na sigla em inglês), mas agora ataca seus parceiros comerciais.
— Os EUA já não são o parceiro comercial confiável que eram antes — disse. — As ameaças dele continuarão, e meu medo é que chegue um momento em que não encontremos uma maneira de satisfazê-lo.
10 mil membros da Guarda Nacional
O envio de 10 mil membros da Guarda Nacional para a fronteira com os EUA foi iniciado nesta terça-feira. O acordo deve colocar grande pressão sobre a Guarda Nacional, força criada em 2019 e que passou a ficar sob controle do Exército mexicano após uma emenda constitucional aprovada pelo Congresso do país em setembro do ano passado.
Diferentemente dos EUA, o México não tem uma patrulha de fronteira. Como os agentes de imigração são proibidos de portar armas, o país depende fortemente do Exército e da Guarda Nacional para patrulhar a área fronteiriça.
Nos últimos anos, o México tem contado com a Guarda Nacional para conter a imigração ilegal para o território americano. Em 2019, sob pressão de Trump sobre a questão migratória, o então presidente mexicano López Obrador enviou tropas da Guarda Nacional para a fronteira com a Guatemala, no sul.
Agora, a força de cerca de 130 mil membros está sendo requisitada para intensificar os esforços de combate ao tráfico de drogas no norte.
Sheinbaum disse que os 10 mil membros seriam realocados de outras regiões do país, mas não deu mais detalhes sobre o assunto.
Também não especificou o custo da operação, indicando apenas que ambos os países se comprometeram a trabalhar juntos para combater o tráfico no norte e frear o fluxo ilegal de armas no sul, que acabam nas mãos de grupos do crime organizado no México. Nesta terça, o governo mexicano informou que as tropas já foram redistribuídas para 18 cidades.